«Diminuir a prevalência da diabetes e a incidência das suas complicações»
Rui Duarte, diabetologista da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), é, desde março, o novo presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), para o triénio de 2017-2020, sucedendo ao internista e endocrinologista José Luís Medina, que desempenhou este cargo em dois mandatos consecutivos.
Salientando que este é, para si, “um grande desafio”, Rui Duarte afirma que a nova Direção tem como principais objetivos dar continuidade ao trabalho levado a cabo pelas equipas anteriores: “Pretendemos melhorar e manter viva a colaboração em atividades de investigação, patrocinar atividades científicas e de índole educativa dos profissionais de saúde e colaborar com entidades de saúde oficiais. Queremos, ainda, manter vivos os estudos epidemiológicos, de forma a termos informação atualizada acerca da diabetes e das suas complicações.”
São também prioridades, segundo indica, a colaboração com outras sociedades científicas, de modo a poderem ser criadas recomendações conjuntas em áreas partilhadas – dando como exemplo as doenças cardiovasculares –, assim como com a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar; e, ainda, contribuir para uma maior autonomia de grupos profissionais de saúde não médicos que se dediquem a esta área da Diabetes.
SPD: uma perspetiva multidisciplinar da doença
Rui Duarte está ligado à SPD desde a sua criação, em 1987, tendo sido um dos sócios fundadores desta sociedade científica que, segundo recorda, “surgiu da necessidade de juntar esforços para uma melhor abordagem da diabetes, até mesmo numa perspetiva multidisciplinar”, à semelhança do que já existia na Europa e nos EUA.
“A SPD resultou da vontade de profissionais de serviços de Endocrinologia e de Medicina Interna com especial vocação para o seguimento de pessoas com diabetes”, conta Rui Duarte, fazendo referência à, na altura, denominada Clínica de Diabetes e Nutrição do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde trabalhava e cujo diretor era Pedro Eurico Lisboa – discípulo direto de Ernesto Roma, o fundador da Diabetologia Nacional na sua APDP (Associação Protetora dos Diabéticos Pobres), em 1926 –; à equipa de Endocrinologia dos Hospitais Universitários de Coimbra, na pessoa de Almeida Ruas; à do Hospital de São João, no Porto, com Manuel Hargreaves e José Luís Medina; e à do Hospital Infante Dom Pedro, em Aveiro, Simões Pereira, entre muitos outros.
No decorrer destes 30 anos de existência da SPD, Rui Duarte acompanhou sempre “muito de perto” as atividades da mesma e participou na organização de muitos dos seus congressos. “Fui secretário-geral durante dois mandatos, vice-presidente durante outros dois e considerei que estava na altura de aceitar este grande desafio de ser o presidente da SPD”, afirma.
Com o passar dos anos, a Sociedade alargou-se a vários outros profissionais de saúde médicos ou não, como enfermeiros, dietistas, nutricionistas, psicólogos e, mais recentemente, podologistas.
No que respeita às especialidades médicas, as que apresentam maior número de sócios são a Medicina Interna, a Endocrinologia e a Medicina Geral e
Familiar. Tem-se verificado, também, “um acréscimo progressivo e muito salutar” de investigadores, onde se incluem biólogos, bioquímicos, farmacêuticos e médicos.
No que respeita à sociedade civil, a SPD assumiu, desde sempre, o papel daquilo a que denomina de “advocacia da diabetes”, alertando para o problema de Saúde Pública que a doença representa. Segundo indica, os objetivos principais, que levaram à constituição desta entidade e que passam pela “defesa dos interesses dos seus sócios e das pessoas com diabetes” não foram alterados, mas adaptados à realidade, ao longo dos anos.
Observatório Nacional da Diabetes: 168 novos casos/dia em Portugal
De acordo com os dados do Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes, no ano de 2015, em Portugal, estima-se a existência de 591 a 699 novos casos de diabetes por cada 100 mil habitantes, ou seja, cerca de 168 novos casos/dia.
“É preocupante que haja novamente um crescimento da incidência da diabetes”, salienta o presidente da SPD.
E acrescenta: “Um dos aspetos fundamentais do Observatório é que já podemos ter uma avaliação a 10 anos, desde 2006, e, desta forma, perceber e avaliar algumas tendências.”
A prevalência estimada desta patologia na população portuguesa, com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos, é de 13,3%, o que significa que mais de 1 milhão de portugueses neste grupo etário tem a patologia.
Os dados respeitantes às hospitalizações por diabetes como doença associada são também, salienta, “muito preocupantes”, estimando-se que cerca de 1/3 a 1/4 das pessoas internadas nos serviços de Medicina têm diabetes.
Os custos diretos com a patologia vão aumentando todos os anos. “As terapêuticas medicamentosas mais recentes são mais caras, mas, eventualmente, mais
efetivas, uma vez que se nota uma diminuição dos internamentos por diabetes como causa principal, o que pode significar que as pessoas têm um melhor controlo da doença.”
Mas nem tudo é mau, verificando-se, em 10 anos, um decréscimo de 41% das amputações major e de 28% na sua totalidade. “A redução do número de amputações é uma tendência que se verifica e que, este ano, é nítida”, refere Rui Duarte. E acrescenta que estes valores fazem notar “um bom trabalho” na área da prevenção das amputações, feito em articulação com os cuidados de saúde primários e secundários. O aumento do rastreio da retinopatia diabética é outro dado positivo.
Contudo, o médico considera que ainda há muito a fazer, no sentido de se realizar um rastreio sistemático e atempado a nível nacional.
Tendo em conta estes factos, quando questionado acerca dos grandes desafios, Rui Duarte responde: “Diminuir a prevalência da diabetes e a incidência das complicações da doença.”
Em relação à prevenção da diabetes, “muito passa por uma questão de educação para a saúde”, que pode ser trabalhada através de programas e campanhas informativas, que devem ser implementados a nível local, com vista à melhoria dos estilos de vida.
“Os CSP continuam a ter um papel muito importante no diagnóstico e acompanhamento inicial das pessoas com diabetes tipo 2 e no melhor tratamento possível”, afirma.
E conclui: “Continua a ser muito importante que os médicos de família identifiquem as pessoas com maior risco de vir a ter diabetes, dentro da sua lista de utentes e através da história familiar, evitando-se que venham a desenvolver a doença e prevenindo as suas complicações”.
“O meu interesse pela diabetes nasceu por se tratar de uma doença crónica em todas as idades”
Rui Duarte nasceu a 1955, em Lisboa, e licenciou-se, em 1978, pela FMUL. Aquando da escolha da especialidade, optou não só pela Medicina Interna como também pelo grupo com quem queria trabalhar. “Escolhi o Grupo de Medicina Interna e Diabetologia do Hospital de Santa Maria, que já conhecia e muito admirava, e tive – na equipa do Prof. Pedro Lisboa, um grande clínico – o Dr. Jorge Caldeira como meu orientador e tutor da Diabetologia”, recorda.
Rui Duarte refere que, normalmente, o internista debate-se diariamente com a doença aguda, tendo o seu interesse pela diabetes nascido, precisamente, por esta se tratar de uma doença crónica.
“Achei interessante poder juntar a minha experiência do doente agudo com a do crónico”, observa, acrescentando que, naquela altura, o diabetologista via pessoas de todas as idades, pois, a Pediatria ainda não se tinha especializado nesta área. “A insulinoterapia era uma área de tratamento que exigia uma grande especialização específica e muita experiência!”
“Víamos desde crianças a idosos. Ainda hoje, sigo pessoas que já são avós e que são meus doentes, desde o início, há mais de 30 anos, com a mesma idade que eu. É muito gratificante… nalguns casos!”
Casado há 40 anos com uma colega de profissão, Rui Duarte tem quatro filhos e seis netos.