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Cuidados paliativos no domicílio: «Não é só o utente que nos preocupa»




Campo de estágio de inúmeros profissionais, a Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) Arrábida conta com uma equipa cuja atuação se pauta por uma extrema dedicação aos utentes e famílias. A Just News foi conhecer o trabalho, no terreno, de uma equipa que está sempre ao serviço desde que as necessidades dos utentes/famílias assim o exijam.

Logo pela manhã, a Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) Arrábida reúne-se para discutir os casos clínicos dos utentes e prepara o programa de visitas domiciliárias.



O grupo, coordenado por Ana Cristina Fryxell, especialista em MGF, é constituído pelas médicas de família Lúcia Ramalheiro e Joana Alves, as enfermeiras Margarida Castro Ferreira e Carla Palmeirinho, a psicóloga Helena Salazar e a técnica de serviço social Catarina Amaro. No total, a ECSCP conta com 47 horas médicas, 55 de enfermagem, 20 horas de Psicologia e as necessárias da assistente social.

“Estamos a funcionar com os mínimos que a Comissão Nacional de Cuidados Paliativos (CNCP), nomeada em 2016, defendeu como aceitáveis”, esclarece Helena Salazar que, em 2008, em conjunto com Margarida Castro Ferreira, iniciou a prestação de resposta às necessidades paliativas no ACES.

O grande salto qualitativo deu-se quatro anos mais tarde, com a entrada de Ana Cristina Fryxell e de outros profissionais de saúde, todos com formação avançada ou intermédia em cuidados paliativos.

As dificuldades, no que diz respeito aos recursos humanos, “são globais”, esclarece a coordenadora, referindo que “na ARS de Lisboa e Vale do Tejo deveria haver, pelo menos, uma equipa especializada em cuidados paliativos por ACES, mas, neste momento, existem apenas cinco”.


Ana Cristina Fryxell e Joana Alves

A ECSCP Arrábida tem a vantagem de trabalhar em articulação com a Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos (EIHSCP) do Hospital de Setúbal, com as Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) do ACES e com a Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital Nossa Senhora da Arrábida, em Azeitão. 

Esta articulação existente entre unidades e “o amor à camisola” é o que permite à ECSCP Arrábida ultrapassar os constrangimentos inerentes à exiguidade dos recursos humanos, num ACES que engloba três concelhos – Sesimbra, Palmela e Setúbal – e mais de 200 mil habitantes.

Cerca de 70% dos doentes são do foro oncológico

A ECSCP não tem capacidade para abranger os três concelhos. A sua atuação incide sobretudo no de Setúbal. Contudo, realiza um importante trabalho de consultadoria junto das unidades funcionais e das ECCI do agrupamento.

A equipa acompanha, em média, 75 a 80 novos utentes por ano. Na sua grande maioria (cerca de 70%) são doentes oncológicos mas, “gradualmente, têm vindo a aumentar os doentes com insuficiência cardíaca, renal e respiratória, bem como os casos de doença neurológica, nomeadamente, esclerose lateral amiotrófica e atrofia multissistémica”.

Ainda de acordo com Ana Cristina Fryxell, “nos primeiros anos, tínhamos sobretudo doentes com mais de 65 anos, mas, neste momento, começa a aumentar o número dos que têm idade compreendida entre 40 e 60 anos”.


ECSCP Arrábida: Joana Alves, Ana Cristina Fryxell, Margarida Castro Ferreira, Helena Salazar, Carla Palmeirinho, Lúcia Ramalheiro e Catarina Amaro (ausente na foto)

Sempre de prevenção

A equipa disponibiliza um número de telefone aos utentes e familiares. Estes podem-no utilizar sempre que necessário, uma vez que os profissionais estão permanentemente de prevenção, incluindo, naturalmente, os fins de semana e feriados. Ana Cristina Fryxell explica:

“Podem ligar-nos se tiverem alguma dúvida. Em caso de necessidade, realizamos uma visita domiciliária. Normalmente, fica sempre uma equipa – médica e enfermeira – de prevenção. Um elemento fica com o telefone e, quando é necessária a colaboração de ambos os profissionais que estão de prevenção, respondem via telefone ou deslocam-se ao domicílio do utente.”



Acrescenta que “a nossa prevenção ainda não está a ser feita como o desejamos, mas, mesmo assim, o facto de o fazermos tem ganhos consideráveis em termos de todo o Serviço Nacional de Saúde e, particularmente, para o utente/família, evitando, por exemplo, idas ao serviço de Urgência”.

Neste âmbito, Helena Salazar sublinha que, “para os cuidadores, o facto de saberem que estamos contactáveis proporciona-lhes uma grande segurança e confiança, algo que tentamos construir desde o primeiro momento, não prometendo nada que não possamos cumprir”.

Os cuidadores “são os verdadeiros heróis”

O trabalho da equipa incide também muito fortemente na capacitação dos cuidadores. “Não é só o utente que nos preocupa”, diz Ana Cristina Fryxell, acrescentando:

“Trabalhamos muito ao nível da preparação do cuidador, no ensino, deixando, inclusive, medicação em casa do utente quando o cuidador está capacitado para o fazer. Mas, no decurso natural da doença, as coisas podem acontecer de repente. É nessa altura que nos chamam e que a nossa presença se torna indispensável.”



É um trabalho muito exigente, a todos os níveis. Mas, na perspetiva dos profissionais, os cuidadores “são os verdadeiros heróis”. Daí a necessidade de “não criar falsas expectativas e lidar com a questão da esperança de uma forma muito realista e pragmática”, diz Helena Salazar.

A psicóloga desenvolve a ideia: "Trabalhamos o luto antecipatório enquanto o doente está vivo. A perda pela morte é iminente, mas temos uma multiplicidade de perdas cumulativas, desde a questão da função da pessoa -- que começa a ficar dependente, a perder o seu papel e a sua autonomia – que o cuidador sente de forma dramática."



O passo seguinte é prestar acompanhamento no luto pós-morte. "Enviamos uma carta de condolências e oferecemos-lhes os nossos cuidados. Percebem, assim, que não são um número, um processo que se fecha; sentem-se apoiados e valorizados”, garante.

Unidade de estágio e de formação

A ESCSCP Arrábida tornou-se também um campo de estágio e de formação de internos de MGF, médicos de família, estudantes de Enfermagem, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos.

Helena Salazar é membro da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos e Ana Cristina Fryxell é a coordenadora Regional de Cuidados Paliativos da ARS de Lisboa e Vale do Tejo. Ambas têm, assim, um papel muito ativo na formação dos profissionais de saúde, destacando-se, por exemplo, a sua intervenção nas edições do Curso Intermédio de Cuidados Paliativos, realizadas pela Academia de Formação e Desenvolvimento da ARSLVT.

O referido curso tem a duração de 90 horas e dirige-se aos profissionais da ARSLVT que constituem ou poderão vir a criar Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP), bem como a profissionais das Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) e de Unidades de Cuidados Paliativos da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI).

“Não havia este nível de formação em termos nacionais. Existiam somente cursos básicos ou de formação avançada (pós-graduações e mestrados)”, esclarece Helena Salazar, adiantando: “Neste momento, as cinco ARS do país estão a fazer exatamente o mesmo curso. Isso significa que estamos a dotar os profissionais com conhecimentos intermédios e, pela primeira vez, a criar conteúdos uniformizados, algo que também não existia.”

"Uma importante mais-valia para os utentes"

O projeto dos cuidados paliativos “representa uma grande mais-valia para o nosso ACES, quanto mais não seja porque estamos a ir ao encontro das necessidades dos utentes, das políticas governativas do Ministério da Saúde e da Comissão Nacional para os Cuidados Paliativos, que está a tentar implementar uma rede em todo o país”, refere Bárbara Carvalho, diretora executiva do ACES Arrábida.


Bárbara Carvalho

De acordo com a responsável, a ECSCP Arrábida “é de tal modo conhecida que recebe bastantes estagiários”. Adianta mesmo que têm recebido "um ou outro recém-especialista que pondera integrar este agrupamento precisamente por termos esta unidade de cuidados paliativos, onde também gostariam de desenvolver alguma atividade”.

Para Bárbara Carvalho, não há qualquer dúvida: “A Unidade de Cuidados Paliativos é um projeto de grande valia, não só para os utentes que, naturalmente, são os principais interessados e beneficiários, mas também para os profissionais que integram hoje o agrupamento e aqueles que desejam trabalhar connosco."



Reportagem publicada no Jornal Médico dos cuidados de saúde primários

De periodicidade mensal, Jornal Médico dos cuidados de saúde primários é distribuído em todas as unidades de saúde familiar do país. Dirigido a estes profissionais, é uma ferramenta única na partilha e promoção de boas práticas e de projetos inovadores implementados nos cuidados primários.

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