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Opinião

Cuidados na Comunidade: apoiar utentes em domicílio, «apesar do risco de exposição biológica»


Silvana Marques

Enf.ª especialista em Saúde Comunitária. Coordenadora da Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) Anadia



Apesar do risco de exposição biológica, a ECCI de Anadia tem mantido a sua atividade em época de pandemia. Constituída por médico, enfermeiros, assistente social, psicóloga, nutricionista, assistente técnica e assistentes operacionais, a UCC Anadia tem, até ao momento, acompanhado utentes com quadros complexos (doentes paliativos, cancros em fase terminal, doenças degenerativas) em domicílio.

O seu modelo conceptual encontra-se alicerçado na promoção da autonomia da pessoa em situação de dependência, de modo a que esta recupere as funcionalidades afetadas pela situação de saúde, baseando-se na continuidade de cuidados sem hiatos, articulando os diferentes níveis de cuidados.


Silvana Marques

A população-alvo desta equipa são as pessoas com situações de perda de autonomia, portadoras de diversos tipos e níveis de dependência, que necessitem de intervenções sequenciais de saúde e apoio social.

Os grupos-alvo de cuidados englobam: pessoas com dependência funcional; pessoas idosas com critérios de fragilidade; pessoas com doença crónica evolutiva e dependência funcional grave por doença física ou psíquica, progressiva ou permanente; pessoas que sofrem de uma doença em situação terminal.


Na realidade, este serviço serve para o acompanhamento dos doentes em domicílio e exige uma assistência continuada, permite capacitar as famílias cuidadoras, tem permitido reduzir complicações e infeções hospitalares pós-alta dos doentes, além de possibilitar gerir melhor as camas disponíveis para o tratamento de doentes hospitalares no SNS.


Se nos derem condições de trabalho, estamos preparados para receber mais doentes. Tem sido estreita a articulação com a EGA (Equipa de Gestão de Altas), nomeadamente dos CHUC (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra). Infelizmente, a alocação de equipamentos de proteção individual tem sido racionada por todos os serviços do SNS.



Enfermeira Isabel Coelho durante uma visita domiciliária 

Mas não podia deixar de manifestar publicamente a minha preocupação. Os cuidados de saúde primários não têm sido priorizados na alocação de alguns recursos, quer materiais, quer humanos, e eles são a primeira porta de entrada no SNS. Considero que as equipas domiciliárias devam ser uma prioridade da tutela (Ministério da Saúde).

A minha equipa está preocupada com dados publicados pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e pelo Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), que indicam uma subida de uma média de 297 mortes por dia nos primeiros sete dias de março para uma média de 352 mortes por dia nos últimos sete.


O ano de 2020 teve nos derradeiros 10 dias de março mais mortes do que em idêntico período nos últimos 12 anos – 3471 – , tendo havido uma quebra muito significativa na ida às urgências e aos centros de saúde. Temos de ser realistas, os doentes não desapareceram e andam por aí, sem acompanhamento dos serviços de saúde.

Julgo que deve ser melhorada a articulação e integração com os setores da saúde e da ação social, para minimizar o impacto nos doentes com problemas não relacionados com a pandemia.

Muitas habitações não reúnem as condições mínimas para receber estes doentes no seu domicílio – os cuidados são cada vez mais diferenciados e complexos.


Reunião da UCC Anadia no início do ano (prévia ao início da pandemia em Portugal): Silvana Marques (à esquerda) com vários enfermeiros especialistas - Isabel Coelho (Saúde comunitária), Antero Figueira (Saúde Mental), Fernando Seabra (Reabilitação), Rui Resende (Saúde Comunitária), Rosa Sousa (Saúde Mental) - e com Manuela Carvalho, técnica superior de Serviço Social, e Teresa Mariz, assistente técnica. 

Os riscos de transmissão de agentes patogénicos em âmbito domiciliário ainda são pouco estudados. A habitação domiciliária não é um ambiente controlado, existe a recomendação de que o controlo de infeção nos cuidados domiciliários deve englobar tanto ações preventivas/educativas como orientações sobre biossegurança, prevenção de acidentes, isolamento e precauções para redução do risco de exposição biológica.

O controlo da infeção fora do ambiente hospitalar deve ser amplamente considerado, pois, há cada vez mais riscos quer para os doentes, quer para os profissionais de saúde.

Perante este panorama de pandemia, torna-se essencial conhecer, avaliar e tentar melhorar as condições de trabalho dos profissionais que prestam cuidados de saúde domiciliários. Estes enfrentam, atualmente, perigos singulares, com grande exposição de risco biológico. De domicílio para domicílio, deparam-se com condições de trabalho extremamente variáveis e imprevisíveis.

É tempo de nos preocuparmos.




Artigo publicado na edição de abril do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários - publicação distribuída todos os meses nas unidades de cuidados de saúde primários de todo o país.
Partilhar projetos e boas práticas, ´aproximar` profissionais, valorizar equipas e o SNS.

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