Saúde do idoso: «A fragilidade é um estado que podemos reverter»

"É preciso dar aos mais seniores respostas mais personalizadas e individualizadas, para que se consiga reverter alguma da fragilidade já instalada”, afirma Sofia Duque, coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (NEGERMI), que está a organizar a sua reunião anual ao longo festa quinta e sexta-feira.

Em declarações à Just News, a médica salienta que, “mais interessante do que usar a fragilidade como fator limitante – ao considerar que o doente não beneficiará de tratamentos mais invasivos e exigentes e que estes podem até vir a prejudicar a sua qualidade de vida – será ‘usá-la’ no sentido de a reverter e proporcionar mais qualidade de vida".

No fundo, “a fragilidade não é um corolário definitivo, mas um estado que podemos reverter, e isso é o mais desafiante, mas também o mais interessante para as equipas”.

Na sua opinião, “o modelo de avaliação geriátrica global é uma mais-valia, ao permitir melhorar a capacidade funcional e cognitiva das pessoas, com intervenções multifatoriais, que podem contemplar fármacos, atividade física, nutrição, socialização ou estimulação cognitiva”.


Sofia Duque

"Benefícios associados à avaliação geriátrica”

Com base na sua experiência profissional, Sofia Duque alerta para a existência de “muitos mitos enraizados em torno dos hábitos alimentares dos mais velhos, levando-os a cingir o seu jantar a uma sopa ou a torradas, por considerarem que, pelo seu maior nível de sedentarismo e por já não estarem a crescer, não necessitam de maior aporte calórico e proteico”.

Nesse sentido, destaca como é importante as equipas médica e de enfermagem “desmistificarem este tipo de ideias”.

Reconhecendo haver uma progressiva maior abordagem sobre a Geriatria, Sofia Duque, coordenadora do NEGERMI desde 2021, fala numa mudança de paradigma.

“Há 20 anos, a população resignava-se com o envelhecimento, sem grandes expectativas para os anos de vida que ainda tinha pela frente e aceitando o que recebia. Atualmente, a população mostra-se cada vez mais exigente”, destaca.

E complementa: “Os baby boomers – geração nascida entre 1946 e 1964 – querem, de facto, viver mais, com qualidade de vida. Têm, por isso, recorrido a consultas mais especializadas, e a tendência será que essa procura seja cada vez maior.”

A especialista de Medicina Interna, com competência em Geriatria pela Ordem dos Médicos, justifica que, para tal mudança, tem contribuído “o esforço que a comunidade científica tem feito no esclarecimento da população, no sentido não só de alertar para a existência desta área médica como para identificar os benefícios associados à avaliação geriátrica”.

Também “o reconhecimento da competência pela OM e o trabalho da Comunicação Social tem feito amplificar a voz da Geriatria”.

“Dificuldade de oferecer um estágio clínico"

Paralelamente, acredita que “os jovens médicos especialistas estão mais sensibilizados e interessados pela Geriatria e menos presos a preconceitos, até porque alguns deles contactaram com ela durante a sua formação pré-graduada”.

Contudo, alerta para a “dificuldade de oferecer um estágio clínico a todos os alunos de Medicina, por não existirem modelos clínicos de Geriatria de forma disseminada”.


"Todos os hospitais públicos e privados deveriam ter uma consulta deste tipo”

Sofia Duque fala de alguns obstáculos relacionados com a “falta de reconhecimento da necessidade de haver uma diferenciação e, eventualmente, até uma autonomização desta área médica”. Mas acredita que, “estando a sociedade a envelhecer, naturalmente, vai sendo necessário haver este tipo de respostas”. E lembra que “o envelhecimento é, muitas vezes, descrito como um problema quando representa uma conquista da espécie humana”.

A implementação de estratégias preventivas desde a infância No entender da nossa entrevistada, que coordena a Consulta Multidisciplinar de Geriatria do Hospital CUF Descobertas desde outubro de 2021, “para abordarmos o envelhecimento, temos de implementar estratégias preventivas desde a infância”.

Nesse sentido, realça que, “enquanto os geriatras acompanham esta população já numa fase de grande fragilidade, em que as doenças estão instaladas, os médicos de família estarão provavelmente melhor posicionados para identificar aspetos preventivos ao longo da vida. Isto porque têm a capacidade de seguir as pessoas desde o nascimento, enquadrando o processo de envelhecimento num âmbito familiar”.

Na verdade, “a prevenção não deve acontecer aos 60 ou aos 80 anos, mas a partir da infância, por isso, há muito por fazer”, afirma.

Sofia Duque avança que, no panorama nacional, “duas mãos chegarão para contabilizar o número de consultas de Geriatria, o que é claramente reduzido”. Defendendo que “todos os hospitais públicos e privados deveriam ter uma consulta deste tipo”, acredita ainda que, nos Cuidados de Saúde Primários, seria muito importante haver a valência de Saúde do Idoso, até porque “esse grupo é o principal frequentador desse nível de cuidados”.

A luta pela Geriatria desde o internato

Sofia Duque soma 43 anos de vida e desde o seu internato que se dedica aos mais velhos. Licenciou-se em Medicina pela FMUL, onde, atualmente, é assistente convidada da cadeira de “Introdução às Doenças do Envelhecimento”.

Desde 2014 que tem a competência em Geriatria, tendo estado envolvida na criação de diretrizes nacionais para esta área. Após passar pelo Hospital Beatriz Ângelo, criou, em parceria com a Ortopedia, a Unidade de Ortogeriatria do Hospital de São Francisco Xavier, tendo aceitado posteriormente o convite para coordenar a Consulta Multidisciplinar de Geriatria do Hospital CUF Descobertas.

Em outubro de 2021, assumiu a coordenação do NEGERMI da SPMI para o biénio 2021-2023, encontrando-se a cumprir um segundo mandato. Este era um Núcleo que já conhecia bem, pois, desde o primeiro ano de internato que o integrava.

Acumula a Direção de Comunicação da European Geriatric Medicine Society e é membro da European Academy for Medicine of Ageing desde 2012.

Em 2015, foi galardoada com um prémio nacional pelo trabalho desenvolvimento em cuidados a idosos, atribuído pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Os seus principais focos de investigação têm sido a avaliação geriátrica, o delirium, os problemas nutricionais em Geriatria e os fatores preditores de prognóstico na população idosa.

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