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Opinião

«Menopausa e fertilidade – uma contradição?»


Luís Ferreira Vicente

Centro PMA e Centro de Tratamento Especializado de Endometriose, Hospital Lusíadas Lisboa. Vice-presidente da SPMR. Presid. Secção de Endoscopia da SPG.



Temos vivido uma época em que os avanços da Medicina da Reprodução e da Obstetrícia têm vindo a desafiar os limites da idade da gravidez na mulher.

A definição de idade materna avançada e gravidez já nem é consensual, por se verificar um número crescente de mulheres com gravidezes depois dos 35-40 anos…

Temos de compreender que a possibilidade de gravidez em mulheres com menopausa precoce ou insuficiência ovárica prematura abriu o caminho para a possibilidade de gravidez após a menopausa fisiológica. A grávida mais idosa conhecida, resultante de um programa de doação de ovócitos, foi reportada na Índia, aos 70 anos, com uma gravidez gemelar e escolha de sexo fetal!

Este caso, e outros com desfechos inicialmente favoráveis, devem ser refletidos por todos nós nas estratégias atuais e futuras da possibilidade de gravidez na menopausa. Estratégias atuais: a doação ovocitária e a preservação de ovócitos ou de tecido ovárico

O declínio da fertilidade, que ocorre a partir dos 35 anos, é quantitativo e qualitativo. A ocorrência de aneuploidias em ovócitos aos 42-45 anos atinge os 50% e é de 100% depois dos 45 anos. Isso explica o declínio das taxas de gravidez natural ou com recurso a tratamentos de PMA, sendo menores que 5% a partir dos 43 anos de idade. Estas probabilidades são contornadas com o recurso a doação de ovócitos, em que a taxa de gravidez passa a ser respeitante à idade da dadora.

A preservação de ovócitos é possível e já não é considerada um processo experimental, permitindo uma taxa de sobrevivência ovocitária acima dos 90%, desde que se introduziu o processo de vitrificação de ovócitos. É um processo que faz parte do tratamento oncológico de mulheres jovens com necessidade de tratamentos com ameaça gonadotóxica ou de outras doenças médicas associadas a insuficiência ovárica prematura.


No entanto, tem vindo a ser uma opção crescente nas mulheres com o intuito de preservar os seus ovócitos, de forma a serem utilizados no futuro, adiando o seu projeto de maternidade. Inicialmente designado por “social freezing”, foi designado por outros grupos como “banking for age (Antecipated Gamete Exhausting)”, de forma a retirar alguma conotação negativa.


Luís Ferreira Vicente

No aconselhamento da preservação de ovócitos, devemos ser honestos na explicação das possibilidades verdadeiras de gravidez posterior e que depende da idade em que os ovócitos foram colhidos, de forma a não se criarem falsas expectativas.

Ana Cobo publicou uma série de estudos de mais de 1400 mulheres com preservação da fertilidade, que pode ser muito útil no aconselhamento. Verificou-se, por exemplo, que a taxa de gravidez clínica com a utilização de 10 ovócitos criopreservados é o dobro, se os ovócitos forem colhidos antes dos 36 anos (60,5% versus 29,7%).

Chang tinha também demonstrado que, até aos 36 anos, são necessários 12 ovócitos criopreservados para se obter um recém-nascido posteriormente.

A partir dos 37 anos, são necessários, em média, 29 ovócitos para o mesmo fim. Estes resultados são explicados pelo declínio de ovócitos sem aneuploidias após os 35 anos. Por este motivo, a preservação de ovócitos deverá ser efetuada, preferencialmente, até aos 36 anos. Depois dessa idade, as reais expectativas devem ser discutidas com a doente.

A preservação do tecido ovárico também permite a preservação antes da puberdade, podendo também até vir a ser utilizado numa terapêutica de substituição hormonal
baseada em células ou tecidos.

Estratégias em investigação

A regeneração do tecido ovárico tem sido conseguida, em séries pequenas, com a utilização de stem cells, de plasma enriquecido com plaquetas e no processo de in vitro activation (IVA) de tecido ovárico. O plasma enriquecido em plaquetas tem sido utilizado em outras áreas da Medicina. A presença de grânulos enriquecidos em fatores de crescimento nas plaquetas explica a sua capacidade regenerativa.

Em Medicina da Reprodução já tinha sido utilizada com o intuito de aumentar a espessura do endométrio em endométrios persistentemente finos em ciclos de transferência de embriões congelados. A sua utilização com injeção intra-ovárica tem tido resultados promissores em mulheres más respondedoras em ciclos FIV e em mulheres com falência ovárica, de forma a permitir a recuperação da função ovárica.

A ativação in vitro foi descrita por Kawamura e implica a colheita de tecido ovárico por laparoscopia. O procedimento foi simplificado e consiste na ativação pelo corte ou fragmentação de tecido ovário e transplante no mesmo tempo cirúrgico (inicialmente implicava uma cultura e um segundo tempo cirúrgico). Parece que atua por interferir na via hippo de signaling da maturação ovocitária.

Estratégias futuras

A investigação em animais já permitiu a maturação in vitro de ovócitos a partir de folículos primordiais, tendo já sido obtidos recém-nascidos, em animais, com esta técnica. A transferência de mitocôndrias já foi utilizada em humanos, com a obtenção de recém-nascidos. Inicialmente proposta para doenças associadas ao DNA mitocondrial, o seu alargamento ao envelhecimento ovocitário foi uma possibilidade, visto que o envelhecimento dos ovócitos está relacionado com o mau funcionamento mitocondrial.

O procedimento pode ser realizado na fase de ovócito ou na fase de zigoto. Foi utilizado já em 1997 e levantou a questão dos 3 parents’ child, apesar do DNA mitocondrial contribuir apenas com 0,1% do nosso DNA.

A ocorrência de aneuploidias e doença genética levou a que fosse banida pela FDA em 2001, devendo ser atualmente limitada a casos muito escrutinados de doenças genéticas.

Implicações

A possibilidade da gravidez na menopausa, que a PMA abriu, levanta questões de saúde na mulher grávida após os 40-50 anos, que todos conhecemos.

Em Portugal, o acesso a tratamentos PMA está legalmente limitado até aos 50 anos na mulher. As implicações e questões sociais não podem ser esquecidas, devendo servir de base para uma discussão alargada para a promoção da gravidez em idades jovens, sem penalizações laborais ou na carreira profissional das mulheres.

De facto, a pergunta mais vezes respondida em Ciência é a de que será possível, mas devemos também responder à pergunta menos frequentemente respondida: será que podemos?


 
Artigo publicado na Women`s Medicine de setembro/dezembro, a revista de referência na área da Ginecologia/Obstetrícia e Saúde da Mulher em Portugal.
Veículo único de partilha de conhecimento e de experiência entre os diversos profissionais a nível nacional. 

 

 

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