Novas tecnologias na Psiquiatria: «Usufruir do melhor de dois mundos com benefício para os doentes»

“As novas tecnologias, em si mesmas, são ferramentas fundamentais para o progresso, mas temos de estar atentos e agir preventivamente face aos potenciais riscos a nível relacional.” Foi desta forma que Maria João Heitor, diretora do Serviço de Psiquiatria do Hospital Beatriz Ângelo (HBA), resumiu o que se falou nas 2.as Jornadas de Psiquiatria e Saúde Mental do HBA, que tiveram como tema central “Psiquiatria 2.0 - Novas Tecnologias, Nova Psiquiatria?”, e que decorreram em Lisboa.

Para Maria João Heitor é preciso encontrar “o balanço certo entre tecnologia e humanidade e garantir que os avanços, inevitáveis e desejáveis, sejam usados em prol do nosso bem-estar”.

Em entrevista à Just News, a médica fez questão de realçar que “quando se fala em novas tecnologias aplicadas à Psiquiatria, referimo-nos a formas inovadoras ou à reinvenção de outras consagradas para diagnóstico, terapêutica e prognóstico de doenças mentais”. Assim, a especialidade terá “necessariamente de usufruir do melhor de dois mundos com benefício para os doentes, famílias e comunidade em geral”.



Maria João Heitor

A presidente eleita da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM) reconheceu, contudo, que nesta área existe, “simultaneamente, um fascínio e um medo face aos desafios da tecnologia” que colocam várias questões, tais como a preparação dos futuros profissionais ou a existência de uma "ética digital, que seja aberta e protetora da humanidade e do planeta Terra”. Assim, deve ter-se em conta "a influência negativa e positiva esta nova realidade".



“Uma Psiquiatria de precisão e, progressivamente, mais personalizada”

Focando-se primeiramente no impacto negativo da tecnologia na saúde mental, Maria João Heitor destacou a prevalência do jogo patológico: “Nos jovens, maioritariamente, mas também em adultos, a ´adição` comportamental aos videojogos e à internet, é já considerada uma nova dependência".

No entanto, acrescenta, "não deve ser encarada de modo isolado, mas sim associada muitas vezes a outras formas de morbilidade psiquiátrica como a ansiedade, a depressão (e o suicídio) e o consumo de substâncias que surgem, quer pré-existentes a esta ´adição` quer em comorbilidade”.

O cyberbullying é outra das consequências, assim como o gambling, isto é, jogos a dinheiro, sendo que este último está mais associado ao sexo masculino. “Temos de estar preparados para identificar, definir os objetivos a atingir, selecionar ações e atividades a desenvolver, avaliar e divulgar resultados”, alertou.



Numa vertente mais positiva, as novas tecnologias também estão a ser utilizadas como ferramentas na prática clínica. É o caso da inteligência artificial, machine-learning, Psiquiatria e Psicologia computacionais, experience sampling method, robótica, plataformas e ambientes virtuais e utilização de apps, entre outras. Para a diretora, estas abordagens, diferentes, traduzem a vontade de se ter “uma Psiquiatria de precisão e, progressivamente, mais personalizada”.

Todavia, relembrou: “Por enquanto, algumas destas ferramentas ainda estão a ser utilizadas em contexto de investigação.”

Mas admitiu que alguns projetos podem fazer a diferença e, como tal, deveriam ser mais acessíveis. “Desde que se comprove a respetiva evidência científica e, salvaguardando os princípios éticos, deveriam ser mais amplamente disponibilizadas de modo que mais pessoas com doença mental pudessem ter acesso às mesmas.”

É o caso de algumas ferramentas que já são utilizadas no tratamento da ansiedade (fobias, por exemplo), depressão, esquizofrenia, perturbação bipolar, síndrome de Tourette, perturbações do espetro do autismo, perturbações da personalidade, dependências – nomeadamente jogo patológico e uso excessivo da internet e de videojogos.


"Novas tecnologias e o surgimento de uma ´nova psiquiatria?`" foi o tema da Conferência moderada por Maria João Heitor e proferida por João Marques Teixeira, presidente da SPPSM

Outro exemplo de que a tecnologia pode ter um impacto positivo é o projeto AVATAR, que foi apresentado no evento por Thomas Craig, do King’s College London, e que consiste numa abordagem terapêutica dirigida a pessoas com psicose e alucinações auditivo-verbais.

“Os doentes que ´ouvem vozes`, muitas vezes ´hostis`, dialogam com uma representação digital – ´avatar` – e este responde de uma forma menos hostil e dá à pessoa a sensação de ´poder` e de controlo ao longo da terapia”, explicou a especialista.

Em suma, exige-se um equilíbrio entre o mundo mais ou menos tecnológico, quer na vida como na prática clínica, não se esquecendo que a abordagem das novas tecnologias também deve incidir, segundo Maria João Heitor, "na promoção da saúde mental e na prevenção da doença mental".


Alguns dos elementos da Comissão Organizadora das 2.as Jornadas de Psiquiatria e Saúde Mental do HBA: João Franco, Jorge Velosa, Patrícia Dâmaso, Rita Avelar, Maria João Heitor e Cláudia Pinto


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