KRKA

Tratar o doente fragilizado: «É preciso adaptar a prática clínica à nova realidade»

O médico de família Manuel Viana defende "a absoluta necessidade de adaptar a prática clínica à nova realidade do doente fragilizado, que não é necessariamente idoso". Mas a verdade é que “temos doentes a viver mais tempo, atingindo mesmo idades bastante avançadas, mas muito fragilizados”, alerta.

“É a idade biológica que conta e não a cronológica", sublinha, em declarações à Just News. Por muito que pareça óbvio, Manuel Viana faz questão em insistir nesse ponto. E é por isso que lembra o cineasta Manoel de Oliveira, natural do Porto como ele, “que aos 85 anos trabalhava em pleno na profissão que o celebrizou, que aos 90 era super-robusto e aos 100 se mantinha robusto e ainda com projetos, enquanto há indivíduos com 70 anos que já são frágeis”.

Manuel Viana dá formação no âmbito do Internato de Medicina Geral e Familiar e não se cansa de transmitir aos jovens médicos em início de carreira que “a síndrome de fragilidade é uma situação de vulnerabilidade e uma variável que condiciona o tratamento e o tipo de intervenções a realizar, incluindo os próprios exames auxiliares de diagnóstico”.


Manuel Viana: “A avaliação geriátrica integral também é feita no domicílio, porque é esse o contexto do doente frágil”

“A abordagem que devemos fazer a um doente depende de ele se encontrar fragilizado ou não. Se está robusto, a medicina deve ser interventiva, usando os meios auxiliares possíveis e as terapêuticas disponíveis, mesmo que na fase inicial a sua situação piore. Um doente frágil pode não aguentar, por exemplo, um tratamento de quimioterapia”, exemplifica o médico. A verdade é que “o crescente envelhecimento da população veio tornar mais sensível esta questão da fragilidade”.

Projeto sobre a síndrome de fragilidade na população idosa do Porto

Com uma pós-graduação em Geriatria e a competência nessa área atribuída pela Ordem dos Médicos, Manuel Viana coordena um projeto em fase de elaboração – ainda se aguarda, por exemplo, o indispensável financiamento -- que o deixa, admite, “entusiasmadíssimo”. O objetivo é fazer o levantamento da síndrome de fragilidade na população idosa do Porto.

Idealizado para uma intervenção a nível do ACES Porto Ocidental, o envolvimento da ARS Norte no projeto permitirá estendê-lo igualmente ao ACES Porto Oriental, numa parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

Manuel Viana, médico de família na USF S. João (Porto), diz ter “muitos doentes com mais de 85 anos, imensos acima dos 90 e alguns com mais de 100 anos”, chama a atenção para a necessidade de se considerar a criação de um novo grupo vulnerável, ou de risco, que contemple o doente frágil, na maior parte das vezes idoso, mas nem sempre.


"Em 1999, o Prof. Sousa Pinto quis juntar os médicos de família que eram assistentes na Faculdade num centro de saúde escolar, com um projeto inovador de fazer clínica, ensino e investigação, e é assim que surge o Centro de Saúde de São João", recorda Manuel Viana

“Este doente precisa de mais tempo de consulta, porque é preciso fazer uma avaliação integral, ou global -- pelo menos uma vez por ano, ou sempre que houver um evento na sua saúde --, com um plano de intervenção individualizado, que vai muito para além daquilo que os 15 ou 20 minutos de uma consulta normal permitem. E se é certo que, habitualmente, a fragilidade aumenta com a idade, um doente pode ter 59 anos e ser frágil”, sublinha.

O nosso entrevistado frisa que “não se pode continuar a sustentar a decisão clínica em guidelines estabelecidas com base em estudos em que os doentes mais frágeis e com comorbilidades são quase sempre excluídos”.

Apesar de tudo, sempre vai havendo notícias positivas nesta matéria. Manuel Viana integra a comissão de peritos que prepara a atualização da Norma de Orientação Clínica da DGS sobre a Abordagem Terapêutica da Hipertensão, indicado pela Competência de Geriatria da Ordem dos Médicos, sendo certo que “as novas guidelines nacionais já vão incluir algumas orientações sobre como tratar a HTA no doente idoso frágil”.



"Jornadas muito práticas, de casos clínicos"

No próximo mês realiza-se, na cidade do Porto, um evento dirigido à Medicina Geral e Familiar, "de características únicas", e no qual Manuel Viana está particularmente envolvido na sua organização, juntamente com Paulo Pessanha e Rui Costa.

O médico recorda que, na altura de desenhar o programa científico deste evento, os três co-presidentes das Jornadas Multidisciplinares de MGF promoveram uma reunião com os elementos da Comissão Científica – internos e colegas seus médicos de família – e questionaram-nos sobre os temas que deveriam ser abordados no evento.

Desta forma, foi concebida a estrutura das jornadas, “sempre nesta perspetiva de 4/5 slides, caso clínico, diagnóstico, critérios de referenciação, tratamento, slide final de conclusões e depois… perguntas".

"Que coloquem as dúvidas que entenderem, que é aquilo que muitas vezes não sucede quando vou assistir a um congresso. Falta isso porque não há tempo e, por vezes, sente-se um certo constrangimento…”, considera Manuel Viana.


Paulo Pessanha, Manuel Viana e Rui Costa

No seu entender, “as considerações teóricas estão agora muito mais acessíveis na internet, o que falta é a troca de experiências, e foi por isso que quisemos colocar diferentes gerações de colegas como palestrantes, desde internos do 1.º ano até aos seniores”.

Ao conversar com Manuel Viana percebe-se que a decisão de realizar um encontro com as características das Jornadas que vão ter lugar nos dias 7 e 8 de março, é o corolário lógico do percurso profissional que caracteriza os seus três principais responsáveis.

A ideia já fermentava na sua cabeça e na de Paulo Pessanha há muito tempo. Estiveram desde sempre ligados à Faculdade de Medicina do Porto, onde eram assistentes convidados.

No entanto, com os “anos da crise” chegaram também novos critérios que os impediram de manter essa situação e continuar, ao mesmo tempo, a exercer medicina na USF S. João, no centro do Porto, onde ambos trabalham. São agora assistentes voluntários da FMUP. “E essa ideia de realizar umas jornadas muito práticas, de casos clínicos, voltou a ganhar força”, justifica Manuel Viana.

Tradicionalmente muito ligados à área da formação, a associação a Rui Costa – coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias (GRESP) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) -- surgiu de forma natural, por ser “um amigo de longa data”, mas principalmente por aliar ao seu currículo em matéria formativa “uma grande experiência organizativa”.

O programa completo das Jornadas Multidisciplinares de MGF (atualizado a 26 de fevereiro) pode ser consultado aqui.


seg.
ter.
qua.
qui.
sex.
sáb.
dom.

Digite o termo que deseja pesquisar no campo abaixo:

Eventos do dia 24/12/2017:

Imprimir


Próximos eventos

Ver Agenda