Doenças autoimunes continuam a ser um «parente pobre» da Medicina

O conhecimento em relação às doenças autoimunes registou progressos notáveis nos últimos anos, mas esta área da Medicina ainda não teve o reconhecimento que merece, porque os especialistas não têm tempo para dedicar à investigação. A opinião é de Carlos Vasconcelos, diretor da Unidade de Imunologia Clínica (UIC) do Hospital Santo António – Centro Hospitalar do Porto e presidente da comissão organizadora do Curso de Imunologia Clínica.

Na sua opinião, “os conhecimentos no âmbito das doenças autoimunes transbordaram”, dando como exemplo o caso específico da infeção por VIH, onde “houve um investimento extraordinário, que não tem comparação com qualquer outra área da Medicina” e que se traduziu, em termos práticos, na transformação para uma doença crónica e com uma cura funcional”.

Por isso, lamenta que as doenças autoimunes continuem a ser um “parente pobre” quando comparadas com outras áreas médicas. “Falta-lhes força. Não é uma especialidade clássica – e eu não defendo que seja –, mas veja-se o caso da Oncologia, que ganhou força quando foi criada a especialidade e começaram a ter serviços. Mas, num país latino como o nosso, habituado às coisas burocráticas, o facto de não ser uma especialidade clássica paga-se caro”, lamenta Carlos Vasconcelos.



Para o especialista, as doenças autoimunes deviam ser uma competência a que as diversas especialidades se pudessem candidatar. Os internistas são, por excelência, os médicos que mais contribuem para a investigação das doenças autoimunes, mas Carlos Vasconcelos nota que há também um grande envolvimento de reumatologistas, neurologistas e nefrologistas. “Temos também um obstetra [Jorge Sousa Braga] com competência nas doenças autoimunes, a quem nós enviamos as nossas pacientes quando ficam grávidas”, sublinha.

Havendo imunologistas portugueses reconhecidos a nível nacional e internacional, Carlos Vasconcelos acredita que esta área só não é mais valorizada por falta de tempo para investigação e também por não haver organização. “O trabalho não se faz sem recursos humanos. A verdade é que nos restam apenas umas horas. A ausência de recursos humanos é a coisa mais importante para que a área não se desenvolva, porque há imensos doentes, temos uma área extraordinária, apaixonante, mas é preciso tempo e recursos humanos”, refere o responsável.

Daí que o curso de Imunologia Clínica, que se realiza anualmente, sob a direção da Unidade que dirige no Hospital de Santo António, se revista de especial importância. “É o momento em que conseguimos parar, refletir, o que não é fácil. Nós temos na Unidade uma reunião semanal, às sextas-feiras, com várias especialidades, para discutir casos, normalizar atuações, mas não chega para as reflexões sobre o trabalho que vimos desenvolvendo”, reconhece.



A edição deste ano do Curso de Imunologia Clínica, que se realizou no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, nos dias 29 e 30 de outubro, revisitou o tema das vasculites, 20 anos após a primeira edição. Um tema que, para o médico, continua a ser desafiante, por ser um grupo de doenças raras e heterogéneas. Há, por isso, muito trabalho de investigação pela frente, até que se consigam descodificar as causas.

O balanço dos cursos – que, a partir de determinada altura, começaram a ser alternados com as reuniões PAM-Porto`s Autoimmunity Meeting e I&I-Imunidade e Infeção - é bastante positivo. “É muito útil para a casa. Obriga-nos a arrumar as ideias, a progredir, a escrever. Cada local com trabalho focado tem a obrigação de debitar para a comunidade porque há sempre gente nova a aparecer”, remata.









Imprimir


Próximos eventos

Ver Agenda