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Opinião

«É doloroso assistir a ausência de atitudes terapêuticas nos idosos infetados pela covid-19»


João Gorjão Clara

Professor Catedrático (jubilado), FMUL. Coordenador do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.



A Pandemia que invadiu o Mundo atingiu, em particular, os idosos. São sobretudos os nossos doentes mais velhos, mais frágeis, tantas vezes mais sós e mais pobres, que o vírus mata. O confinamento agrava nos idosos o isolamento, os sentimentos de abandono e de inutilidade.

Como médico e professor que dedicou as últimas décadas da vida  a procurar otimizar a assistência aos idosos, a procurar implementar a Geriatria, a partilhar conhecimentos nas aulas e na prática clínica, é doloroso e frustrante assistir a ausência de atitudes terapêuticas nos idosos infetados pela covid-19.

Em nome pessoal, procurei na Direção-Geral da Saúde e, por sugestão desta, no Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, que as opções terapêuticas aplicadas aos doentes que chegavam às Urgências dos nossos hospitais fossem iniciadas mais cedo, nos lares ou no domicílio, quando começassem os sintomas da infeção.

Porquê esperar que a evolução fosse para a cura ou para o agravamento e neste caso enviar o doente para o hospital, onde - e só aí - iniciaria o esquema de tratamento que nessa fase corria o risco, como muitos estudos demonstraram posteriormente, de ser inútil?

O tempo de atuação é muito curto e importante. A medicação do protocolo hospitalar que associava hidroxicloroquina à azitromicina só poderia ser útil nos 3 a 5 dias após o início dos sintomas, na fase de replicação viral. Os doentes são enviados para a Urgência hospitalar nos estádios da resposta imune do hospedeiro ou da fase da tempestade pelas citoquinas, onde aquela terapêutica é pouco ou nada eficaz.


João Gorjão Clara

Usaram os cientistas dois argumentos contra o início desta intervenção farmacológica fora do hospital. Primeiro argumento: a hidroxicloroquina é uma droga muito perigosa que mata por arritmias cardíacas, sendo por isso de evitar. E disseram-no perante o silêncio de Colegas que prescreveram hidroxicloroquina a milhares de doentes que a tomam diariamente há anos, alguns há dezenas de anos.

Na Guerra Colonial, os soldados tomaram-na durante os anos da comissão de serviço e os residentes em África e na Índia fizeram-na toda a vida. Não consta que as mortes por arritmia cardíaca tivessem interrompido a produção de milhares de comprimidos de hidroxicloroquina no nosso Laboratório Militar.

Para mais, a duração do tratamento pré-hospitalar da covid-19 é apenas de 8 dias!

Mas a leitura de inúmeros resultados de pequenos estudos, revelaram que a covid-19 em si mesmo provoca arritmias (1) e que o prolongamento do QTc até ao valor “assustador” de 500ms não origina, irremediavelmente, morte súbita. (Um QTc de 500ms aumenta de 2 a 3 vezes o risco de “Torsades de Pointes”). A sua ocorrência será de 0,1% nos doentes medicados com hidroxicloroquina. (2) e vários centros Europeus estimam que a informação anual da taxa de ocorrência de “Torsades de Pointes”, induzidas por fármacos, é de 0.8 a 1,2 por milhão de pessoas e por ano (3).

Segundo argumento: no século XXI afirmam, os mesmos cientistas, só podemos prescrever fármacos que revelaram a sua eficácia após estudos duplamente cegos, com amostras robustas e tratamento estatístico adequado. Proceder de outro modo não é admissível e pode ser considerado até curandeirismo, como me foi escrito em mensagem que recebi, quando, como agora defendi, estes pontos de vista. “Recomendar tratamentos quaisquer que não tenham base científica equivale a retrocedermos a 1650! Atrasar séculos a assistência médica” (4).

Este argumento é surpreendente, porque a recomendação do nosso Serviço Nacional de Saúde é a prescrição de paracetamol para controlo dos sintomas da doença provocada pela covid-19. Aconselhar paracetamol baseia-se no conhecimento empírico de que o paracetamol é analgésico e antipirético, e não, como é exigido para o esquema hidroxicloroquina+azitromicina, em nenhum estudo duplamente cego, com amostra robusta e estudo estatístico adequado, que tenha confirmado que aquelas são as ações farmacodinâmicas do paracetamol!

Claro que todos concordamos com as práticas em Medicina, que com base nas melhores evidências oriundas de rigorosas metodologias nos dão segurança e validam a nossa intervenção medicamentosa. O primeiro estudo randomizado data de 1948 e foi realizado para avaliar a eficácia da estreptomicina no tratamento da meningite tuberculosa (5), mas foi no início da década de 1990 que Archibal Cochrane criou a Medicina Baseada na Evidência (4).

Mas até 1990 prescrevemos centenas de fármacos baseados apenas na observação de que eram eficazes em determinadas circunstâncias (a evidência baseada na Medicina, como lhe chamou João Lobo Antunes) (6).

Por exemplo, nenhum estudo randomizado foi necessário para nos decidirmos a usar a insulina no tratamento da diabetes e o mesmo se passou para centenas de fármacos que prescrevemos até ao início da década de 1990.

O National Institute of Health iniciou, em maio, um estudo pré-hospitalar, o ACTG A5395, duplamente cego e randomizado, que procura os resultados da associação medicamentosa citada no início dos sintomas da infeção pela covid-19 e cujos resultados preliminares estarão disponíveis em final deste ano (7).

Com base nos argumentos citados (?), as minhas sugestões não tiveram apoio nem resposta e fui acompanhando os resultados dos que, em vários locais do Mundo, aplicavam aquele esquema terapêutico, que foi iniciado em Marselha por Raoul Didier (8) (9) e que nalguns países acrescentou àqueles fármacos a ivermectina e o zinco (10).

Hoje existem vários resultados apoiados na experiência clínica de diversos grupos e permitem afirmar que temos evidências tipo B2C (11) da eficácia do tratamento pré-hospitalar (10).

Vamos continuar, baseados naqueles dois argumentos e nas contradições de um órgão que era a referência dos médicos de todo o Mundo, a Organização Mundial de Saúde, a olhar os nossos idosos sintomáticos, que medicados com paracetamol aguardam a evolução eventual para a cura ou, mais provavelmente, o internamento hospitalar e o risco de morte no lar ou no domicílio?

Como reagiremos se o estudo do National Institute of Health confirmar a eficácia do tratamento pré-hospitalar? E se o não confirmar o que temos a perder?

Referências:

1. ACC Clinical Bulletin Focuses on Cardiac Implications of Coronavirus (COVID-19) 2019, february 17  Bookshelf ID: NBK459388 PMID: 29083738 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459388/

2. Giudicessi JR, Noseworthy PA, Friedman PA, and Ackerman.  Urgent Guidance for Navigating and Circumventing the QTc Prolonging and Torsadogenic Potential of Possible Pharmacotherapies for COVID-19. 2020 Mayo Foundation for Medical Education and Research. Mayo Clin Proc. 2020;95(x):xx-xx


3. Cohagan B, Brandis D.Torsade de Points. 2019, february 17.
              Bookshelf ID: NBK459388 PMID: 29083738
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459388/

4. Medicina baseada em evidências* Álvaro Nagib AtallahI Centro Brasileiro de Saúde Baseada em Evidências (CBSBE) São Paulo Medical Journal, volume 136, edição ACC Clinical Bulletin Cardiac Implications of Novel Coronavirus (COVID-19) https://www.acc.org/latest-in-cardiology/articles/2020/02/13/12/42/acc-clinical-bulletin-focuses-on-cardiac-implications-of-coronavirus-2019-ncov)

5. STREPTOMYCIN treatment of tuberculous meningitis. Lancet. 1948;1(6503):582-96. PMID: 18911226


6. João Lobo Antunes. Umana cosa é. Conferência de Abertura do 9o Congresso Nacional de Medicina Familiar. Viseu, 26 de Setembro de 2004.  Rev Port Clin Geral 2004;20:739-44

7. Evaluating the Efficacy of Hydroxychloroquine and Azithromycin to Prevent Hospitalization or Death in Persons With COVID-19 https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04358068

8. Gautret P, Lagier JC, Parola P, et al. Hydroxychloroquine and Azithromycin as a     treatment of COVID-19: preliminary results of an open-label non-randomized clinical trial. medRxiv. 2020:2020.2003.2016.20037135.


9. Colson P, Rolain JM, Lagier JC, Brouqui P, Raoult D. Chloroquine and hydroxychloroquine as available weapons to fight COVID-19. Int J Antimicrob Agents 2020:105932

10. PROTOCOLO BRASILEIRO DE TERAPIA PRÉ- HOSPITALAR COVID 19
        Versão 1.1, 26 de maio de 2020 bit.ly/2B9WhMH 

11- Nível de Evidência Científica por Tipo de Estudo - “Oxford Centre for Evidence based Medicine” - última atualização, Maio de 2001   http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/janeiro/28/tabela-nivel-evidencia.pdf 


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