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Opinião

«Hipertensão arterial induzida por fármacos: é fundamental a colheita detalhada da história clínica»


Paula Felgueiras

Assist. graduada de Medicina Interna, ULS Alto Minho



A hipertensão arterial é um dos problemas de saúde pública mais importantes a nível mundial, acarretando enorme impacto quer a nível económico, quer na qualidade de vida das pessoas, pelas complicações a esta associadas (sejam as doenças cerebrovasculares, como o acidente vascular cerebral, e/ou as cardíacas, como o enfarte agudo do miocárdio e a insuficiência cardíaca).


A HTA é na maioria das vezes silenciosa, representando, por si só, um fator de risco para muitas outras doenças, como sejam a doença arterial coronária, o AVC ou a insuficiência cardíaca. É, assim, fundamental o bom controlo tensional, de modo a evitar o aparecimento de lesão de órgão alvo.

Para além da avaliação global do utente, é fundamental em Consulta de Hipertensão a exclusão das causas secundárias de HTA, assim como os fármacos e/ou condições médicas que possam contribuir para um não controlo adequado da pressão arterial.


Paula Felgueiras

Uma das causas de HTA é a induzida por fármacos. Uma elevada percentagem da população, para além da terapêutica prescrita, tem acesso a fármacos de venda livre ou a produtos de ervanária que podem interferir com o bom controlo da pressão arterial. São vários os fármacos e substâncias que podem aumentar a pressão arterial ou interferir com a terapêutica, nomeadamente:

– Os contracetivos orais, particularmente os que contêm estrogénio. Têm como mecanismo de ação a estimulação da produção hepática de angiotensinogénio pelo estrogénio, ativando o sistema renina-angiotensina, no entanto, há também evidências de que o estrogénio interfere igualmente na ativação do sistema nervoso simpático.

São necessários níveis farmacológicos de estrogénios, como os encontrados nos contracetivos orais, para causar aumento da pressão arterial em algumas pessoas. Os contracetivos não orais, como os anéis vaginais, transdérmicos ou combinados, parecem ter um impacto menor na subida da pressão arterial, comparativamente com os contracetivos orais, embora sejam necessários mais estudos.

Níveis fisiológicos de estrogénios, como os que são encontrados na terapêutica hormonal de substituição, parecem não ter impacto na pressão arterial. Os contracetivos progestativos (implantes, DIU, pílulas progestativas, injetáveis) não parecem estar associados a aumento da pressão arterial. Assim, nas mulheres em idade fértil que sejam hipertensas torna-se fulcral a consulta para avaliação do seu risco individual e para a escolha da terapêutica mais adequada, tanto a anti-hipertensiva como o método contracetivo.(1,2,3)

– Os anti-inflamatórios não esteroides (AINE), particularmente se usados de forma crónica, estão associados a aumento da pressão arterial. Os AINE, quando usados em dose terapêutica, podem aumentar a pressão arterial e diminuir o efeito dos fármacos anti-hipertensores (exceto os antagonistas dos canais de cálcio).

O mecanismo pelo qual causam aumento da pressão arterial relaciona-se com a redução da excreção de sódio e o aumento do volume intravascular. Apenas a aspirina usada em baixa dose (como agente antitrombótico) não aumenta a pressão arterial. Nos doentes hipertensos que usam AINE é importante a restrição salina da dieta, assim como a monitorização frequente da pressão arterial e da função renal.(6)


– Os antidepressivos são usados numa elevada percentagem da população, no entanto, nas pessoas hipertensas devem ser tidos alguns cuidados, pelos efeitos adversos. Os antidepressivos da nova geração (inibidores da recaptação da serotonina-norepinefrina) têm como efeito adverso o aumento da pressão arterial e isso parece estar relacionado com o efeito da norepinefrina.

Os antidepressivos tricíclicos têm vários efeitos cardiovasculares, devendo ser evitados em doentes com doença cardiovascular. Os inibidores da monoaminoxidase (IMAO) também estão envolvidos no aumento da pressão arterial e podem até induzir crises hipertensivas.(8)

– Os corticosteroides, que incluem tanto os glucocorticoides como os mineralocorticoides, também estão envolvidos no aumento da pressão arterial.

– A eritropoetina (EPO) também parece estar envolvida no aumento da pressão arterial. O mecanismo de ação subjacente a este fenómeno permanece ainda pouco conhecido e parecem existir outras causas concomitantes. Sabe-se que aproximadamente 20 a 30% dos doentes tratados com EPO para a correção da anemia na doença renal crónica desenvolvem elevação em cerca de 10 mmHg na pressão arterial diastólica.

Há fatores de risco associados ao desenvolvimento de hipertensão induzido pela EPO, tais como: administração subcutânea, hemodiálise, história familiar de hipertensão, doses mais elevadas de EPO.

O estudo CREATE demonstrou que existia um risco estimado de 50% no desenvolvimento de hipertensão relacionado principalmente com uso de doses elevadas de EPO e incremento rápido no valor da hemoglobina(4). O tratamento da hipertensão induzida pela EPO começa com a prevenção, uma vez que este risco diminui se a correção da hemoglobina for mais lenta e progressiva.(5)

– A ciclosporina e o tacrolimus – estes fármacos induzem hipertensão logo nas primeiras semanas de terapêutica, uma vez que induzem vasoconstrição e retenção de sódio. Habitualmente, com a redução da dose do fármaco a pressão arterial reduz-se, no entanto, pode ser necessário início/ajuste da terapêutica anti-hipertensora, sendo os antagonistas dos canais de cálcio o grupo farmacológico de eleição nos doentes sob ciclosporina.(7)

Muitos outros, tais como: os descongestionantes nasais; os medicamentos usados para perda de peso/anorexigénios; os antiácidos contendo sódio; os estimulantes, como o metilfenidato e as anfetaminas; os antipsicóticos, como a olanzapina e a clozapina; os inibidores da angiogénese, como o bevacizumab; os inibidores da tirosina quinase, como o sutanitib e o sorafenib. E também as drogas ilícitas, como as metanfetaminas e a cocaína, podem causar um aumento da pressão arterial.

Daí que na avaliação do doente hipertenso se torne fundamental a colheita cuidada e detalhada da história clínica, de modo a excluir causas secundárias de hipertensão arterial, nomeadamente a induzida por fármacos/drogas.


Bibliografia:
1. Curtis KM, Tepper NK, Jatlaoiui TC, et al. US. Medical Eligibility Criteria for Contraceptise use, 2016. MMWR Recomm Rep 2016; 65-1.
2. Whelton PK, Carey RM, Aronow WS, et al. 2017. ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and management of High Blood Pressure in Adults. A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension 2018; 71:2 13.
3. ACOG Practice Bulletin No.206: Use of Hormonal Contraception in Women with coexisting medical conditions. Obstet Gynecol 2019; 133:e128. Reaffirmed 2022.
4. Drueke TB, LacatelliF, Clyne N, Eckardt KU, Macdougall IC, Tsakiris D, Burger HU, Scherhag A. CREATE Investigators, Hypertension associated with erythropoiesis-stimulating agents (ESAs) in patinets with chronic Kidney disease. N Eng J Med . 2006; 355 (20): 2071.
5. Lundby C, Thmsen JJ, Boushel R, et al. Erythropoetin treatment elevates haemoglobin concentrations by invreasing red cell volume and depressing plasma volume. J Physiol 2007;
578:309.
6. MacIntyre IM, Turtle EJ, Farrah TE, et al. Regular Acetaminophen use and Blood pressure in people with hypertension: The PATH-BP trial. Circulation 2022; 145:416.
7. Hoorn EJ, Walsh SB, McCormick JA, et al. The calcineurin inhibitor tacrolimus activates the renal sodium chloride cotransporter to cause hypertension. Nat Med 2011; 17:1304.
8. Krishnan KRR. Monoamino oxidase inhibitors. In: The American Psychiatric Association Publishing Textbook of Psychopharmacology, Fifth Edition, Schatzberg AF, American Psychiatric Association Publishing, Arlington, VA 2017.p.283.




O artigo de Paula Pinheiro pode ser lido na edição de janeiro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários, no âmbito de um Especial Hipertensão, dedicado ao 17.º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global.

 

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