Cancro da mama: apoio psicológico para saber como falar com os filhos

A Fundação Champalimaud acolhe esta semana uma sessão de esclarecimento intitulada "Tenho cancro. Como falo com os meus filhos?". A iniciativa é promovida pela associação Mama Help e o desenvolvimento do tema estará a cargo de Luzia Travado, responsável pela unidade de Psico-Oncologia do Centro Clínico Champalimaud e atual presidente da Sociedade Internacional de Psico-Oncologia (International Psycho-Oncology Society - IPOS). A entrada é livre e aberta a todos os interessados.

"Idades diferentes, mensagens diferentes"

Em entrevista à Just News, e a propósito do tema que estará em discussão dia 16 de novembro, a especialista começa por explicar que não é imprescindível para os profissionais conhecerem as crianças para melhor encaminhar os pais no processo de comunicação e que "a faixa etária é o mais relevante e alguma descrição das crianças pelos pais".

Refere a especialista que "as crianças estão em fases de desenvolvimento cognitivo diferentes, consoante a faixa etaria, e por isso a comunicação deve ser adequada aquilo que a criança é capaz de entender." Assim, ajudar os pais nesse processo "pode ser muito importante para ajudar a reduzir a tensão e haver uma boa comunicação".



Responder à "pergunta mais difícil de todas"

Questionada sobre as reações das crianças à notícia da mãe ter cancro da mama podem ser muito diversificadas, a psicóloga clínica afirma que "as crianças sobretudo precisam de perceber que existe um problema de saude com a mãe, mas que vai ser tratada; e por isso ela às vezes vai estar diferente: mais cansada, às vezes triste, outras vezes com indisposições ou dores, etc".

Adianta também que as crianças pequenas têm "um conhecimento reduzido das doenças, e o que lhes importa é se a mãe vai ficar boa ou não, e se a resposta for sim, não ficam preocupados porque acreditam naquilo que os pais lhes dizem. São muito instrumentais e concretas."

Quanto aos adolescentes, Luzia Travado refere que "compreendem melhor, conhecem casos de outras pessoas e já ouviram falar nas noticias e portanto podem fazer perguntas mais dificeis, e podem ficar um pouco mais preocupados". Nesse sentido, "podem perguntar se é cancro, e, se o fizerem, convém explicar que é um um cancro especial, que tem tratamentos muito eficazes".

A especialista em Psico-Oncologia sabe que "a pergunta mais dificil de todas é ‘E vais morrer?’" e esclarece como deve ser abordada:

"Esta pergunta, mais frequentemente feita por crianças no periodo concreto antes da adolescencia, merece uma resposta concreta, nomeadamente que a mãe vai fazer varios tratamentos para que fique curada. Já na doença avançada a questão é mais complexa. Mas os pais não podem ser pessimistas, têm de ser mais optimistas que pessimistas, mas ser verdadeiros, e partilhar preocupações, sobretudo com os adolescentes, isso fomenta uma maior proximidade e respeito entre todos." 



Quando a reação... não existe?

Relativamente às situações em que as crianças não parecem ficar muito perturbadas com a notícia da doença da mãe, Luzia Travado, esclarece que tal "pode ser perfeitamente normal". referindo que, "de um modo geral, as crianças não ficam perturbadas quando os pais lhes explicam numa linguagem simples, segura e reduzida o que se está a passar, minimizando a situação".

Na sua opinião, as crianças "ficam mais perturbadas se percebem que algo se passa de errado e os pais não lhes dizem nada. As crianças são egocêntricas, por isso, se o mundo delas estiver bem e preservado está tudo bem, se está ameaçado sentem-se inseguras, e aí reagem."

"Prevenir sofrimento excessivo e morbilidade psicológica"


"Tenho cancro. Como falo com os meus filhos?" é a questão que dá o mote para a próxima sessão de esclarecimento da Mama Help. Mas quando a mãe não está a ser acompanhada psicologicamente, será complicado colocar esta questão a um psicólogo?  De acordo com Luzia Travado, e no caso do Centro Clínico Champalimaud , "mesmo que a mãe não tenha acompanhamento psicológico, pode sempre dirigir-se ao psicólogo da Unidade da Mama para colocar essa questão", salientando: "Tenho vários casais que vêm à minha consulta só para colocar essa questão".

Adianta também que, "de um modo geral, as pessoas tendem a pedir ajuda quando percebem que já não estão a conseguir lidar bem com a situação."

No entanto, acrescenta, "mercê da maior atenção e despiste do sofrimento psicológico por parte da equipa clínica (médicos e enfermeiros), devido à influencia nefasta que tem no bem-estar e decurso do tratamento, bem como para os resultados clínicos das pacientes, já vamos tendo uma maior referenciação dos doentes, abrangendo não só os que estão em grande sofrimento, mas também os aqueles com sofrimento médio ou clinicamente significativo". Este despiste é considerado por Luzia Travado como "fundamental se queremos não só reduzir, mas também prevenir sofrimento excessivo e morbilidade psicológica".

O "papel preponderante" do pai

Com um sofrimento tão intenso, há ainda capacidade para os pacientes pensarem em como comunicar com os filhos? A especialista não hesita na resposta: "Sim. Aqui os maridos jogam um papel essencial. Aliás, eles são fundamentais para a melhor adaptação das nossas doentes, em termos de uma atitude apoiante, quer em termos afectivos quer em termos de resolução prática de problemas."

Afirma ainda que, nos casos em que a mãe não consegue explicar aos filhos, "o pai (ou, na sua ausência, alguém que tenha esse papel mais preponderante e apoiante da mãe e dos filhos) pode, com a concordância da mãe, ter esse papel".

Evitar "uma cultura familar de silêncio face ao sofrimento"

Após o período mais crítico de tratamentos que a mãe atravessa, Luzia Travado esclarece que "poderá haver tendência para normalizar, ou seja, para todos voltarem às suas rotinas normais, o que é bom". 


Contudo, e até porque o impacto psicológico se pode prolongar no tempo, se a mãe estiver mais nervosa, por exemplo, "antes de uma consulta de follow-up, é importante as crianças perceberem que é isso que está a interferir com o humor da mãe e não qualquer coisa de errado que elas fizeram. As crianças pequenas são muito auto-referrentes, e por isso é importante saberem que ‘a culpa’ não é delas."

Segundo a psicóloga, "a comunicação aberta e autenticidade numa familia é muito importante, para a confiança e cumplicidade entre todos. Os pais estão sempre a modelar os filhos, quer queiram quer não." Assim, se ocultam a verdade aos filhos "pensando, erradamente, que os protegem melhor, mais tarde os filhos vão fazer o mesmo com eles, vão evitar preocupá-los com os assuntos deles próprios, o que gera uma cultura familar de silêncio e evitamento face ao sofrimento, o que não é a melhor solução."

Luzia Travado desenvolve um pouco mais esta ideia: "Quando se partilha com as pessoas que nos são importantes, estamos a assumir essa importância que elas têm para nós e a valorizar a mesma, e também a dar oportunidade aos outros de terem um papel nessa situação, nomeadamente em ajudar e colaborar. E as crianças gostam de o fazer, pois que ter tarefas  de ajuda à mãe, ajuda-os a reduzir o seu sofrimento, pois sabem o que fazer. Quando o sofrimento não é partilhado cada um sofre isoladamente e isso pode levar a uma certa alienação." 



Impacto do sofrimento psicológico severo nos resultados clínicos

A responsável pela área de Psico-Oncologia do Centro Clínico Champalimaud alerta para o facto de que se os pacientes tiverem sofrimento psicológico severo, tal tem impacto nos seus resultados clínicos, sendo esta "uma evidência científica". Por esse motivo, "o sofrimento psicologico foi recomendado a nivel internacional que seja avaliado regularmente como 6º sinal vital em doentes oncologicos e que os cuidados psico-oncologicos sejam integrados no tratamento oncologico dos doentes". 


Esta é uma realidade que Luzia Travado gostaria que "acontecesse em Portugal e que todos os doentes tivessem acesso a estes cuidados especializados, como o têm na Fundação".

No entanto, "sem um plano oncológico nacional, com orçamento para dotar esta area dos cuidados psico-oncologicos dos devidos recursos no Serviço Nacional de Saúde, tal como foi proposto pelo ‘Guia Europeu para a qualidade dos planos oncologicos nacionais’ lançado o ano passado com o apoio da Comissão Europeia, esta situação fica à mercê do possivel e não daquilo que actualmente é preconizado pelas recomendações internacionais para a qualidade do tratamento destes doentes, e para a optimização dos resultados clinicos dos doentes". E fica a promessa: "A explicação fica para uma outra sessão".

Ajudar a esclarecer o maior número de pessoas

A sessão de esclarecimento que se realiza dia 16 de novembro é mais uma das várias iniciativas promovidas pela associação Mama Help ao longo do ano e que, novamente, incide sobre temas não muito habituais. 



Maria João Cardoso, cirurgiã da Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud e presidente da Direção da Mama Help, explica à Just News que os temas das sessões são escolhidos de várias formas: "Através de sugestões dos doentes, através de sugestões dos profissionais, como resposta a novidades na área do cancro da mama", adiantando que "estão já previstas várias sessões, a alternar entre Lisboa e Porto".


Os participantes destas sessões são, "na sua maioria, doentes da Fundação, mas cada vez mais temos doentes e familiares tratados noutras instituições, sendo que esse é o objectivo do Mama Help: Conseguir informar o maior número possível de pessoas, pacientes, familiares e amigos".


Maria João Cardoso numa sessão intitulada "Follow-up cancro da mama" e onde foi abordada a importância de avaliar a recuperação física e psicológica.

Sexualidade: tema ainda "difícil de abordar nas consultas médicas"

No mesmo dia em que em Lisboa se discute o tema "Tenho cancro. Como falo com os meus filhos?", o Mama Help promove, no Porto, uma sessão de esclarecimento intitulada: "SEXUALIDADE E CANCRO DA MAMA - O que muda? e como podemos ajudar?", apresentada por Rosa Gonçalves, psiquiatra.

Questionada sobre se a sexualidade é um tema que, no âmbito do cancro da mama, se tem falado menos do que o desejável, Maria João Cardoso afirma: "Sim, é verdade! É um tema delicado e difícil de abordar nas consultas médicas. No entanto é um tópico muito importante, pois a sexualidade e a forma como se vive esse aspecto da vida é alterada pela doença e pelos tratamentos."

A presidente do Mama Help adianta que "o tema é tão importante, que o vamos repetir já no início de 2017, em Lisboa. Para abordar o tema em Lisboa, convidamos a Marta Crawford para que, com a sua experiência como sexóloga, possa ajudar a abordar o problema".

"Dar poder às doentes através do conhecimento"

Já na reta final de 2016, Maria João Cardoso não tem dúvidas de que o balanço das sessões Mama Help é "excelente" e refere que, "entre o Porto e Lisboa, ao longo do ano, tivemos a assistir às nossas sessões ao todo cerca de 1000 pessoas (doentes, familiares e amigos). Isto significa que cada vez mais passamos informação que ajuda a melhor compreender e ultrapassar a doença."



A última sessão, em dezembro, intitulada “Comer saudavelmente”, terá a participação de especialistas em Biologia e Naturopatia, na linha do que tem acontecido em várias outras das reuniões, onde  participam profissionais de variadas áreas. Segundo a cirurgiã, a medicina integrativa" é um dos elementos que melhor define o Mama Help, "congregando o melhor da terapia convencional com o melhor das terapias complementares".

"O outro elemento de que nos orgulhamos e que está refletido no número de pessoas que assistem às nossas sessões é o ´Patient Empowerment` através da informação", esclarece Maria João Cardoso. E termina sublinhando: "Dar poder às doentes através do conhecimento é um elemento fundamental para melhor ultrapassar o cancro da mama".




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