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Estigma em Psiquiatria «mesmo entre os profissionais de saúde»

"O estigma em Psiquiatria tem evoluído ao longo do tempo. Não é sempre o mesmo. As áreas de estigma têm mudado, mas o facto é que continua a existir", afirma Maria Luísa Figueira, presidente cessante da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM).


Em entrevista à Just News, a poucos dias do Congresso Nacional de Psiquiatria, explica melhor a sua ideia: "Há muitos programas contra o estigma. Está, mais ou menos, demonstrado cientificamente que os mais importantes e eficazes não são as campanhas de comunicação social e que, pelo contrário, muitas vezes, até aumentam o estigma."



Na sua opinião, "funciona melhor o trabalho em pequenos grupos, em famílias, ou na comunidade, onde é discutido o assunto e onde pode estar incluído, nesse grupo, um doente. Ou seja, é o contacto direto que diminui o estigma e não, propriamente, campanhas nos media."

É também "aquilo que se pensa sobre a doença"

De acordo com a ex-diretora do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria/CHLN, "esta é uma preocupação de muita gente, mas continua a existir, até mesmo entre os profissionais de saúde".

Segundo Maria Luísa Figueira, "há médicos de outras especialidades que estigmatizam os psiquiatras. Por outro lado, também há psiquiatras que estigmatizam determinadas doenças!"

E acrescenta: "Isto pode ter várias componentes, estigmatizar uma doença não significa rejeitar a pessoa, isolá-la no trabalho ou no seu meio social, relaciona-se também com aquilo que se pensa sobre a doença, ou seja, o nosso modelo mental acerta da patologia e dos doentes."

"Ir ao local e estar junto das pessoas"

O que é possível fazer, até mesmo na comunidade médica, para mudar esta realidade? Na verdade, "tem sido feita muita coisa" e dá o exemplo da Encontrar+se, "uma associação do Porto que tem feito um grande trabalho nesta área de luta contra o estigma".



Quanto aos psiquiatras, "continuamos a lutar de todas as maneiras que podemos. Há estudos e programas internacionais de luta contra o estigma. Deve começar-se logo nas escolas e nas faculdades, também a nível médico. É essencial ir ao local e estar junto das pessoas. Está provado que por outros meios não resulta."

"Ansiedade crónica pode ser tão grave como uma psicose"

Ao longo da entrevista, publicada na LIVE Especial Psiquiatria e Saúde Mental, a professora catedrática jubilada de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa partilha também a sua perspetiva sobre o "papel fundamental" que a família tem:

"A doença mental é, também, da família, sobretudo quando estamos a falar de doenças mentais mais graves. Mas as menos graves também, isto porque, por exemplo, um quadro de ansiedade crónica pode ser tão grave para a pessoa e para a família como uma psicose. Com isto, quero dizer que uma pessoa com doença mental tem, necessariamente, alterações de vária natureza nas suas relações interpessoais, dependendo do tipo de doença."


Neste contexto, refere que, naturalmente, a família acaba sempre por ser afetada: "É muito difícil que uma família disfuncional, instável dê apoio a um doente com doença bipolar, por exemplo. Por outro lado, pode ser caótico quando vivem sozinhos e não têm apoio nem suporte. Para alguns, não do ponto de vista da sua doença, mas da qualidade de vida e do equilíbrio afetivo."

Maria Luísa Figueira afirma que o envolvimento das famílias é feito, na maior parte dos serviços de Saúde Mental, "quer em ambulatório, quer em internamento", mas acha que "deveria ser de forma mais precoce. Existe a Associação FamiliarMente, entre outras, que visa sensibilizar a sociedade e as entidades de saúde para o papel das famílias na saúde mental e essa é uma função socialmente importante."



"Conquistarmos tempos de consulta"

Questionada sobre quais os principais desafios que os psiquiatras enfrentam, Maria Luísa Figueira indica que, em termos de formação, relacionam-se com duas áreas importantes:

"Uma é a da translação dos conhecimentos das Neurociências para a Psiquiatria. Esta é uma área que tem de ser ensinada nos currículos médicos porque, eventualmente, uma das evoluções futuras da Psiquiatria irá passar por aqui e é pouco ensinada. Ou melhor, é, mas de forma muito genérica e pouco focalizada, pelo menos a nível europeu. Nos EUA, há programas mais estruturados."

Por outro lado, refere várias questões "que se relacionam com ter em conta os aspetos subjetivos do indivíduo, o doente como pessoa e o ponto de vista da sua inserção pessoal, interpessoal e social".

Alerta, no entanto, para um aspeto que considera crucial: "O tempo que, hoje em dia, é dado às consultas nos serviços públicos, mas também nos privados, não é suficiente para que seja desenvolvida uma relação que permita avaliar estas dimensões da doença. Isto é um desafio importante: conquistarmos tempos de consulta!"

A professora catedrática sublinha a importância desta questão, destacando as especificidades da Psiquiatria: 

"É preciso que se entenda que a Psiquiatria é uma disciplina na qual as consultas levam sempre mais tempo do que os 5 ou 10 minutos de outra especialidade. Por esta razão, acho que há um desafio importante em termos do trabalho assistencial! Vemos cada vez menos psiquiatras a trabalhar e menos camas hospitalares e a exigência de mais produtividade. Ou seja, mais doentes em menos tempo. Isso, para a Psiquiatria Clínica, é fatal!"



"Ter sentido crítico em relação aos conceitos que usamos"

Relativamente às futuras gerações de psiquiatras, Maria Luísa Figueira deseja que tenham, "ao mesmo tempo, espírito crítico e abertura de espírito. Abertura para os vários modelos que estão dentro da Psiquiatria, para as várias modalidades de tratamento e para todos estes aspetos ainda controversos e problemáticos na disciplina, mas também para a parte científica, que não se pode esquecer."

Por outro lado, espera que os jovens especialistas tenham "espírito crítico em relação a determinado tipo de dogmatismos que ainda existem, como, por exemplo, técnicos que entendem que apenas o seu modelo está certo e que todos os outros estão errados. Devem ter sentido crítico em relação aos conceitos que usamos, procurar ver o aspeto positivista das coisas e, ao mesmo tempo, o aspeto mais teórico e conceptual."

Por último, "é muito importante as pessoas aprenderem como é que os conceitos apareceram na Psiquiatria e quais os limites dos mesmos e não aceitá-los como verdades absolutas."


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