CHOeste investe na telerreabilitação. Fisioterapeutas recorrem à gamificação para tratar doentes
O Serviço de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) do Centro Hospitalar do Oeste (CHOeste) arrancou, o ano passado, com a implementação de um projeto-piloto de reabilitação à distância para casos de escoliose e de patologia do ombro, as primeiras situações abrangidas por esta iniciativa. Meio ano depois, os resultados são muito animadores e ganham uma nova dimensão com o agravamento da pandemia.
"Aceitação dos utentes, dos mais novos aos mais velhos"
É certo que a ideia de avançar com este projeto surgiu antes da pandemia, mas a covid-19 acabou por reforçar a necessidade de se apostar na telerreabilitação. Numa parceria entre o Centro Hospitalar do Oeste e a Clynx, uma start-up do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, um grupo de doentes passou a fazer os seus tratamentos a partir de casa.
“Temos conseguido resultados muito satisfatórios, quer pela aceitação dos utentes, dos mais novos aos mais velhos, como pelo feedback dos fisioterapeutas que se dedicaram à telerreabilitação”, garante Susana Caetano, diretora do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do CHOeste, que está baseado na Unidade das Caldas da Rainha e tem polos em Peniche e Torres Vedras.
Susana Caetano
Para concretizar o projeto, desde o início muito acarinhado pelo Conselho de Administração deste CH, foram criados jogos que levam os doentes com patologia não cirúrgica do ombro a fazer movimentos que vão impedir o agravar da dor ou a rigidez da articulação. Pode ser o simples gesto de colocar as compras no carrinho de supermercado ou cortar, com uma espada, blocos que vão surgindo enquanto a personagem caminha pela floresta.
"Conseguir que o doente faça determinados movimentos"
“O que se pretende é conseguir que o doente faça determinados movimentos, consoante a sua condição de saúde. Em qualquer jogo podemos fazer adaptações, para evitar, por exemplo, a agudização da dor”, explica Leonor Adrião, 55 anos, fisioterapeuta e responsável pela equipa de telerreabilitação.
Leonor Adrião
Para a implementar foi preciso, desde logo, preparar um computador com placa gráfica e uma câmara com sensores de movimento, sendo todos os dados – tal como os relacionados com amplitude e força, entre outros -- registados no Portal do Fisioterapeuta. “Torna-se depois mais fácil fazer uma análise da evolução do doente”, explica a fisioterapeuta.
O próprio utente também tem à sua disposição um portal onde pode acompanhar a evolução do seu estado de saúde, “uma forma de se corresponsabilizar e de se sentir mais envolvido no processo de reabilitação”.
Manter a relação terapeuta-doente à distância
Com Leonor Adrião está a fisioterapeuta Paula Gabriel, 54 anos, que dá apoio nas classes de escoliose. Neste caso, não há jogos, mas são disponibilizados exercícios para fazer em casa e uma vez por semana os doentes têm uma sessão em streaming com a terapeuta, para se saber como estão a progredir e que dificuldades podem estar a sentir.
Também ela se sente entusiasmada com esta novidade que, em tempos de covid-19, veio permitir aos jovens manter o tratamento, quer no verão -- quando as classes presenciais são suspensas – como nos períodos de aulas. “Mais facilmente se consegue gerir o horário, para que não faltem à escola, como teria de acontecer se tivessem que se deslocar ao hospital”, sublinha Paula Gabriel.
Paula Gabriel e Paulo Clemente
Uma das preocupações que sempre nortearam a equipa foi a qualidade da relação terapeuta-doente. Paulo Clemente, 30 anos, é um dos fisioterapeutas responsáveis pelos tratamentos do ombro e admite que foi necessário delinear algumas estratégias:
“A relação terapêutica tem, só por si, um valor acrescentado na evolução do estado de saúde e tivemos que, inevitavelmente, criar uma forma de as pessoas se sentirem próximas de nós.”
Expandir o projeto, mas sempre de forma complementar
Sem a implementação do projeto não teria sido fácil levar a telerreabilitação ao CHOeste, até porque, como sublinha Leonor Adrião, “não tínhamos computadores com capacidade para neles serem instalados jogos, por não terem placa gráfica, colunas, etc.”.
“Os mais beneficiados são os doentes, quer por serem de risco e terem indicações para estar mais confinados, quer por serem jovens e crianças, que conseguem assim conjugar melhor os horários da escola e dos tratamentos”, afirmam, acrescentando: “Nesta região, também temos pessoas que vivem muito longe do hospital e que podem beneficiar com esta solução.”
Apesar das mais-valias da telerreabilitação, quer os fisioterapeutas como a diretora do Serviço de MFR do CHOeste lembram que o futuro nunca se vai cingir apenas ao mundo digital. “A telerreabilitação tem vantagens em determinados casos clínicos e situações de vida – quem vive a vários quilómetros de distância, com poucos transportes… --, mas será sempre complementar, porque somos uma especialidade de contacto”, lembra Susana Caetano, adiantando:
“O toque, a relação que se estabelece entre médico-doente ou terapeuta-doente é, por si só, terapêutica. Em MFR, a pessoa está debilitada e o tratamento não se limita a tomar uns comprimidos em casa. Ela precisa de vir ao hospital, de falar, de sentir afeto.”
Espera-se que, dentro em breve, se possa avançar com a telerreabilitação nos polos de Peniche e de Torres Vedras do Serviço de MFR.
O projeto-piloto de reabilitação é mais uma ferramenta no acompanhamento à distância do utente
“É uma forma, também, de corresponsabilizar as pessoas”
“O eclodir da pandemia acabou por acelerar a implementação do projeto-piloto de telerreabilitação, mas o objetivo é, com certeza, manter esta ferramenta no pós-covid”, garante Elsa Baião.
A presidente do Conselho de Administração do CHOeste esclarece que a ideia de implementar esta solução no Serviço de Medicina Física e de Reabilitação surgiu quando viu uma entrevista a um grupo de jovens empreendedores do Instituto Superior Técnico que estavam a apostar na telerreabilitação em clínicas, na sequência da criação da start-up Clynx.
Elsa Baião
Feitos os contactos, foi então estabelecida uma parceria, sem contrapartidas económicas, para que se viesse a concretizar o projeto na Unidade das Caldas da Rainha. “É, de facto, uma mais-valia porque, para além de se diminuir o risco de contágio neste período de pandemia, podemos aumentar a nossa capacidade de resposta, otimizando o acesso de muitos doentes aos tratamentos”, considera Elsa Baião.
No seu entender, “é uma forma, também, de corresponsabilizar as pessoas, no intuito de as envolver no seu processo de reabilitação”. Para já, avançou-se apenas com as situações de escoliose e de patologia do ombro, mas o objetivo é ir mais longe. Contudo, “não se pode, obviamente, limitar a MFR à prestação de cuidados à distância, porque o contacto físico é essencial”.
“É muito gratificante perceber que podemos ajudar”
Joana Pinto, engenheira biomédica, é cofundadora e CEO da Clynx e explica à Just News que, “perante a desmotivação de muitos doentes em continuarem o tratamento e a falta de tecnologia em comparação com outras áreas da Saúde, considerámos que poderíamos ajudar, através do conceito de gamificação”.
Joana Pinto e Gonçalo Chambel
Juntamente com outros colegas do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, começou assim a desenhar a ideia, contando, para isso, com o apoio de outros colaboradores, como Gonçalo Chambel, a terminar o último ano do curso. É ele que estabelece o contacto com os profissionais de saúde para conseguir fazer a programação.
“Este diálogo é crucial, para se ter uma noção das suas necessidades. O objetivo é precisamente facilitar o acesso à reabilitação, evitando-se a eventual desmotivação de muitos doentes”, refere Joana Pinto.
A reportagem completa poderá ser lida no Hospital Público.
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