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Criação de unidades de saúde multissetoriais no ACES Almada-Seixal visa «intervenção concertada»

No Agrupamento dos Centros de Saúde (ACES) Almada-Seixal existem, "à semelhança do que sucede noutros locais, três áreas de intervenção prioritária na população e que se prendem com a promoção da saúde mental, a prevenção da obesidade infantil e intervenção dirigida às populações migrantes", afirma Alexandre Tomás, que assumiu a direção executiva deste ACES em junho do ano passado.  

Na sua opinião, "embora deem o seu contributo, não é com os modelos de unidades de saúde familiar (USF) e de unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP) que conseguimos encontrar respostas para essas três questões, obrigando a inter-relacionar inovação organizacional com formação e investigação e ainda a procurar uma melhor relação entre as várias unidades funcionais.”

Esta procura na implementação de novas soluções tem norteado Alexandre Tomás, e a equipa que lidera, desde o início do seu mandato. Ao invés de ser um obstáculo, a pandemia por covid-19 veio mesmo reforçar esta vontade de ir ao encontro da comunidade, procurando potenciar aquilo que o responsável considera ser o "ponto forte" deste ACES, como resultado do bom trabalho desenvolvido nos últimos anos. 

Alexandre Tomás refere-se à "relação extraordinária que existe com os vários parceiros", nomeadamente, a Segurança Social, a Proteção Civil, as escolas, as instituições da comunidade, as forças de segurança e, claro, os dois municípios, com o particular envolvimento da Saúde Pública, “que se evidenciou neste contexto de pandemia”. 



E conclui: “É um bom exemplo de ação intersetorial, em que temos diferentes atores com perspetivas próprias sobre o mesmo problema, assumindo decisões confortáveis para todas as organizações, para bem da população, à qual todos prestamos um serviço público.”

População essa que tem um perfil muito urbano no concelho de Almada e mais rural no concelho do Seixal, bastante envelhecida no centro das duas cidades, mas com muita gente jovem, ativa, que trabalha em Lisboa, mas reside nos arredores da capital. Há ainda uma outra característica dos habitantes desta região que merece destaque:

“Temos uma população migrante muito substantiva, que exige uma capacidade de olhar específico, singular. As pessoas têm características diferentes, não só em relação ao seu perfil epidemiológico, mas também quanto à regularidade de acesso aos cuidados de saúde, que usam de forma atípica."

Desta forma, considera que tem de haver "uma enorme capacidade de organização das nossas equipas que permita uma resposta à tipologia de procura que se verifica", dando um exemplo: "Acompanhar a população feminina grávida obriga a uma intervenção na comunidade e em proximidade, recorrendo à colaboração de líderes comunitários.”


Alexandre Tomás com a presidente do CCS, Anabela Ribeiro

"A Saúde Pública tem sido um elemento estruturante"

Nesta visão estratégica de Alexandre Tomás para o ACES Almada-Seixal, "a Saúde Pública tem um valor superlativo naquilo que é a identificação das prioridades da nossa comunidade e também no que devem ser as principais atividades e estratégias para responder a essas necessidades da população", afirma Alexandre Tomás, desenvolvendo a ideia: 

"Não a vejo como uma mera unidade funcional, nem me consigo imaginar a desempenhar o meu papel sem ter uma ligação absolutamente umbilical com a USP e com a sua coordenadora."

E, especificamente quanto à pandemia, "a Saúde Pública tem sido, de facto, um elemento estruturante”, frisa, lembrando que, quando a covid-19 surge, “as USP do país estavam praticamente todas subdimensionadas, com poucos profissionais”. O diretor do ACES Almada-Seixal tratou, aliás, de reforçar a sua, admitindo que, “na fase inicial, foi complexo responder a todas as solicitações, mas hoje, felizmente, temos a nossa USP em ‘velocidade de cruzeiro’.

Unidades de saúde multissetoriais

Alexandre Tomás afirma ser “indiscutível que nos últimos 20 anos melhorámos muito a resposta em cuidados de saúde primários”, reconhece que “a acessibilidade é genericamente muito superior” e que isso aconteceu na sequência da reorganização dos CSP, sobretudo com a criação e desenvolvimento das USF, mas também tem a certeza de que “esse modelo de reorganização chegou a um limite de crescimento”.


E justifica a sua afirmação com o exemplo do que se passa no ACES Almada-Seixal, onde ainda existem 4 UCSP, ou seja, “em números redondos, temos cerca de 35 mil utentes sem equipa de família atribuída; ora, estarmos a pensar que no curto prazo vamos ter 4 ou 5 novas USF é um mito”. O raciocínio é simples:

“Temos uma geração de médicos com mais de 64 anos, muito robusta, quer em termos das suas competências, quer do vasto trabalho que desenvolveram de valorização e reconhecimento dos CSP. Esta geração, num horizonte de 4 ou 5 anos estará em condições de se aposentar. E há aqui uma lógica de renovação geracional que vai acontecer, com os novos profissionais, tendencialmente, a integrar as unidades já existentes.”

“É preciso encontrar outras formas de organizar as nossas equipas que correspondam às capacidades dos profissionais mas também às necessidades da comunidade. Gostaria muito que, a prazo, o nosso Agrupamento fosse reconhecido como um ACES promotor da inovação organizacional e que pudéssemos ensaiar várias formas de responder à população. Tenho dito isso aos profissionais e apoiarei os projetos que nos apresentem nessa dinâmica de inovação”, garante Alexandre Tomás.

Na sua opinião, para que tal aconteça, será preciso “sair da caixa”, ou seja, “é necessário usarmos todos os recursos existentes na comunidade em prol da própria comunidade”.


Alexandre Tomás com Lina Hernández, coordenadora da Unidade de Saúde Pública 

"Soluções ajustadas à singularidade das comunidades"


Isso quer dizer que a solução passará, por exemplo, pela “criação de unidades de saúde multissetoriais, com profissionais de saúde e também de outros setores”. “Alguém poderá concordar que consigamos entrar e interagir numa comunidade específica, com particularidades próprias, permitindo a intervenção de um setor de cada vez? Hoje a Segurança Social, amanhã a Educação, depois a Saúde… Faz sentido, sim, que haja uma intervenção concertada, que garanta melhores condições de vida àquelas pessoas”, considera Alexandre Tomás, prosseguindo:

“Isto não é estigmatizar, não é segregar, é pensarmos soluções ajustadas à singularidade das comunidades. Normalmente, o sistema pensa no igual para todos, no cidadão padrão, e isso não existe. Claro que não conseguimos hiper-personalizar, constituir uma equipa para cada agregado familiar, mas temos que passar de uma ‘malha larga’, USF ou UCSP, para unidades de intervenção local e multissetoriais.”

Ainda no campo da inovação organizacional, o diretor executivo do ACES Almada-Seixal equaciona a lógica do médico + enfermeiro + secretário clínico, segundo o modelo atual aplicado ao funcionamento das unidades (USF e UCSP). A pergunta surge logo de seguida: 


“E o nutricionista, o psicólogo, o técnico de serviço social, o higienista oral, o terapeuta da fala? Porque as famílias também precisam desses recursos. Nós, felizmente, temo-los, na nossa URAP, mas, em bom rigor, não integram as equipas de saúde familiar. Não deveria haver uma intersecção muito maior entre estes profissionais e as USF e UCSP? Eu entendo que sim, mas também devíamos ter mais desses recursos e não temos!”


A inovação organizacional também deverá contemplar, segundo Alexandre Tomás, aspetos aparentemente menos importantes. Como este: “Quando estamos a querer que os ACES tenham uma capacidade de intervenção e mais autonomia, necessitamos de ter condições internas para reter os bons profissionais ‘não clínicos’."

Contudo, sublinha o responsável, "nós não temos, por exemplo, qualquer forma de valorizar um colaborador de uma UAG e impedir que, sendo um técnico qualificado, aceite o convite para assumir funções de administrador hospitalar, ou venha a integrar uma USF de modelo B, até porque, em ambas as situações, vai ter um interessante atrativo remuneratório.”


Alexandre Tomás

O valor superlativo do arquipélago...

Se a promoção da inovação organizacional é algo em que Alexandre Tomás quer investir no seu próprio ACES, a aposta na formação e na investigação aparece logo a seguir na lista de prioridades, até porque a primeira tem que estar também associada à segunda. Isto para permitir, nomeadamente, obter informação e ter dados concretos sobre os resultados conseguidos com a intervenção em determinada comunidade. E adianta:

“Já desenvolvemos contactos com a Academia, para que possam também olhar para nós como um ACES interessado em fazer esse trabalho. Mais uma vez, na perspetiva de procurarmos soluções, que elas tenham evidência nos resultados e que possamos dizer aos outros: ‘Estamos a fazer assim, se fizer sentido replicar, repliquem!’”

A terceira prioridade identificada por Alexandre Tomás é aquilo que classifica como sendo “um desafio para dentro do ACES”. No seu entender, as unidades que integram um agrupamento não podem pensar e agir como se fossem ilhas no meio de um oceano.

E a mensagem já foi transmitida a todos os coordenadores, tal e qual desta forma: “Temos que fazer um esforço para que, admitindo que possam pensar que são ilhas, pelo menos, tenham a noção de que são ilhas de um arquipélago. E que esse arquipélago tem um valor superlativo a cada uma das ilhas.”


Elementos do ACES Almada-Seixal: (atrás) Joaquim Figueira (responsável da UAG), Susana Santos (enf.ª, vogal), Alexandre Tomás (diretor executivo), Anabela Ribeiro (presid. CCS) e Isabel Alves (médica MGF, vogal); (à frente) Carla Soeiro (resp. Gabinete Cidadão), Mónica Bernardo (farmacêut., assessora CCS), Lina Hernández (coord. USP) e Renata Benavente (psicól., vogal); (ausente) Nazaré Ribeiro (médica SP, vogal)

“Temos que ter, dentro do nosso ACES, muito mais capacidade de ação articulada, de interação entre as várias unidades funcionais – USF, UCSP, UCC, URAP, USP... – e de responder de forma concertada às necessidades da população. A ilha tem que ter noção de que está dentro de um arquipélago, portanto, a outra ilha ali ao lado pode ser um bom recurso, mas também pode precisar de apoio. E nós temos que ter essa capacidade de interação, que nalguns casos é muito difícil de conseguir”, admite, acrescentando:


“Não deixa de ser interessante que, no contexto de pandemia, tenha sido possível ver unidades articularem-se para uma questão tão simples como fazer orientação dos utentes à porta do edifício que ocupam. E fizeram-no bem!”

E, para Alexandre Tomás, “há que voltar a assumir que a estrutura do centro de saúde existe. Com uma dinâmica organizacional em unidades funcionais flexíveis, mais pequenas? Sim, faz todo o sentido, mas a figura do CS existe. Temos que revisitar esse conceito identitário”.



A entrevista completa a Alexandre Tomás pode ser lida na edição de julho do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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