«Hospitais gerais do SNS não têm camas psiquiátricas suficientes»

A permanência excessiva de doentes nos serviços de Urgência é uma consequência direta do facto de o atual número de camas psiquiátricas para casos agudos nos hospitais gerais do SNS ser insuficiente.

O alerta para esta situação foi feito pela presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), que sublinhou a circunstância de “haver camas de agudos ocupadas por casos sociais". Também há “uma ausência de respostas e faltam vagas nos Cuidados Integrados, que teoricamente visariam à recuperação global e à integração psicossocial da pessoa na comunidade, ou, em certos casos, a permanência em residências de apoio máximo”.

Maria João Heitor, que falava na sessão de abertura do 7.º Encontro Nacional do Primeiro Episódio Psicótico, realizado recentemente em Coimbra, sublinhou a necessidade de se promover a articulação da Saúde com a Segurança Social para se conseguir alterar esta situação.


Intervenção de Maria João Heitor

Paralelamente, “há ajustes que obrigatoriamente têm que ser realizados na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, adaptando-a às necessidades realistas de pessoas com doença mental grave e que dela precisam e para a qual são referenciadas”.

A médica, que é diretora do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Beatriz Ângelo e não pôde estar presente fisicamente no evento, lembrou ainda ser “fundamental a articulação e a complementaridade com casas de saúde dos institutos religiosos e outras unidades do setor social da Saúde e privadas”.



"A mesma encruzilhada de há 50 anos"

Presidida por Nuno Madeira, psiquiatra do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), a Secção do Primeiro Episódio Psicótico da SPPSM realizou, dias 6 e 7 de outubro, o seu primeiro encontro presencial pós-pandémico.

Ao intervir na cerimónia de abertura, o presidente do Colégio da Especialidade de Psiquiatria fez questão de recuar no tempo: “Quando eu entrei como interno no Serviço de Psiquiatria do CHUC, já nessa altura se colocavam os problemas e as interrogações que hoje se põem em relação à psicose.” E acrescentou: “Deparamo-nos com a mesma encruzilhada de há 50 anos, tanto do ponto de vista do tratamento como na procura das causas desta doença.”

De qualquer forma, António dos Reis Marques reconhece que “houve melhorias nos cuidados que prestamos aos doentes, na forma como os consideramos, pois, lidamos com pessoas. Também as competências melhoraram, há mais recursos humanos e também materiais, e eu julgo, e espero, que nos próximos 50 anos o caminho a percorrer nos leve realmente à resolução das questões que ainda hoje se põem.”


Nuno Madeira, Joaquim Gago e António dos Reis Marques 


Joaquim Gago, psiquiatra do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, interveio na qualidade de representante da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental, chamando a atenção para “a importância do movimento de intervenção precoce na psicose no desenvolvimento dos cuidados de saúde mental”, uma área definida como prioritária pelo organismo que integra.



Alargar a disponibilização gratuita dos antipsicóticos para fora do SNS

Maria João Heitor já havia destacado, nas palavras que proferiu, que “temos verificado que a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental está atenta à doença mental grave e que aposta não só na criação de equipas comunitárias, com o respetivo financiamento, como também na formação destes profissionais, assim como na articulação da Saúde Mental com os Cuidados de Saúde Primários”.

Contudo, frisou, “muitas destas políticas e práticas no terreno extravasam a área da Saúde, todos sabemos que há que envolver outros setores, como a Segurança Social, a Educação, o Emprego, as Autarquias, a Justiça, a Habitação e as Finanças, múltiplos stakeholders, num conjunto de intervenções nem sempre fáceis de coordenar”.

A presidente da SPPSM considera que, “para além do que já está a ser feito, a muitos níveis, temos que atuar a montante dos CSP, na base da pirâmide, na informação e sensibilização do público em geral, junto das famílias, das escolas, das empresas, visando uma maior literacia nesta área. Só assim os sintomas precoces de doença mental poderão ser mais facilmente detetados e as pessoas devidamente encaminhadas”.



No seu entender, embora tenham sido, entretanto, implementados em alguns serviços hospitalares de Saúde Mental programas diferenciados dirigidos a casos de psicose inicial, “o acesso a uma avaliação adequada, a um diagnóstico precoce e às melhores práticas está distribuído de forma heterogénea no país”.

Isso sucede porque “alguns serviços estão carenciados de recursos humanos, mas também por alguns fatores ligados a determinantes como pobreza e desigualdade salarial, ou à existência de populações migrantes”.

Maria João Heitor deixou claro que “a psicose é uma das condições clínicas mais impactantes na vida de uma pessoa e mais significativa na saúde mental, nomeadamente em termos de morte prematura”. Daí que defenda terem que ser “criados mecanismos para o alargamento da disponibilização gratuita dos antipsicóticos para fora do SNS, para que a eles tenham acesso todos os que apresentam doença mental grave”.


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