Infeção por VIH: 25 anos depois, «APECS continua a ser determinante no acompanhamento clínico dos doentes»
Kamal Mansinho classifica a sua ligação à Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da SIDA (APECS) como” quase umbilical”. O infeciologista pertenceu ao grupo de clínicos que, em 1991, teve diversas reuniões preparatórias que culminaram no consenso de que havia necessidade de criar uma associação para o estudo clínico da SIDA.
Ao longo do tempo, os associados da APECS (médicos e outros profissionais que lidam com o VIH/SIDA) refletiram sobre os vários momentos da epidemia da infeção por VIH. “A doença modificou-se na forma de apresentação das complicações, os progressos desafiaram-nos a atualizar ou, pelo menos, a ter de refletir com muito cuidado sobre a atualização das mensagens de prevenção”, destaca.
O médico, que fez parte dos corpos sociais de várias direções da APECS, recorda que uma das atividades mais marcantes da Associação enquanto grupo de trabalho foi a elaboração das recomendações terapêuticas, uma função que desempenhou durante mais de uma década.
APECS: "Uma voz ativa" na gestão de questões complexas
Um dos momentos mais interessantes de que Kamal Mansinho guarda memória sobre a sua interação com a APECS foi a primeira reunião de consenso sobre terapêutica antirretrovírica, na qual, em conjunto com Francisco Antunes, debateu, num modelo de prós e contras, a questão de combinar dois ou três fármacos, “uma discussão muito atual naquela época e que veio transformar a vidas das pessoas infetadas por VIH”.
Na sua ótica, a Associação “foi e continua a ser determinante para, numa perspetiva abrangente e científica, ser uma voz ativa e um parceiro na gestão de algumas questões que vão sendo cada vez mais complexas no acompanhamento clínico dos doentes, nomeadamente em relação a alguns problemas económicos que precisam, inevitavelmente, de ser ajustados”.
O diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do CHLO sublinha que, com os instrumentos que existem hoje, a transmissão da infeção pode ser completamente controlada. “Se cada um de nós, no seu microambiente (profissional, familiar, etc.), intervir, seguramente que contribuirá para melhorar de forma importante e alcançar as metas que queremos”, menciona, desenvolvendo que a APECS tem todas as ferramentas para mobilizar os seus recursos neste momento.
Tratar doenças, "preservando a equidade"
O que é necessário para alcançar as metas da ONU/SIDA para 2030? Para o especialista, a prevenção é um dos grandes desafios da atualidade e terá de ser trabalhada se se quiserem atingir as metas preconizadas pela ONU/SIDA para 2030. Neste domínio, refere, “existem novas estratégias que exigem uma reflexão em conjunto com a comunidade sobre como tomar maior e melhor partido delas, como é o caso da profilaxia pré-exposição”.
A terapêutica antirretrovírica e os constrangimentos financeiros intensos que o país atravessa são outra questão importante. “À semelhança do que acontece com outras doenças, como a hepatite C, cujo tratamento é oneroso, é preciso encontrar um equilíbrio para tornar sustentável o tratamento do VIH" considera o médico.
Na sua opinião, "é necessário, ainda, em conjunto com as entidades reguladoras e a indústria farmacêutica, encontrar patamares que permitam chegar a um consenso, de maneira a que possamos tornar sustentável o tratamento das várias doenças, de modo a preservarmos a equidade”.
Promover um maior envolvimento de todos os intervenientes
Por outro lado, Kamal Mansinho defende que é preciso aperfeiçoar as dinâmicas de receção aos doentes. Sobre este assunto, refere, “a abertura da possibilidade de fazer o diagnóstico do VIH a alguns organismos da sociedade civil leva-nos a que, a jusante, as estruturas de saúde que os vão receber também se preparem para receber novos doentes em tempo útil”. E acrescenta:
“A APECS pode desempenhar também um papel importante nesta área, procurando recolher a informação em cada um dos hospitais ou centros de saúde onde os seus associados trabalham sobre os modelos adotados para poder receber estes doentes e cumprir os tempos que estão estabelecidos, bem como fazer uma leitura exterior da validade e da qualidade de alguns procedimentos.”
Kamal Mansinho frisa que, para se conseguir alcançar os objetivos propostos pela ONU/SIDA, é necessário envolver não só os hospitais, mas também os cuidados de saúde primários, as associações de doentes e os próprios doentes e outros organismos (municípios e escolas, por exemplo), numa dimensão diferente da que alguns destes setores estiveram envolvidos até agora.
De forma a assinalar o 25.º aniversário da Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da SIDA, a Just News lançou uma edição LIVE Especial 25 anos APECS, que conta com os contributos de várias das principais referências da área e entrevistas com o atual e todos os anteriores presidentes da Associação que, de forma apaixonada, prestam o seu testemunho sobre o crescimento da APECS, perspetivando o seu futuro.