Opinião
«Os Cuidados Paliativos devem ser iniciados cedo na trajetória da Insuficiência Cardíaca»
Irene Marques
Internista, Coordenadora da Clínica de Insuficiência Cardíaca GEstIC do Centro Hospitalar Universitário do Porto
A insuficiência cardíaca (IC) é a uma patologia tipicamente de doentes idosos e representa a principal causa de internamento nesta faixa etária, afetando atualmente cerca de 400 000 portugueses. Cursa com elevada carga de sintomas, maior mortalidade e pior qualidade de vida que algumas das neoplasias mais comuns.
Ao contrário das doenças neoplásicas, a trajetória da IC é única para cada doente, ainda que a evolução seja progressiva e fatal. Por isto, os Cuidados Paliativos (CP) devem ser iniciados cedo na trajetória da IC e intensificados à medida que a doença progride. A qualidade de vida e os CP são duas faces da mesma moeda, pelo que a sua valorização é diretamente proporcional nos cuidados aos doentes com IC.
A intervenção educacional dos doentes e cuidadores é fundamental para a compreensão da trajetória da doença, a prestação de autocuidados, a comunicação com equipa de saúde, a definição de um Plano de Cuidados, a melhoria da qualidade de vida e a redução das hospitalizações.
As recomendações internacionais para a IC, recentemente publicadas, definem como doentes candidatos a CP, sobretudo, aqueles que estão em “fim-de-vida”, embora mencionem que a comunicação sobre a trajetória da doença e a definição do Plano de Cuidados devam iniciar-se aquando do diagnóstico de IC avançada.
Estima-se que existam atualmente cerca de 20 000 portugueses nestas condições, isto é, doentes em classe III ou IV NYHA, disfunção cardíaca grave, episódios de descompensação/hospitalização no último ano e limitação funcional significativa.
Outros documentos de consenso mencionam critérios de referenciação a CP ainda mais abrangentes, tal como a presença de doença renal ou pulmonar crónica, sintomas não controlados, sofrimento existencial e fragilidade progressiva. Melhorar o acesso dos doentes com IC a CP pode reduzir o seu sofrimento e dos seus cuidadores, assim como reduzir as hospitalizações.
Irene Marques
Os CP dos doentes com IC devem ser iniciados pela equipa de saúde que habitualmente os trata, idealmente multidisciplinar, e que deve integrar ou ter relações de colaboração estreita com profissionais especializados em CP.
Os sintomas e necessidades dos doentes com IC e dos seus cuidadores devem ser avaliados regularmente, idealmente através de escalas validadas para o efeito. É importante que sejam mantidas e ajustadas as terapêuticas que permitem o controlo de sintomas e revistas as indicações para manter dispositivos e terapêuticas profiláticas.
A articulação entre internistas, cardiologistas e equipas de CP é essencial para que os doentes beneficiem de CP ao longo de toda a trajetória da doença, independentemente do local de tratamento e sempre de acordo com as suas necessidades.