Opinião

Agressões a profissionais de saúde: «Assegurar que estes crimes serão tratados como públicos»


Miguel Guimarães

Bastonário da Ordem dos Médicos



A atitude displicente do Ministério da Saúde perante os casos de agressões a profissionais de saúde que têm vindo a ser mediatizados faz-nos recuar aos tempos em que a violência doméstica era vivida ainda mais em silêncio, com as vítimas a sentirem-se envergonhadas, de certa forma culpadas, acreditando que tais atos eram normais e faziam parte de uma relação ou de um casamento em que o ciúme é sinal de amor.

Não, a violência não é normal. Nunca pode ser. O número de casos de agressões a profissionais de saúde não pode ser adjetivado como grande ou pequeno. Não é jamais admissível que um único profissional de saúde veja a sua própria vida ameaçada quando está a salvar vidas.

A situação é ainda mais injusta quando estes mesmos profissionais são o bode expiatório de um sistema público de saúde que está em falência e de um Serviço Nacional de Saúde onde o desinvestimento gritante tem aumentado os tempos de espera, degradado as condições de trabalho e de atendimento e, por consequência, feito disparar a conflitualidade.

Convém recordar os principais garantes da nossa Constituição da República Portuguesa, em que a lei mãe do nosso país consagra o direito à não-violência nos seus princípios fundamentais, enquanto direito à integridade física e moral. Recentemente, também a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem vindo a alertar que a violência constitui um problema major em termos de saúde pública.

A mesma estrutura sublinha que este problema afeta a dignidade dos profissionais e constitui uma fonte importante de estigmatização e conflito no local de trabalho. Entre as soluções, a OMS refere sistemas de vigilância, maior reconhecimento de sinais de alerta e alterações na organização do trabalho.

Num contexto exigente de quem está a salvar vidas e em que o respeito pela dignidade do doente e pela confidencialidade da informação leva a que o médico trabalhe fechado num gabinete, torna-se ainda mais premente garantir a segurança dos profissionais.

Exige-se, assim, muito mais do que a tutela se limitou a fazer quando vieram a público os recentes casos. O mínimo que se espera de alguém é que condene a violência. Mas a quem nos lidera exige-se bastante mais do que lamentar e dizer que são “ossos do ofício”.


Miguel Guimarães

Como forma de emendar a falta de empatia e de estratégia que estava à vista de todos, o Ministério da Saúde marcou uma reunião com o Ministério da Administração Interna. Infelizmente, do encontro apenas saiu uma manobra de comunicação que protege a ministra e que nos continua a deixar a nós, médicos, desprotegidos.

Foi decidido criar um gabinete que funcionará junto da ministra e que conta com um oficial de segurança. Chamei-lhe, satiricamente, um gabinete homeopático, já que nada mudará no terreno e, infelizmente, atrasará medidas urgentes.

Do encontro entre Saúde e Administração Interna ficou de fora a Justiça, o que inviabiliza um dos caminhos importantes a percorrer neste momento: assegurar que estes crimes serão tratados como públicos e de forma ágil.

Não é preciso ir estudar o dossier. Os diagnósticos e tratamentos estão todos feitos. Aliás, na última edição da Acta Médica Portuguesa, revista científica da Ordem dos Médicos, foi publicado um estudo sobre este tema conduzido num hospital público de Lisboa. O estudo concluiu que são necessários mais agentes de segurança no terreno (e não junto ao gabinete da ministra) e diminuir os tempos de espera, e a Ordem dos Médicos tem também referido que os botões de pânico nos gabinetes, associados a segurança, são medidas a implementar no imediato.

Os casos que conhecemos podem também ser apenas a ponta do icebergue: no estudo, de 41 episódios relatados, na prática, só em 23% dos incidentes as vítimas reportaram oficialmente o que aconteceu.

Não, a violência não é normal. É urgente concretizar medidas que previnam e protejam as pessoas que servem a causa pública todos os dias. E fazer com que a justiça seja mais célere.



Artigo publicado na edição de janeiro/fevereiro do Hospital Público, jornal distribuído em serviços e departamentos de todos os hospitais do SNS.

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