Cepheid Talks

Queixumes do Hospital Público


Alexandre Lourenço

Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH)



Nesta 24.ª edição completamos três anos a promover o Hospital Público (HP). São três anos a divulgar o que fazemos de melhor, destacando muitos dos melhores de nós. Dando visibilidade a quem diariamente luta por um serviço público de saúde.

Todos nos devemos sentir orgulhosos ao folhear as páginas destas 24 edições. Tantas mais edições não chegarão para cobrir uma fração do que de bom é feito no Hospital Público.

Não basta fazer juras de amor ao Serviço Nacional de Saúde (SNS)

Na última década, assistimos a uma progressiva deterioração do HP. Como cada vez mais entendemos, não basta bater no peito e fazer juras de amor ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Não é a retórica que vai modernizar o HP. Não é certamente a já esquecida Lei de Bases da Saúde que vai melhorar as condições de trabalho e o acesso a cuidados de saúde. Se todas as juras fossem ação teríamos, certamente, um HP mais forte.

O reconhecimento do HP faz-se pela valorização dos seus profissionais, em termos de condições de trabalho e perspetivas de carreira. Depois do embate da covid-19, era mesmo isso que se esperava: reencetar as negociações sindicais e acelerar a revisão das carreiras e remunerações; implementar programas de captação de médicos liberais (sem remuneração, devido ao confinamento); criar índices remuneratórios para a deslocalização de médicos, estabelecer a carreira de técnicos auxiliares de saúde, etc., etc.

Entretanto, a Assembleia da República veio atribuir um pagamento único aos profissionais de saúde envolvidos na resposta à covid-19 e o Governo dedicou-lhes a realização da final da Liga dos Campeões, em Lisboa.


Alexandre Lourenço

Na última edição, dedicada à resposta à covid-19, alertei para a memória curta e para a necessidade de liderança e compromisso. O orçamento retificativo veio prever mais 500 milhões de euros para a saúde. Destes, apenas pouco mais de 100 milhões de euros se sabe onde serão aplicados: 33,7 milhões para recuperação de atividade (i.e. incentivos às equipas); 26 milhões para ampliação das unidades de Medicina Intensiva; 8,4 milhões para reforço da atividade laboratorial; 29 milhões para contratação de profissionais (912 enfermeiros, 220 técnicos de diagnóstico e terapêutica, 480 assistentes técnicos, 1320 assistentes operacionais, 63 outros).

Dos restantes, perto de 400 milhões, aguardemos o plano e a sua execução, ou cativação.



reconhecimento do Hospital Público faz-se pela valorização 
dos seus profissionais, em termos de condições de trabalho
 
e perspetivas de carreira.


Nesta coluna, nunca deixei de enunciar as dificuldades, propondo caminhos e soluções. Não é de agora a falta de liderança e compromisso efetivo com o HP. A falta de planeamento e de coordenação têm sido uma constante que se faz sentir mais acentuadamente em situações de enorme incerteza. 


Não falo das compras e da gestão centralizada de equipamentos de proteção individual, de ventiladores ou de testes. Não falo da preparação dos hospitais para receberem doentes covid-19. Não falo da gestão concertada de camas covid-19, evitando sobrecarga de um ou doi hospitais. Não falo dos instrumentos disponíveis para ampliar a rede de cuidados intensivos em tempo útil.

Não falo das soluções para os internamentos sociais. Não falo da contratação precária de profissionais por 4 meses e das suas renovações por 4 meses. Não falo da regulação da telesaúde. Não falo da rede covid-19 e da resposta organizada aos mais de um milhão de consultas e uma centena de milhar de cirurgias. Não falo do plano integrado para a resposta do SNS às temperaturas frias. Não falo da despartidarização e da profissionalização e da avaliação da gestão.

Falo apenas de coordenação e solidariedade. No mês passado, o protesto de uma médica sobre nunca ter existido uma reunião entre os hospitais e a sua Administração Regional de Saúde foi catalogado de queixume.

Como já demonstrámos, vamos aguentando tudo. Até uma pandemia. Juntos somos certamente mais fortes. E mais seremos com melhor liderança e compromisso.



O artigo pode ser lido na edição de julho/agosto do Hospital Público - jornal para profissionais de saúde, distribuído nos serviços e departamentos de todas as unidades hospitalares do SNS. Porque as boas práticas merecem uma ampla partillha!

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