«As complicações da hipertensão arterial na raça negra são bastante mais precoces e severas»
A hipertensão arterial na raça negra foi o tema da conferência proferida ontem de manhã pelo conhecido cardiologista Albertino Damasceno, que mais uma vez se deslocou desde a capital moçambicana, Maputo, para participar num Congresso da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH).
Admitindo que a temática até pode levantar a questão se “será ou não politicamente correto falar-se, a este respeito, em alguma especificidade da raça negra”, como referiu o conferencista, essa dúvida ficará desfeita quando se conclui o seguinte:
“É muito importante que nós, ao identificarmos um indivíduo negro com hipertensão, tenhamos algum cuidado na escolha da terapêutica adequada e até, eventualmente, segui-lo de uma forma mais apertada, uma vez que as complicações da doença na raça negra são muito mais precoces e muito mais severas.”
Embora admitindo que até parece haver maiores diferenças genéticas entre os habitantes do norte e do sul da Europa do que propriamente entre os naturais da África subsariana e os europeus, Albertino Damasceno alerta para a realidade da imigração, deixando o conselho: “O médico de família, que se encontra na primeira linha da prestação de cuidados, tem que estar a par das eventuais particularidades destes doentes para poder diagnosticar e tratar corretamente a sua hipertensão.”
Reconhecendo que só nos últimos anos se começou a realizar algum trabalho científico de relevo nesta área, o cardiologista destaca, por exemplo, um artigo publicado na The New England Journal of Medicine, que “identifica a terapêutica ideal para a HTA na raça negra”.
Albertino Damasceno
Vale a pena recordar, a este propósito, o trabalho distinguido com uma menção honrosa no âmbito do Prémio Bial de Medicina Clínica 2022 e que resultou da pesquisa, efetuada ao longo de 25 anos, em torno da HTA na população moçambicana. Coordenado por Albertino Damasceno, estiveram envolvidos no projeto Jorge Polónia e Nuno Lunet, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), e também António Prista, Carla Silva Matos e Neusa Jessen, de diferentes instituições de Moçambique.
Albertino Damasceno estudou Medicina em Maputo, terminando o curso em 1975. Parte da sua formação em Cardiologia seria feita no InCor - Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Fez o doutoramento na FMUL, tendo Jorge Polónia sido o seu tutor.
Continua a viver no país onde nasceu há 72 anos, sendo professor catedrático de Medicina na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Vem regularmente a Portugal, justificando a sua especial ligação ao Porto pelo facto de toda a sua família, “que era bastante grande”, ter “migrado” para aquela região de Portugal aquando do processo que conduziu à independência de Moçambique.
Albertino Damasceno tinha então 22 anos e explica que “não podia ter tomado outra decisão” a não ser ficar naquele novo país africano.