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Opinião

Doença renal crónica: «As duas faces da água»


Ana Carina Ferreira

Nefrologista do CH de Lisboa Central - Hospital Curry Cabral. Tesoureira da Sociedade Portuguesa de Nefrologia



A 10 de março assinala-se o Dia Mundial do Rim, este ano com o lema Kidney health for all, com o intuito de dar a conhecer medidas preventivas para a ocorrência da doença renal e medidas preventivas de progressão e de prevenção de complicações para quem já convive com a doença.

Ora, a água aparece como uma arma universal para a prevenção da doença renal, mas não de prevenção de progressão, podendo aumentar as complicações no caso de já se ter doença renal avançada. É disto que vamos falar!


A importância da água na prevenção primária da doença renal crónica

A água é essencial à vida. No corpo humano, ela tem variadíssimas funções, atuando como termorregulador, como solvente, reagente ou como meio de reações químicas, como lubrificante, transportador de nutrientes e toxinas, sendo, por isso, considerada um nutriente essencial.

O balanço de água é indispensável à manutenção da homeostasia e bem-estar dos indivíduos, sendo o mesmo regulado pelos rins. Um indivíduo desidratado estará em risco de complicações, nomeadamente de lesão renal.

O débito urinário mínimo é determinado pela capacidade de concentração da urina e pela carga de solutos que deve ser excretada. Em média, uma pessoa saudável (que não pratique desporto) deverá beber cerca de 1 L a 1.5 L de água diária, de forma a existir alguma excreção de água livre de solutos pela urina, e devemos insistir neste bom hábito, sobretudo junto das pessoas saudáveis.
 
Este valor não deverá ser largamente excedido, uma vez que o excesso de água provoca complicações, a clássica hiponatremia decorrente da potomania, com consequentes alterações do estado de consciência, podendo evoluir para convulsões e morte, se estivermos perante uma intoxicação por água.


Ana Carina Ferreira

A água na prevenção secundária da DRC

Quando uma pessoa tem um diagnóstico de doença renal crónica (DRC), o caso já muda de figura. Há doenças que provocam DRC, sendo, efetivamente, importante manter-se um bom aporte de água, mas apenas quando ainda não estamos perante uma DRC avançada.

É o caso dos doentes com litíase renal, onde a principal arma para a prevenção de desenvolvimento de novo episódio litiásico será o aporte de água, juntamente com a redução do consumo de sal. Uma pessoa já com história de litíase e que consiga urinar mais de 2 L estará mais protegida.

Também os doentes com doença renal poliquística parecem beneficiar de um maior consumo de água, de forma a evitar-se a progressão da doença. Este tópico, no entanto, está ainda em investigação e esperamos que DRINK e o PREVENT-ADPKD trials nos tragam mais respostas.

Na ausência de litíase ou de doença poliquística, o aumento do consumo de água em doentes com DRC estádios 3 e 4 não parece alterar a história natural da doença, podendo inclusivamente ser deletério, como demonstraram dois estudos recentemente divulgados.

O primeiro, publicado em 2018 no JAMA (CKD WIT trial), com doentes com DRC estádio 3, demonstrou que não houve diferença na taxa de progressão da doença renal entre as pessoas que beberam muita água versus as que mantiveram o consumo de água habitual.

O segundo, publicado na NDT em 2021 (CKD-REIN study) e que randomizou doentes com DRC estádios 3 e 4, demonstrou que tanto o consumo elevado como reduzido de água, para além dos habituais 1 a 1.5 L, não é benéfico, sendo mesmo deletério.

Em estádios mais avançados de DRC, como o estádio 5, o aumento de consumo de água não é aconselhável, pois, poderá aumentar o risco de alterações hidro-electrolíticas e de edema periférico.



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