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Opinião

«Como otimizar a adesão terapêutica no hipertenso?»


Fernando Martos Gonçalves

Especialista de Hipertensão Clínica da Sociedade Europeia de Hipertensão. Coordenador de Medicina Interna, H. Beatriz Ângelo



A hipertensão arterial é o principal fator de risco de mortalidade e morbilidade no mundo. É reconhecido o aumento do risco de doença cardiovascular associado à hipertensão arterial e que o seu controlo tem um impacto benéfico na redução desta mortalidade.

Dispondo hoje de medicamentos anti-hipertensores eficazes, globalmente bem tolerados, e de um maior conhecimento da hipertensão por parte da população em geral, não seria expectável a grande percentagem de hipertensos não controlados observada em todo o mundo, mesmo nas “sociedades mais desenvolvidas”.

Centrando-nos em Portugal, mais de 50% dos hipertensos não estão controlados e mais de 40% dos hipertensos medicados também não. Analisando as causas deste paradoxo, conclui-se ser importante a não adesão, constituindo mesmo um problema de saúde pública, pela mortalidade e morbilidade inerente.

Ainda em Portugal, num estudo realizado em doentes com hipertensão arterial resistente, confirmada por MAPA, quando fizeram a toma vigiada, mais de 50% deixaram de ter resistência, demonstrando-se que esta resultava da não adesão.

Sabemos que esta problemática é transversal a todas as patologias crónicas que requeiram terapêutica prolongada (por exemplo, diabetes mellitus, dislipidemia, asma, tuberculose, depressão, epilepsia...) e é uma preocupação reconhecida pelas autoridades de saúde.


A OMS apresentou, já em 2003, um relatório sobre este tema. Foram então considerados 5 tipos de fatores relacionados com a não adesão – socioeconómicos, envolvendo o sistema/equipa de saúde ou associados ao tratamento, ao doente ou à doença.

O conceito de adesão é amplo e, tal como definido pela OMS, deverá englobar não só a toma dos medicamentos prescritos mas também, e pensando na hipertensão arterial, a implementação de todas as medidas necessárias ao controlo tensional, como o cumprimento da dieta e as mudanças no estilo de vida... E ainda tem necessariamente inerente a persistência das mesmas.

De forma arbitrária, tem-se considerado como não aderente o doente que falha mais de 80% das tomas prescritas, não estando este valor validado para a hipertensão arterial.


Fernando Martos Gonçalves

Magnitude

Não é fácil estimar a importância da não adesão, pois, não há nenhum método de avaliação considerado “gold standard”. Nos trabalhos sobre este tema têm sido usados diferentes critérios, o que explica encontrarmos na literatura números distintos.

Poderemos considerar como não aderentes 1 em cada 3 hipertensos. É também conhecido que 50% dos doentes deixam de tomar a medicação ao fim de 1 ano.

Meta-análises de estudos prospetivos referem que a adesão poderia diminuir em 20% o risco de doença cardiovascular. Para além deste benefício na saúde, também permitiria uma redução entre 3 e 10% nas despesas de saúde.

Avaliação

Num doente com hipertensão arterial não controlada, sobretudo se tem prescritos vários medicamentos, impõe-se avaliar a adesão do doente à terapêutica. Como referido acima, não é fácil, pois, não há um método universalmente aceite e os mais simples, e exigindo menos recursos, são os menos fiáveis.

Poderemos dividi-los em métodos subjetivos (perceção do clínico ou o autorreporte, existindo vários questionários com esta finalidade) e métodos objetivos, sejam diretos (toma vigiada, monitorização eletrónica, deteção de fármacos/metabolitos de líquidos biológicos) ou indiretos (contagem de comprimidos, taxa de dispensa de prescrições).


Será fácil inferir que os métodos mais fiáveis, como, por exemplo, a toma vigiada, em que o doente vai tomar os medicamentos ao hospital, não é viável em termos universais.

Fatores que influenciam a adesão ao tratamento

As razões para a não adesão são complexas e multifatoriais. A aderência é inversamente proporcional ao número de medicamentos e de tomas diárias e, como sabemos, muitos destes doentes têm outras comorbilidades, obrigando a tomar muitos outros medicamentos.

Poderemos resumir da seguinte forma os fatores que influenciam a adesão ao tratamento e que estão relacionados com:

O sistema de saúde – dificuldade no acesso dos doentes, custo da medicação;
O médico – comunicação ineficaz, esquema terapêutico complexo, inércia terapêutica, consultas afastadas no tempo, eventualmente, outro médico;
O tratamento – esquema posológico complexo, pouco adaptado ao doente, efeitos secundários;
O doente – doença assintomática, suspendendo a medicação contínua, assintomático de tal forma que pode não haver a perceção do benefício do tratamento.

No caso de um hipertenso jovem, um esquema terapêutico pouco adequado à sua atividade diária, o receio de efeitos adversos e, inclusive, a dificuldade em aceitar o estigma de doença crónica pode torná-lo num “não aderente voluntário”.

Por outro lado, um idoso com diferentes comorbilidades e diversos medicamentos prescritos mais facilmente se esquecerá de os tomar ou mesmo confundir-se, sobretudo se tiver défice cognitivo, o que pode fazer dele um não aderente “involuntário”.

E devemos ainda considerar que com o aumento do consumo de genéricos os doentes são confrontados com comprimidos de diferentes formas, cores e embalagens, o que representa uma dificuldade acrescida para os mesmos.


E como resolver o problema da não adesão?

O facto de ser um tema debatido há muitos anos e não estar resolvido revela que não terá uma solução fácil. Numa revisão de estudos sobre adesão terapêutica em várias doenças realizada pela Cochrane, as medidas que mostraram uma melhoria na adesão e, consequentemente, uma diminuição de eventos são de difícil implementação no mundo real.

No entanto, está ao nosso alcance melhorar este panorama e, assim, contribuir para a redução da mortalidade e morbilidade nestes doentes. O médico deverá ter a capacidade de detetar e de conhecer as causas da não adesão do doente. E estabelecer um plano ajustado, de acordo com os motivos em concreto dessa não adesão.

As estratégias para melhorar a adesão e, assim, reduzir a doença cardio/cerebrovascular passam por:

Em primeiro lugar, investir numa comunicação adequada médico/doente, explicando a doença e as complicações associadas, bem como o benefício em atingir o valor alvo da sua pressão arterial, e promover a automedição da pressão arterial, fazendo-a de forma correta.

Deverá estabelecer como que um contrato, responsabilizando o doente pelo seu cumprimento, com reforço positivo quando alcança os valores pretendidos e esclarecer de forma adequada as causas quando não alcança o valor alvo. A entrega de folhetos com uma mensagem clara e assertiva da doença e suas complicações é, obviamente, benéfica.

A medicação deverá ser simplificada, acessível, com um esquema posológico compatível com o quotidiano do doente, dando primazia a associações medicamentosas que poderão incluir medicamentos para outras patologias como, por exemplo, a dislipidemia, e com um número mínimo de tomas.

Por outro lado, o doente deverá ter acesso fácil ao sistema de Saúde, permitindo a represcrição ou a transmissão de algum efeito adverso ou outra situação.

Tudo isto será mais fácil com a existência de uma equipa multidisciplinar centrada no doente, tendo em consideração o seu nível socioeconómico e a sua capacidade de compreensão. Esta equipa, incluindo enfermeiros e farmacêuticos, facilitaria a comunicação do doente com o sistema de Saúde, de forma a otimizar o controlo da pressão arterial.

 Outro aliado desta estratégia multidisciplinar, e que vai ganhando importância, é a telemedicina. Dispositivos como smartphones são cada vez mais usados. E com eles consegue-se monitorizar os sinais vitais, aconselhar o doente, marcar consultas e até permite a consulta por vídeo.

No entanto, o plano deverá ser adaptado ao doente, não havendo uma solução universal, nunca devendo faltar a avaliação da adesão, para se poder verificar a eficácia das medidas implementadas.



O artigo de Fernando Martos Gonçalves pode ser lido na edição de janeiro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários, no âmbito de um Especial Hipertensão, dedicado ao 17.º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global.

Dirigido a profissionais de saúde e entregue nas unidades de saúde familiar (USF) de Portugal, esta publicação da Just News tem como missão a partilha de boas práticas, de boas ideias e de projetos de excelência desenvolvidos no âmbito do SNS, visando facilitar a sua replicação.

 

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