Opinião

Sexualidade no envelhecimento


Ana Filipa Vilaça

Médica de família, USF Vale de Cambra. Membro do Grupo de Estudos da Sexualidade da APMGF



O envelhecimento é um processo multidimensional, caracterizado por um conjunto de alterações biológicas, psicológicas e sociológicas, além da idade cronológica.

Com o aumento da esperança média de vida, todos os países enfrentam grandes desafios para garantir que os sistemas de saúde e sociais estejam preparados para aproveitar ao máximo esta mudança demográfica. Pretende-se alcançar um “envelhecimento bem-sucedido” com idosos livres de doença, satisfeitos com a vida, com bem-estar físico, psicológico e social.

A sexualidade, como parte integrante da vida de cada indivíduo, contribui para o equilíbrio físico e psicológico e acompanha-nos ao longo de toda a vida. E, segundo Maslow, o “sexo” representa uma necessidade fisiológica básica, encontrando-se na base da pirâmide de necessidades e a intimidade relacional e sexual surge no terceiro patamar, o do Amor/Relacionamento.

De facto, a satisfação com a vivência da sexualidade no idoso associa-se a bem-estar psicológico e físico, o que, por sua vez, está associado a diminuição do stress físico e mental derivado de doenças associadas ao envelhecimento. Inclusive, vários estudos têm demonstrado a associação entre satisfação com vida sexual e melhoria dos índices de saúde.

São, contudo, expectáveis alterações a nível da resposta sexual no processo de envelhecimento. Se, por um lado, a mulher encontra na menopausa uma alteração abrupta a nível hormonal, com impacto na sexualidade, o homem vai sofrendo alterações progressivas.

Efetivamente, ao nível da sexualidade masculina, verifica-se uma diminuição progressiva da testosterona, com repercussão na função sexual, ocorrendo diminuição do desejo, diminuição na sensibilidade peniana (tornando a ereção mais dependente de estimulação física e ereções menos duradouras), aumento da fase de plateau, diminuição da duração do orgasmo e aumento do período refratário.

Ao nível da sexualidade feminina, verifica-se uma diminuição de estrogénios, com impacto na libido, diminuição na vasocongestão, menor lubrificação, com predisposição para secura e atrofia vulvovaginal e dor sexual.


Filipa Vilaça

É reconhecido que com o aumento da idade aumenta a prevalência de doença em geral e de disfunção sexual. Porém, com o envelhecimento, a relação sexual coital parece deixar de ser um pré-requisito absoluto para mulheres e homens sexualmente ativos.

A saúde em geral parece ser um dos principais determinantes de uma sexualidade satisfatória no idoso. Outros determinantes a considerar são, por exemplo, a iatrogenia, fatores relacionais, institucionalização, luto e atitudes face à sexualidade. É importante que os profissionais de saúde assumam uma abordagem holística e transversal da sexualidade, não esquecendo, por isso, a abordagem da sexualidade no utente idoso.

Frequentemente, em consulta, o utente não toma a iniciativa de abordar esta temática por não considerar o assunto prioritário, em detrimento de outros problemas, apesar de a maioria o considerar um fator importante para a sua qualidade de vida.

Além do impacto na qualidade de vida, a associação da disfunção sexual com doenças como as cardiovasculares constitui um dos motivos determinantes para que esta temática seja considerada em consulta.

O médico de família tem, por isso, um papel fulcral, podendo atuar na promoção de literacia em saúde, na promoção de saúde global e sexual e na prevenção de problemas/disfunções sexuais relacionados com iatrogenia e com comorbilidades existentes.



O artigo pode ser lido na edição de março do Jornal Médico dos cuidados de saúde primarios.

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