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Opinião

Tratamento do idoso frágil: «A Avaliação Geriátrica Global é fundamental»


João Gorjão Clara

Coordenador do Grupo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna



A palavra fragilidade descreve um idoso débil, vulnerável, emagrecido, com marcha difícil e lenta. Esta é a interpretação do senso comum, mas a definição médica exige que se verifiquem três destas características:

- Perda de peso (5 kg) no último ano
- Perda de força muscular
- Redução da velocidade da marcha
- Diminuição da atividade física
- Sensação subjetiva de exaustão

Estes são os critérios de fragilidade da autoria de Linda Fried que, em 2001, verificou que os idosos com 3 destes 5 critérios tinham maior morbilidade e maior risco de mortalidade.

A American Geriatric Society definiu posteriormente fragilidade como: síndrome caracterizada pelo declínio da reserva fisiológica e da resistência a eventos agressores, devido ao declínio progressivo e cumulativo da função dos vários órgãos e sistemas, causando vulnerabilidade a eventos adversos (complicações médicas, morte).

No envelhecimento, ocorrem progressivamente perdas físicas e intelectuais, que vão tornando cada vez mais difícil manter a homeostasia, ou seja, o equilíbrio de todas as funções fisiológicas, como a manutenção da temperatura corporal, da pressão arterial, a resposta imunológica às infeções, a hidratação, o equilíbrio...

Nestas circunstâncias, qualquer agressão, como, por exemplo, uma infeção, pode ter uma resposta do idoso lenta e desajustada, mas mesmo assim eficaz.

No idoso frágil, o compromisso da manutenção da homeostasia é muito marcado e, por isso, o risco de não resistir a qualquer tipo de agressão é muito grande. Por exemplo, o risco de morte é seis vezes superior no idoso frágil em relação ao idoso não frágil, quando uma agressão semelhante os atinge.

A fragilidade duplica o risco de complicações depois de uma cirurgia, prolonga o internamento hospitalar e aumenta 20 vezes a probabilidade do internamento numa residência para idosos depois da alta hospitalar. A redução da massa muscular facilita a ocorrência de quedas e as consequentes fraturas ósseas.

As causas da fragilidade não são ainda bem conhecidas. Descrevem-se alterações hormonais, alterações da coagulação do sangue, alterações das respostas imunológicas, ativação de mecanismos inflamatórios.

Para estas alterações contribuem fatores genéticos, fatores ambientais (desnutrição, sedentarismo, imobilidade, alcoolismo, tabagismo), intercorrências crónicas (doenças crónicas), intercorrências agudas (infeções, quedas, hospitalização, terapêutica com múltiplos fármacos)... mas a causa ou consequência da fragilidade, a sua assinatura indiscutível, é a perda de massa muscular.



Muito fatores podem contribuir para a perda de massa muscular, como alterações musculoesqueléticas próprias do envelhecimento, da doença, da desnutrição, da inflamação, da desregulação neuroendócrina, da desregulação autoimune.

Depois dos 30 anos de idade a perda muscular é inevitável. Nos homens, a perda de músculo entre os 50 e os 70 anos é de 30%. Naturalmente que a inatividade, uma vida sedentária, aumentam e aceleram a perda de massa muscular. Um idoso internado 10 dias, acamado num hospital, perde um quilo de músculo, o que muitas vezes faz a diferença entre manter a autonomia motora ou sair do hospital em cadeira de rodas ou de maca

Sabe-se que são fatores de risco para fragilidade ser do sexo feminino, sofrer de doenças crónicas, de depressão, não ter autonomia motora, ter baixo rendimento económico e baixo nível cultural.

A fragilidade é uma síndrome que se vai estabelecendo num agravamento contínuo, marcado por crescente depauperamento, diminuição da capacidade de recuperação e aumento da incapacidade e da dependência.

Esta evolução temporal permite definir diferentes estádios: pré-fragilidade, fragilidade ligeira, fragilidade moderada e fragilidade grave.

São consequências da fragilidade o compromisso funcional, a perda de autonomia, a redução progressiva da capacidade de executar as atividades de vida diária, as quedas, a hospitalização, a institucionalização, a predisposição para a ocorrência de doenças agudas, o aumento dos encargos económicos, a mortalidade muito elevada, a redução da esperança média de vida a 2 ou 5 anos.

É importante salientar que o idoso frágil não é um idoso doente. Cerca de 7% dos idosos frágeis não têm doença detetável mas têm uma grande vulnerabilidade para sofrer outras síndromes geriátricas e, neste caso, para manifestações mais exuberantes, com difícil ou impossível recuperação.

É, pois, muito importante prevenir a fragilidade, prevenindo o declíni motor e a desnutrição. Prevenindo o declínio motor fomentando o exercício físico (marcha, dança, natação, ciclismo, jardinagem, golfe, ténis, Tai-chi... e exercícios de resistência, 30 minutos, 3 vezes por semana), combatendo o isolamento, a imobilização e a inatividade (sair de casa, manter vida social ativa, procurar novos amigos, participar em encontros, passeios e excursões). O treino físico deve incidir particularmente nas extremidades inferiores, com o objetivo de lhes aumentar a força, aumentando a velocidade da marcha e o equilíbrio.

Prevenindo a desnutrição com refeições variadas e fracionadas. Comer mais vezes por dia que as 4 refeições clássicas (pequeno almoço, almoço, lanche e jantar).

É importante que seja rica em proteínas (1,2 a 1,5 g por quilo de peso e por dia), incluindo proteínas de alta qualidade e rápida absorção. O aporte de proteínas pode ser conseguido com recurso a suplementos hiperproteicos, que não deverão substituir as refeições, devendo ser administrados entre elas. Por exemplo adicionados ao leite e a iogurtes, às sopas, aos purés. A dieta mediterrânica mostrou reduzir o risco de doenças cardíacas, de diabetes, de alguns tipos de cancro e de demência.

Também deverá ser um recurso de prevenção da fragilidade. Fruta, legumes, carne, peixe e ovos, azeite, grãos integrais (trigo, arroz e cevada integrais que fornecem vitaminas, minerais, como selénio, magnésio e zinco, e gordura vegetal), frutos do mar, quantidades moderadas de iogurte desnatado, queijo com baixo teor de gordura, aves, pequenas quantidades de carne vermelha e doces, vinho em quantidades moderadas (um ou dois copos) às refeições.

A suplementação adicional com um grama de cálcio e oitocentas unidades de vitamina D deve complementar à dieta de prevenção da fragilidade. A vitamina D é importante para manter os músculos e os ossos saudáveis, para reduzir o risco e a gravidade de quedas. O idoso com níveis baixos de vitamina D tem frequentes queixas de fadiga e de fraqueza.

É também muito importante corrigir a medicação, evitando a polimedicação, os medicamentos duplicados, inapropriados, sem eficácia comprovada, com efeitos antagónicos. Suspender os fármacos sedativos e outros que comprometem o equilíbrio. Estar atento às ações secundárias dos fármacos, causa possível da “cascata terapêutica”.

Procuram-se, por enquanto sem sucesso, marcadores bioquímicos e inflamatórios que precedam o fenótipo da fragilidade, para a identificação precoce da situação, permitindo intervenções preventiva e terapêutica atempadas. A deteção precoce é importante para que se possa iniciar o tratamento o mais precocemente possível. O diagnóstico tardio da fragilidade determina o insucesso das estratégias de intervenção!

A Avaliação Geriátrica Global é considerada fundamental no tratamento do idoso frágil, permitindo a avaliação holística com deteção de todas as situações em que o idoso frágil necessita de intervenção.

A terapêutica da fragilidade é múltipla e, tal como na prevenção, inclui fisioterapia intensiva, com exercícios aeróbicos e de resistência, estimulação do apetite, reforço hiperproteico da dieta, tratamento das morbilidades, da dor, da depressão.

O recurso a anabolizantes (testosterona, hormona do crescimento) está em discussão e investigação, não tendo sustentação científica suficiente para a sua utilização.

A síndrome de fragilidade é uma das síndromes geriátricas que contribuem para a justificação da Geriatria, para a necessidade da otimização da assistência aos idosos, como escreveu Ignatio Nacher em 1904 e muitos outros subscreveram depois.


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