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Gabinete de Estomaterapia do IPO Coimbra: precursor da abrangência integral de ostomias

Foi após a participação de uma dezena de enfermeiros num curso de Formação Avançada em Estomaterapia, organizado pelo Gabinete Coordenador da Formação do IPO de Coimbra em 1998, com vista à identificação do défice de acompanhamento à pessoa com ostomia, que nasceu o projeto do Gabinete de Estomaterapia.

“Aquilo que idealizávamos era garantir um acompanhamento sistematizado e direcionado a todas as pessoas com ostomia respiratória, de alimentação ou de eliminação, de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais, passando da teoria à prática”, explica Isabel Morais, a enfermeira coordenadora e impulsionadora do projeto.



Isabel Morais: "Nós respondemos às necessidades de capacitação para o autocuidado, de forma que a pessoa integre a gestão da ostomia no seu dia-a-dia"

Criado a 6 de setembro de 1999, esta foi, segundo a enfermeira, “a primeira consulta a dedicar-se a todos os tipos de ostomias”. Na sua opinião, esta intervenção em Estomaterapia “prende-se essencialmente com a necessidade de acompanhamento da pessoa ao longo de todo o percurso terapêutico, independentemente do seu seguimento pelas diversas especialidades”.

Assim, acredita que “a forma como esta estrutura se organiza e articula com os diferentes serviços contribui inequivocamente para uma intervenção diferenciada e ajustada às necessidades individuais, facilitando o trabalho interdisciplinar”.

Relativamente ao contexto internacional, adianta que, em países como os Estados Unidos da América ou o Canadá, este modelo de resposta é bastante frequente, pelas vantagens identificadas. Na Europa, por sua vez, “o cenário é mais assimétrico, embora se esteja a assistir a uma aproximação a um modelo mais integrativo”, refere.



Objetivo: "capacitar cada um para a reconstrução da sua autonomia”

Se este projeto arrancou com 10 enfermeiros a tempo parcial, a verdade é que “o grau de exigência e diferenciação de cuidados ou o surgimento de outros desafios” levaram a uma progressiva redução de profissionais dedicados a esta área, contando-se agora a presença de três enfermeiras, que asseguram a consulta, de segunda a sexta-feira.

Isabel Morais entende que, “independentemente do tipo de ostomia, o impacto vivenciado por cada pessoa tem características comuns”. Por isso, “faz todo o sentido a existência de uma consulta que integre um programa de intervenção diferenciado e individualizado, com o objetivo de capacitar cada um para a reconstrução da sua autonomia”.

A enfermeira coordenadora deste Gabinete alerta ainda para o facto de este ser um processo de intervenção “que se estende no tempo, é variável de acordo com cada um e mutável no decurso do processo terapêutico, necessitando assim de uma avaliação contínua”. Na sua ótica, “é preciso manter sempre o foco na autonomia e na qualidade de vida da pessoa e o binómio pessoa/cuidador deve assumir um papel de parceria”.



Pandemia: "A nossa preocupação foi contactar os doentes"

Entre os três tipos de ostomias a que este Gabinete se dedica, a de eliminação é aquela que tem uma maior representatividade, com 70% dos casos, enquanto 20% respeitam a ostomias respiratórias e 10% de alimentação.

A nossa interlocutora avança que a maioria destas últimas são colocadas profilaticamente, garantindo um aporte nutricional adequado durante os tratamentos oncológicos, devido aos efeitos secundários dos mesmos, sendo posteriormente removidas, quando a situação está ultrapassada. “Ao mesmo tempo que há muitas colocações, também há remoções frequentes, mantendo-se um número estável”, explica.


Mas são as traqueotomias aquelas que encabeçam a lista das ostomias temporárias respiratórias, sendo que, nestes últimos anos, “têm vindo a transformar-se em definitivas, inclusivamente em pessoas jovens”.

Dora Neves, enfermeira do Serviço de Radioterapia e do Gabinete de Estomaterapia, acredita que esta situação possa ter sido motivada pela falta de acesso dos doentes aos serviços de saúde nestes últimos dois anos, levando a diagnósticos mais tardios.

“Quando chegam, esta é uma das poucas soluções que têm porque há uma obstrução significativa causada pelo tumor”, explica.

Nenhuma das duas se esquece da preocupação que tiveram com os seus doentes quando a pandemia eclodiu. “A nossa preocupação foi contactá-los, porque sabemos que não conseguem viver sem os seus dispositivos, principalmente aqueles que têm ostomias de eliminação, pelo que era preciso salvaguardar esta questão, contornando as restrições impostas no primeiro confinamento”, recorda Isabel Morais.


Trabalho colaborativo - A foto representa bem as pontes criadas ao longo dos anos pelas enfermeiras do Gabinete de Estomaterapia, que estão acompanhadas por outros profissionais de saúde de diferentes áreas e a presidente do Conselho de Administração do IPO Coimbra

"Devolver ao doente o controlo sobre a sua vida"

Dora Neves sublinha que os materiais correspondem a “uma pequena parte deste processo de reabilitação, que engloba a capacitação da pessoa, no sentido de a tornar independente, melhorando a sua qualidade de vida”.

Como explica, “no decurso da doença oncológica, a necessidade de construção de uma ostomia gera um impacto que tem de ser bem gerido, para se conseguir que a pessoa faça a gestão de uma condição que lhe foi necessariamente ‘imposta’”.

Na sua ótica, a diferenciação científica/académica e um investimento sério nas soft skills, com destaque para a comunicação, são ferramentas poderosas dos enfermeiros de Estomaterapia, “determinantes para potenciar as capacidades de cada pessoa, a fim de poder gerir a sua nova condição, devolvendo-lhe o controlo sobre a sua vida, que nalgum momento possa ter considerado ter perdido”.

Se, à primeira vista, pode depreender-se que a ostomia de eliminação é aquela que requer um maior trabalho de adaptação, a enfermeira discorda, evidenciando que “é cada pessoa, com as suas próprias características, valores e perceção de autoeficácia, juntamente com o processo de capacitação, que determina a forma como vai gerir o futuro e não o tipo de ostomia por si só”. Ao mesmo tempo, “também o suporte familiar dita o processo de adaptação da pessoa com ostomia”.

A enfermeira entende mesmo que “todas as ostomias têm um conjunto de pressupostos que necessitam de ser identificados, com um enfoque importante no domínio do conhecimento e da capacitação para gerir as alterações daí recorrentes”.

No caso da ostomia de eliminação, “um descolamento acidental do dispositivo coletor pode ser encarado pela pessoa como uma regressão, na medida em que não foi capaz de o controlar”. Mas, por outro lado, “a visibilidade é menor face a uma ostomia respiratória, por exemplo, e não impede a partilha de uma refeição à mesa com a família, como acontece com a ostomia de alimentação”.

Estomaterapia: muito mais do que a seleção de materiais

Também Ana Braga, enfermeira desta consulta desde 2018, entende que “muitos profissionais de saúde não têm a noção exata do trabalho desenvolvido nesta área, porque apenas se focam na questão dos dispositivos”.

Para si, “é necessário percorrer-se um caminho de consciencialização, porque, se qualquer enfermeiro deve ser capaz de substituir um dispositivo, nem todos estão preparados para prestar cuidados diferenciados no âmbito da estomaterapia, que atualmente carece de um percurso profissional e académico reconhecido pela Ordem dos Enfermeiros”.

Adicionalmente, destaca a forte preocupação da equipa na elaboração e disponibilização de suporte informativo direcionado para cada tipo de ostomia, com cada vez mais relevância para as ferramentas e-Health.

Ana Braga ressalva que, no caso da instituição onde se insere, “pela sua dimensão e organização, e uma história de mais de 20 anos de dedicação à Estomaterapia, o trabalho realizado é reconhecido pela comunidade hospitalar e não só, o que se traduz na crescente solicitação para a realização de ensinos clínicos.

A enfermeira destaca ainda a necessidade de atualização permanente, de forma a responder às expetativas e necessidades da pessoa com ostomia, à instituição hospitalar e à comunidade.


Dora Neves, Isabel Morais e Ana Braga

Partilhar conhecimentos para garantir a continuidade de cuidados

Além da preocupação com a atualização constante do conhecimento em Estomaterapia, Isabel Morais realça que também a formação dos colegas dos CSP é um dos principais focos de atenção deste Gabinete.

“No sentido de garantir a continuidade de cuidados à pessoa com ostomia, e sendo a nossa área de influência geograficamente muito abrangente, sempre procurámos criar uma rede de referenciação com os CSP, à qual, ao longo dos anos, fomos dando formação”, explica.

"A principal característica é a humanização dos cuidados” 

João Moreira, enfermeiro diretor do IPO de Coimbra, que integrou a equipa inicial do Gabinete de Estomaterapia, considera que esta valência é “uma referência a nível nacional” e que “o seu exercício profissional se tem pautado pela adequação da evidência científica e pelas orientações internacionais emanadas por entidades de referência”.

Destacando o seu pioneirismo a nível nacional, ao prestar cuidados à pessoa com todos os tipos de ostomia, conta ainda que, “desde início, a principal característica do Gabinete é a humanização de cuidados”.

Mantendo um “papel proativo junto dos doentes ostomizados”, João Moreira não tem dúvidas de que este grupo de enfermeiras “garante um pleno acompanhamento, através de cuidados eficazes e individualizados, promovendo a qualidade de vida dos seus doentes e mantendo o foco na humanização”.


João Moreira

Reconhecendo que “a pandemia condicionou o acompanhamento que era realizado, devido à imposição de variadas restrições”, o enfermeiro diretor valoriza as diversas medidas que o Gabinete implementou para minimizar o impacto da covid-19.

“A antecipação do projeto da teleconsulta, cuja implementação estava em desenvolvimento, a comunicação através de tecnologia facilitadora e até mesmo a utilização do WhatsApp com o objetivo de identificar as necessidades aquisitivas de material e prevenir complicações” foram ações movidas pelo Gabinete que muito beneficiaram os doentes”, recorda.

João Moreira salienta ainda o facto de ter sido reconhecida a competência acrescida diferenciada e avançada pela Ordem dos Enfermeiros, bem como o destaque que o projeto “Cuidados com o estoma durante a pandemia de covid-19: a experiência do IPO Coimbra” recebeu no programa da Federação Internacional de Hospitais “Beyond the Call of Duty for covid-19” pelo seu plano de ação de resposta nesse contexto.



A reportagem completa pode ser lida nesta edição do jornal Hospital Público. Inclui entrevistas com mais meia dúzia de profissionais (Urologia, Gastrenterologia, Cirurgia Oncológica Digestiva, Otorrinolaringologia, Serviço Social e Terapia da Fala), que explicam as mais-valias desta ligação estreita ao Gabinete de Estomaterapia.

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