Oncogeriatria em Ginecologia: «Há que integrar a avaliação geriátrica na decisão terapêutica»


Cristina Frutuoso

Ginecologista, CHUC. Presidente da Secção de Ginecologia Oncológica da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.



Com o envelhecimento da população, o risco de cancro aumenta. Nos países desenvolvidos, mais de metade dos cancros acontecem depois dos 70 anos. São vários os trabalhos que mostram que o prognóstico dos tumores malignos sólidos, em doentes de mais idade, selecionadas, é igual ao de doentes mais novas, com doença com as mesmas características.

A Oncogeriatria foca-se nas necessidades específicas da doente mais idosa, não apenas na sua idade cronológica, as também no seu padrão individual de envelhecimento. Usa a investigação clínica para incorporar conceitos geriátricos nos cuidados oncológicos, numa abordagem multidisciplinar, já inerente aos tratamentos em Oncologia.

A Sociedade Internacional de Oncogeriatria (SIOG) recomenda a realização de uma avaliação geriátrica compreensiva para definir o perfil de fragilidade da doente oncológica. Na decisão sobre o tratamento, devemos ainda ter em conta a esperança e vida da doente, atendendo a outras comorbilidades que são causa competitiva de morte, não relacionadas com o cancro. Existem ferramentas de avaliação do prognóstico vital (ePrognosis, online).

Por outro lado, devemos ainda avaliar o impacto do tratamento na qualidade de vida da doente, na sua função física e autonomia e na sobrevivência global. Existem também escalas preditivas de risco de toxicidade (CARG Chemo-Toxicity-Calculator, CRASH score).



Cancer Network for Welfare Aging

Em Portugal, o projeto NEWAYS (Cancer Network for Welfare Aging) pretendeu criar uma consciência nacional para o problema da Oncologia Geriátrica em Portugal.

Para isso, definiu estratégias de atuação em quatro áreas preponderantes dos cuidados ao doente idoso com cancro, promovendo o desenvolvimento de políticas em Oncologia Geriátrica em Portugal: área clínica, área da economia e políticas de saúde, área de investigação epidemiológica e social e outras áreas de atuação (literacia em saúde, patient advocacy, por exemplo).

Na área da clínica, este projeto propõe a realização de avaliação geriátrica sistemática segundo as seguintes linhas de atuação:

– Realização de uma triagem inicial dos doentes oncológicos com mais de 65 anos e de todos os doentes hematológicos com mais de 75 anos de idade (de acordo com a SIOG);


– Nesta triagem, recomenda-se a aplicação de instrumentos de avaliação: questionário G8, instrumentos de avaliação cognitiva e escalas de índices de comorbilidades.

O questionário G8 avalia vários parâmetros do doente e direciona aqueles com pontuação ≤ 14 para a Avaliação Geriátrica Compreensiva (AGC), a ser feita por médico com competência em Geriatria.

O inquérito G8 deve ser realizado em contexto de consulta de Ginecologia Oncológica, por exemplo.

Os parâmetros do questionário G8 são: apetite, perda de peso, mobilidade, humor e função cognitiva, IMC, medicação habitual (> ou < 3), qualidade de vida (opinião da doente em relação às pessoas com a sua idade) e idade.

A realização de AGC identifica síndromes geriátricas e problemas em doentes com boa situação funcional, áreas de vulnerabilidade que condicionam a decisão terapêutica da equipa multidisciplinar. A AGG permite identificar doentes que beneficiam de tratamento standard, doentes que beneficiam de tratamento adaptado e outros que beneficiam de tratamento paliativo.

A partir dos resultados da AGG, o geriatra planifica uma série de intervenções sobre as áreas de vulnerabilidade com o objetivo de otimizar a situação do doente antes do início do tratamento dirigido à doença oncológica. As áreas de intervenção podem ser diversas: nutricional, física/funcional, psicológica, farmacológica, cognitiva e social.

O fator de risco primário não é a idade 

Em Ginecologia, a Oncogeriatria tem os mesmos desafios das outras especialidades. No que se refere à Cirurgia, o fator de risco primário não é a idade, mas as comorbilidades e as síndromes geriátricas.

Identificar dificuldades funcionais e cognitivas permite otimização pré-operatória. As complicações pós-operatórias são mais frequentemente médicas do que cirúrgicas e refletem as síndromes geriátricas, como fragilidade, sarcopenia e delírio.

A Sociedade Europeia de Ginecologia Oncológica já propõe a integração da avaliação geriátrica na decisão terapêutica e são estas as recomendações da Secção de Ginecologia Oncológica da SPG.

Em conclusão, recomenda-se a seleção de doentes com idade superior a 70 anos, com recurso a ferramentas de rastreio de fragilidade (G8), de forma a proceder a avaliação geriátrica compreensiva das doentes com rastreio positivo, proporcionando planos de otimização. Pretende-se dar a cada doente o tratamento adequado, sem excessos nem defeitos.



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