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Opinião

A APIC somos todos nós


Hélder Pereira

Presidente da APIC



Hélder Pereira
Presidente da APIC

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte na população portuguesa, tal como sucede em relação à restante população europeia. A Cardiologia de Intervenção, através da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC), deverá ser um dos protagonistas na luta contra as doenças cardiovasculares. Passados cinco anos da sua existência, será o momento para se refletir sobre o caminho percorrido e sabermos para onde queremos seguir.

Estando diretamente envolvido nas três direções desta associação, posso testemunhar que as sucessivas direções, a par de se preocuparem com o ensino e a formação dos seus associados, sempre tiveram em mente que a APIC tem uma missão a desempenhar como parceira na tomada de decisões, no âmbito das doenças cardiovasculares em Portugal.

Esta ambição não é um simples desejo de estar junto de quem decide, mas sim por sabermos que temos uma visão e um saber que muito pode ajudar na melhoria dos cuidados de saúde dos portugueses. Ao longo destes cinco anos, estabelecemos contactos com praticamente todas as instituições do Ministério da Saúde, à exceção de uma ou outra ARS, que ainda não conseguiu tempo para nos receber, mas só excecionalmente fomos chamados para sermos ouvidos.

Do nosso ponto de vista, a colaboração entre a nossa associação e os vários órgãos do Ministério da Saúde só poderia contribuir para os valores fundamentais expressos no Plano Nacional de Saúde, que são a universalidade, o acesso a cuidados de qualidade, a equidade e a solidariedade.

O nosso Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção é um tesouro que não só queremos melhorar como desejamos que ele seja da maior utilidade aos doentes que tratamos. Há vários anos que tentamos convencer a tutela de que este registo pode ser da maior utilidade para ambas as partes. Veríamos como positivo, tal como acontece nos países do norte da Europa, que o preenchimento do registo tivesse caráter obrigatório e que estivesse sujeito a auditoria externa, tornando-o assim numa ferramenta extremamente robusta e com grande potencial científico e logístico. Por outro lado, poderia também ser de grande valor para a interação com o próprio doente. Neste caso, os avanços têm sido mais animadores, estando em estudo um projeto ambicioso, através da SPMS e do Portal de Dados da Saúde (PDS).

Sempre tive a perspetiva de que os cardiologistas de intervenção não são meros técnicos ultraespecializados, sendo antes cardiologistas de pleno direito, com uma subespecialização em intervenção. Esta será a única forma de continuarmos a ser parte decisiva na tomada de decisões relativamente à orientação e tratamento dos nossos doentes.

Recentemente, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia, através do seu presidente, o Prof. Silva Cardoso, e do presidente eleito, o Dr. Miguel Mendes, fizeram o convite para que, no futuro, se perspetivasse que o presidente da APIC fosse também membro da Direção da SPC. Considero este convite uma oportunidade para se criarem maiores sinergias entre as duas organizações, sabendo que ambas saberão respeitar-se mutuamente e tirar o melhor partido desta aproximação.

A iniciativa “Stent for Life” (SFL) tem sido um dos projetos a que a APIC tem dado grande atenção. Na minha perspetiva, este projeto representa, como se já não fosse muito, ter por objetivo reduzir a mortalidade por enfarte, uma oportunidade única para alavancar a APIC.

Graças a esta iniciativa, a Cardiologia de Intervenção teve uma divulgação pública como nunca antes havia acontecido. Todos sabemos que, numa época de escassez de recursos, o facto de a opinião pública estar consciente dos recursos potenciais ou existentes tem um grande valor na alocação dos mesmos. Basta ver como certas patologias – possivelmente até com menor custo-efetividade –, como algumas doenças raras e outras mais mediáticas, caso da Oncologia e da SIDA, conseguem ter acesso a meios que as doenças cardiovasculares possivelmente não têm.

Igualmente no âmbito do SFL, gostaríamos de estar a receber um maior apoio das entidades oficiais, elas próprias também implicadas na redução da mortalidade por enfarte. Estamos seguros de que se os nossos apelos à tomada de iniciativas conjuntas e à criação de sinergias aos mais variados níveis tivessem tido lugar, possivelmente, já se teria avançado muito mais nesta matéria.

É com alguma apreensão que, depois de três anos de campanha de sensibilização, ainda um tão diminuto número de doentes ligue o 112 ou que o tempo “sintomas – primeiro contacto médico” seja tão elevado. Uma coisa é certa, não desistiremos de tentar trabalhar em conjunto.

Mas o SFL é muito mais do que uma simples campanha de sensibilização para chamar o 112. Recomendo a consulta do Especial que integra este jornal para se ter uma ideia de quão ambicioso é o projeto. Como disse atrás, a Cardiologia de Intervenção é muito mais do que implantar uns stents. A prevenção secundária e mesmo a primária também estão nos nossos objetivos.

Através de uma parceria com o Grupo de Estudos de Reabilitação Cardíaca, iremos ter uma participação ativa nesta área, assim como na criação de cursos e materiais educativos para profissionais de saúde.

Estamos a trabalhar com instituições universitárias no sentido de aprendermos a olhar as organizações de uma forma diferente daquela a que estamos habituados, assim como de levarmos a cabo estudos de economia da saúde que possam sustentar e justificar os investimentos na Cardiologia de Intervenção.

Nos últimos anos, conseguimos ter uma participação ativa nas duas mais importantes reuniões internacionais: o EuroPCR e o TCT. Muitos consideram importante a aproximação a colegas e organizações estrangeiras. Também considero isso importante, mas primeiro é preciso fazer o trabalho de casa. Teremos de ter uma sólida formação, ter bons registos, escolher áreas específicas de especialização, criar hábitos e estruturas destinadas à investigação, juntar casuística entre os centros e publicar.

Se estas bases não forem conseguidas, podemo-nos aproximar de instituições estrangeiras, mas dificilmente isso passará do meramente social. Mesmo tendo portugueses na mais alta esfera da Sociedade Europeia de Cardiologia, eles pouco poderão fazer por nós se não formos nós a trabalhar e a juntar esforços para alcançar um lugar de relevo na Cardiologia de Intervenção europeia.

A APIC é constituída por pouco mais de uma centena de sócios. Se contarmos com os Grupos de Trabalho, praticamente quase todos eles estão envolvidos diretamente na organização. Alguns dos grupos de trabalho têm sido particularmente ativos no âmbito do ensino e dos registos, como é o caso do grupo das válvulas aórticas, outros têm efetuado um trabalho de grande qualidade na área da investigação, como é o caso do Grupo da Fisiologia, com o POST-IT e o SAVE-IT. É exatamente este grau de empenho e iniciativa que temos de conseguir transmitir a todos os grupos, pois, a APIC somos todos nós e só com o trabalho de todos será possível ter uma associação mais forte.

Sabemos que, atualmente, a atividade hospitalar está muito exigente, o que, na prática, impede a maioria dos nossos membros de terem uma participação mais ativa nas atividades da associação. Foi neste contexto que, recentemente, contratámos um secretário executivo, o Dr. João Ferreira, que virá ajudar, não só a Direção, mas também os grupos de trabalho, a conseguirem levar para a frente os projetos de ensino e de investigação, tornando a APIC, num futuro próximo, um parceiro incontornável no espetro das doenças cardiovasculares em Portugal.



Artigo publicado no Jornal da 5ª Reunião Anual da APIC.

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