Opinião

Contratualização ou fenómeno?


Rui Cernadas

Vice-presidente do CD da ARS Norte



Rui Cernadas
Vice-presidente do CD da ARS Norte

A vida é um ciclo inexorável, talvez predeterminado, e os ciclos são sempre repetíveis por definição, previsíveis e sentenciados. Podem mudar os cenários ou os atores, principais ou secundários, mas os calendários levam as coisas ao ponto de serem, por regra, apenas isso mesmo, ciclos.

A contratualização dos cuidados primários é um desses fenómenos cíclicos. Ainda assim, sujeita a vicissitudes inexplicadas ou inexplicáveis, desde logo porque, ainda que agendada, faz corar de vergonha quantos, por norma, são conhecidos por chegarem sempre atrasados…

Mas não é só a questão temporal que nos tem levado, muitas vezes, a contratualizar tarde e a más horas e, ainda por cima, sem que fique percetível para o exterior a quem cabe a responsabilidade de tal atraso. É também a não menos grave perturbação relativamente aos indicadores. Nem falo sequer da clássica discussão em torno da qualidade, do rigor ou da importância do indicador, seja na perspetiva gestionária, seja na posição cientificamente elaborada.

Refiro-me simplesmente a uma inconsistência na caracterização dos indicadores, a qual mexe com numeradores e denominadores, com a definição basicamente, inviabilizando análises a dois ou três anos, fazendo tábua rasa da crítica de que em saúde metas a um ano não podem levar em consideração resultados ou outcomes ou permitir avaliações de ganhos em saúde. Apesar de se dizerem ou pretenderem, conforme as minutas dos contratos, para um triénio!

O processo de contratualização dos cuidados primários, sabemos todos, é complexo e centralizado desde a sua conceção e foi permeabilizado a interesses que não os clínicos ou científicos. Não terão participado nas suas discussões os colégios de especialidade da Ordem dos Médicos, ou de outras ordens profissionais, ou as associações do setor dos cuidados primários. Mas realmente o tempo não o favoreceu e antes o assemelhou, perdoe-se-me a expressão, a um “fenómeno do Entroncamento”!

A sua extensão às UCSP, às USP ou às UCC e às URAP é importante e já deveria estar consumado na totalidade, até porque tem havido propostas concretas de trabalho e vontade de as corporizar quanto antes. Até porque só assim se poderá falar, decidida e devidamente, em contratualização dos cuidados primários e não na contratualização das USF e das UCSP!

Os procedimentos da consulta de parceiros sociais podem ser necessários, mas deixa a contratualização confinada técnica e clinicamente e não faz sequer sentido que os aspetos assistenciais possam ficar reféns de quem quer que seja! Se tiver que ser assim, se alguém me explicar e convencer disso, então por que não se segue tal modelo em relação aos contratos programa dos hospitais ou às normas de orientação clínica da DGS?

Não me parece que os doentes ou as doenças se sintam representadas ou melhor representadas pelo modelo adotado e em curso. E por que não se aproveitou a abertura da lei no envolvimento dos conselhos da Comunidade?

Lembro-me de um velho amigo e idolatrado mestre, o Professor Carneiro Chaves, que nos dizia repetidamente: as perguntas são sempre difíceis… as respostas não.



Artigo publicado na edição de maio do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários.

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