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Opinião

Limites e desafios éticos dos indicadores


José Augusto Simões

Médico de família na USF Marquês de Marialva, ACeS Baixo Mondego. Especialista em MGF com a competência em Gestão de Serviços de Saúde.



José Augusto Simões
Médico de família na USF Marquês de Marialva, ACeS Baixo Mondego.
Especialista em MGF com a competência em Gestão de Serviços de Saúde.

A forma de pagamento do médico de família é crucial para a sua prática clínica. Com o salário pagam o seu tempo. Com a capitação a saúde dos seus pacientes. Com o pagamento por ato a sua atividade. No entanto, nenhuma forma de pagamento é a ideal, mas parece que o pagamento por capitação, contendo os custos sem prejudicar a qualidade, pode ser o melhor sistema de pagamento.

De facto, nos países com melhores resultados de saúde e com bons cuidados de saúde primários (CSP), os médicos são pagos por capitação. No entanto, esta é sempre combinada com outras formas de pagamento, porque normalmente não cobre mais do que metade da remuneração mensal dos médicos de família.

A característica da capitação é que esta está sempre associada a uma lista de pacientes, pela qual se paga um “per capita", e a função de filtro (“gatekeeper”) dos CSP, no acesso dos pacientes a especialistas hospitalares através do médico de família. Em qualquer caso, as três formas de pagamento referidas podem-se complementar.

O desenvolvimento da Medicina Geral e Familiar (MGF) em Portugal nos últimos vinte anos tem sido acompanhada pelo debate em torno da otimização dos modelos organizacionais e, consequentemente, dos sistemas retributivos com eles relacionados que permitam uma retribuição mais justa dos profissionais, ao mesmo tempo que se associam a uma melhoria da qualidade da prática clínica.

O pagamento por desempenho (PpD), do termo inglês “Pay for Performance (P4P)”, é o modelo de retribuição dos profissionais de saúde em que estes auferem uma retribuição variável em função do atingimento de determinadas metas pré-estabelecidas para a prestação de cuidados de saúde.

Em muitos sistemas de saúde este método de remuneração correspondeu a uma evolução do modelo de pagamento por ato. O PpD pode coexistir com outras formas de retribuição dos profissionais, nomeadamente com pagamento ligado à capitação, algumas formas de pagamento ao ato e componentes de vencimento fixo.

Apesar das diversas manifestações políticas de apoio ao desenvolvimento do PpD, existem na literatura diversos estudos que põem em causa as vantagens do sistema de PpD ou levantam questões éticas pertinentes. Entre os quais o perigo do aumento das “cascatas” diagnósticas e terapêuticas. E o risco de que o trabalho clínico se passe a centrar no cumprimento de indicadores e que os doentes em cujo seguimento esse cumprimento se realize com dificuldade sejam afastados.

Concluindo, existe uma ideia mais ou menos generalizada que a contratualização é um dos calcanhares de Aquiles da reforma dos cuidados de saúde primários (CSP), muito centrada em indicadores, alguns de utilidade duvidosa, com “imposição” de metas utópicas.

Esta postura tem o potencial de induzir numa prática de CSP centrada em indicadores, com todos os prejuízos conhecidos.

Mas também existe a ideia de que as USF não são apenas indicadores e o foco da sua atenção deve ser a prestação dos melhores cuidados de saúde para os cidadãos, assim a minha proposta de que se contratualize não 20, mas sim 200 indicadores, que abarquem toda a atividade do médico de família, que assim teria que se concentrar em prestar cuidados de excelência em todas as áreas e não apenas em algumas.

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