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«Gostaria que o doente crítico pudesse escolher a sua música. É vital na recuperação»

Coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, Hugo Côrte-Real passou a assumir, logo nos primeiros dias de 2021, a coordenação da Unidade de Tratamento Intensivo para Coronários Arsénio Cordeiro (UTIC-AC) do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN).

Defendendo a unificação dos cuidados intensivos e intermédios, desenhou um projeto que visa agregar todas as UCI do Departamento de Coração e Vasos (que integra os serviços de Cardiologia, de Cirurgia Vascular e de Cirurgia Cardio-Torácica) num espaço comum. Harmonia e beleza é algo que deve caracterizar, no seu entender, o ambiente que rodeia estes doentes, incluindo a possibilidade de cada um deles poder ouvir a sua música preferida.


Hugo Côrte-Real: “Se não conseguirmos compensar a tríade coração - pulmões - rins, não salvamos nenhum doente.

“É necessário ter muito bom senso e não ser explosivo"

“O doente crítico não é mais do que um doente de Medicina Interna (MI) em fase aguda, que necessita de terapêutica médica e/ou cirúrgica aguda”, começa por explicar Hugo Côrte-Real, coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica e da Unidade de Tratamento Intensivo para Coronários Arsénio Cordeiro do Serviço de Cardiologia do CHULN.

“É necessária uma base consolidada de MI, somada a outra de Medicina Intensiva também muito sólida, para se conseguirem manipular os eventos que surgem e aplicar novas tecnologias que suportem os órgãos do doente crítico”, salvaguarda.


Sendo uma área que carece de “uma atuação rápida e antecipada”, Hugo Côrte-Real sublinha que “é necessário ter muito bom senso e não ser explosivo – é um ‘stress intenso’, um ‘acelerar lento’, porque os doentes estão instáveis e precisam de uma atuação rápida, mas ponderada”. Esta é uma das especialidades em que, na sua opinião, a experiência faz muita diferença, porque “sabermos que em determinados casos os doentes evoluem desta ou de outra forma dá-nos uma grande bagagem e tranquilidade dentro deste stress, o que é fundamental”.



"Temos de conseguir compensar a tríade coração - pulmões - rins"

Tal como destaca o intensivista, é essencial “considerar o doente como um todo, na medida em que pode sofrer de um órgão, mas todos acabam por estar em disfunção”. “Havendo órgãos mais nobres do que outros, que acabam por condicionar o todo”, Hugo Côrte-Real realça que “se não conseguirmos compensar a tríade coração - pulmões - rins e torná-la um meio muito homogéneo não salvamos nenhum doente”.

O nosso interlocutor realça que esta tríade é fundamental na UCI do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, que coordena desde 2014: “Estamos perante doentes muito difíceis de manejar, que dependem de uma bomba. Se essa mesma bomba estiver deficitária todos os órgãos falham; se estiver funcional, estes são nutridos e o oxigénio é transportado para as células, minimizando os danos e potenciando a recuperação.”

A união, o entusiasmo e o empenho da equipa são fatores que muito valoriza, por acreditar que “essa colaboração estreita, em que cada um contribui com os seus saberes, é crucial para oferecer o melhor aos doentes”. Esta é uma componente que procura trabalhar diariamente, “apaziguando as situações em caso de conflito, tentando manter o espírito de grupo”.


Investimento na harmonia e na beleza das UCI

Num contexto tão “duro e desafiante”, Hugo Côrte-Real valoriza muito a harmonia e a beleza dos espaços, procurando dar cor às paredes, preenchendo-as com quadros alegres e reproduzindo música ambiente tranquila.

“Se me dessem todos os meios, gostaria de proporcionar a cada doente a possibilidade de poder escolher a sua música, pela calma e tranquilidade que lhe transmite”, refere. E acrescenta:

“Depararmo-nos com doentes que, muitas vezes, ficam confusos e nem sequer sabem por que razão ali estão. Sabermos quais são os seus gostos e possibilitar que oiçam as suas músicas favoritas é vital para a sua recuperação.”



Garantir uma "diversidade de sensibilidades na abordagem ao doente"

A harmonia é a palavra-chave que o especialista elege como forma de eliminar ou atenuar o transtorno dos doentes, que “perderam toda a capacidade, foram desvirtuados pela doença, viram a sua privacidade exposta e estão numa posição de inferioridade, dependentes de outrem”.

Criar condições para manter a privacidade dos doentes, reservando um espaço mínimo de 25 m2 à sua volta, é uma forma de proteção. A própria harmonia fomentada pela existência de equipas mistas − masculinas e femininas − é outra componente que destaca, “pela diversidade de sensibilidades que criam na abordagem ao doente, apesar de não existirem diferenças em termos de desempenho entre intensivistas femininas face aos colegas masculinos”.

Estes benefícios, potenciados pelo ambiente, estendem-se, na sua opinião, não só aos doentes como também aos próprios profissionais de saúde, que “ficam contentes por trabalhar num ambiente fluído e pacífico, num contexto que, só por si, é de algum stress”.

O sonho de construir uma UCI partilhada pelo Departamento

Na sequência da aposentação de Armando Bordalo e Sá, no início de janeiro, Hugo Côrte-Real passou a assumir a coordenação da UTIC-AC, um espaço dedicado à terapêutica médica do coração, pulmões e vasos. “Tratam-se situações de enfarte do miocárdio em choque cardiogénico, com suporte temporário ou não de alguma técnica mecânica, casos de hipertensão pulmonar que afetam os pulmões e, consequentemente, o coração e os rins, ou ainda doentes vasculares com isquemias dos membros”, explica.



Quando a terapêutica médica não é eficaz, o especialista salienta que facilmente ocorre a transição para a terapêutica cirúrgica. “Existe uma colaboração muito estreita dentro do Departamento, que tem vindo a ser implementada ao longo do tempo, identificando-se um espírito de grupo que tem de se manter e multiplicar”, refere.


Dispondo de uma área pequena, que sofreu poucas alterações desde a sua criação, Hugo Côrte-Real afirma que “é emergente criar condições mais próximas daquilo que deve ser uma unidade do século XXI, para se alcançarem bons resultados e para minimizar toda a pressão tanto dos doentes como da equipa”. Sublinha, aliás, que “são doentes que exigem muitos cuidados e uma alta tecnologia para a realização dos tratamentos”.

Uma das suas grandes aspirações consiste na agregação das UCI do Departamento de Coração e Vasos num espaço único, a fim de rentabilizar recursos humanos e materiais. “Evitando que tudo se multiplique, desde equipas a ecocardiogramas, conseguiríamos uma maior economia de recursos, o que seria vantajoso para todos”, observa.

“A agregação das UCI num espaço único traria uma maior economia de recursos”, considera o intensivista.

Atendendo à estrutura do hospital, Hugo Côrte-Real considera que o 8.º andar do Hospital de Santa Maria, onde se localiza o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, poderá ser uma das opções para reunir num mesmo espaço físico as várias UCI do Departamento. Projetada para ter capacidade para 36 camas, com essa localização, a Unidade usufruiria de um acesso privilegiado ao Bloco Operatório, às áreas de Hemodinâmica e de Eletrofisiologia e à Imagiologia, para além de poder desfrutar de luz natural.

“Temos estruturas instaladas, que apenas necessitam de ser otimizadas”, refere o médico, salientando que esse projeto está descrito e desenhado, apenas necessitando de condições para ser implementado.

“Vias verdes de contacto para o tratamento dos doentes”

Iniciando os seus dias de trabalho por volta das 7h30, Hugo Côrte-Real começa por avaliar as análises dos doentes, realizando depois, pelas 8h00, as visitas formais, onde são estabelecidos os planos de atuação diários. “Estipulamos objetivos e às 13h00, quando faço as novas visitas, analisamos o que conseguimos ou não cumprir, estabelecemos novos planos ou consolidamos os iniciais, para que se estendam às próximas 24 horas, e definimos o que há a transmitir aos colegas da urgência interna”.


Muitas vezes, estas reuniões contam com a participação de outros profissionais que aceitaram o desafio de integrar este projeto, funcionando como “vias verdes de contacto para o tratamento dos doentes” – um fisiatra, um farmacêutico, um infeciologista eum neurologista, entre outros −, “que conhecem o nosso objetivo e nos transmitem muita confiança”.
Este era um modelo que o intensivista já desenvolvia na UCI do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, tendo tido agora a oportunidade de o estender à UTIC-AC.

A informatização dos processos clínicos dos doentes desta unidade é também uma necessidade que pretende concretizar brevemente, a fim de “minimizar o erro e maximizar a eficácia”.



Unificar Cuidados Intensivos e Intermédios em prol dos doentes

Na linha de agregação das UCI do Departamento, Hugo Côrte-Real defende ainda a unificação dos dois tipos de cuidados, que hoje estão divididos em 22 camas de Cuidados Intensivos e 9 de Intermédios.

Identificando que o estado clínico destes doentes é muito variável e tão depressa estão no nível dois de cuidados como têm de ser transferidos para o nível três, na sua opinião deviam ser os recursos humanos a ter capacidade de mobilização. “O rácio enfermeiro/doente pode ser alterado consoante a evolução do estado clínico, canalizando-se ainda o tempo da transferência dos doentes para a prestação de cuidados e evitando o risco de transportar infeções”, sublinha.

Apesar de existirem casos em que os doentes nunca evoluem para o nível três de cuidados, o especialista realça a importância de haver a consciência de que, perante um agravamento, não são os doentes que se mobilizam, mas sim a equipa.

“Neste modelo, seria mais fácil alocar os enfermeiros às necessidades, dado que se num momento um profissional está responsável por quatro doentes, no caso de um agravamento, rapidamente se mobiliza mais um enfermeiro para aquele grupo”, considera Hugo Côrte-Real.



A entrevista completa pode ser lida na revista Coração e Vasos 9 - janeiro/abril 2021.

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