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Insuficiência cardíaca: telemonitorização diminuiu em 73% as reospitalizações no CHULN

Dois anos após o arranque do RICA, um projeto de telemonitorização de insuficiência cardíaca, desenvolvido no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), coordenado por Dulce Brito, os resultados atestam o seu sucesso: observou-se uma redução de 73% na taxa de mortalidade e/ou de reospitalização por qualquer causa, incluindo descompensação de insuficiência cardíaca (IC).

O projeto, que teve início em dezembro de 2017, nasceu da necessidade de otimizar ainda mais a qualidade assistencial aos doentes com IC seguidos neste centro hospitalar, monitorizando os de maior risco, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Em outubro de 2019, estavam a ser seguidos em casa, por via remota, 27 doentes com IC crónica, prevendo-se a integração de pelo menos mais cinco até final do ano.

A cardiologista Dulce Brito salienta que os doentes telemonitorizados são “criteriosamente” selecionados, sendo admitidos no projeto apenas aqueles que, tendo fração de ejeção ventricular esquerda diminuída e pelo menos um episódio de hospitalização no último ano por descompensação de IC, têm maior risco de um novo internamento.


Dulce Brito: "RICA significa apenas Registo de IC Aguda; HFTeam é, como o próprio nome indica, a equipa de insuficiência cardíaca (Heart Failure)"

Dulce Brito, professora auxiliar da FMUL, acredita que é a seleção criteriosa dos doentes que mais tem contribuído para a “eficácia da telemonitorização (TM) na diminuição acentuada das reospitalizações e da mortalidade”.

De acordo com a especialista, que coordena a Unidade de Internamento Geral do Serviço de Cardiologia do CHULN, nos últimos dois anos, alguns doentes que integraram o programa já tiveram “alta” do mesmo. Isso sucedeu porque a equipa considerou que estavam suficientemente estáveis para tal e já não teriam benefício acrescido, ou por solicitação dos próprios doentes por já estarem a ser telemonitorizados há mais de um ano.

“Não é fácil estar sob monitorização todos os dias da nossa vida. Se um doente quer desistir – e há várias razões conhecidas para tal, incluindo o estado emocional – e nós sabemos que tem um risco elevado de descompensação, falamos com ele e explicamos a importância de não desistir da monitorização remota”, refere.

Dulce Brito sublinha que, antes de os doentes serem integrados, decorre uma reunião da equipa com os mesmos, no decorrer da qual é feita a apresentação do projeto, com a descrição dos objetivos e vantagens, respondendo a questões e esclarecendo as dúvidas existentes. O consentimento informado para participar no programa de TM é também explicado e assinado nessa reunião.

Tem sido feito um trabalho de avaliação da TM, em associação ao programa estruturado de seguimento de doentes com insuficiência cardíaca, já em funcionamento prévio – RICA--HFTeam –, comparando os resultados com os obtidos antes da implementação destes protocolos de seguimento.



A TM veio demonstrar que foi possível diminuir a mortalidade e a hospitalização/reospitalização por qualquer causa em 73%, em comparação com os doentes que tinham o seguimento clínico habitual. Por outro lado, a TM permitiu reduzir ainda mais o número de dias perdidos por parte dos doentes em readmissões hospitalares ou mortalidade precoce.

Cada doente acompanhado antes da implementação do protocolo de seguimento estruturado perdia, em média, 49 dias de trabalho por ano. Depois de implementado esse tipo de seguimento, o número de dias perdidos desceu para 12. E com o projeto de TM a perda é apenas de cinco dias.

Segundo a cardiologista, o próximo passo é dar um enfoque maior à “transição alta-domicílio”, pois, “estes doentes, embora continuando a ser acompanhados por nós após a alta, necessitam de ter uma maior ligação à Medicina Geral e Familiar, pelo que é fundamental fortalecer essa interligação”, sublinha, referindo que este é um processo que está em construção, não só no que respeita ao RICA-HFTeam, mas a nível nacional.


Dulce Brito (ao centro) com elementos da equipa de médicos envolvidos no programa de telemonitorização

“É um trabalho de equipa, caso contrário não funcionaria”

Dulce Brito lembra que os doentes são monitorizados relativamente a diversos parâmetros, nomeadamente: frequência cardíaca, peso, pressão arterial, saturação do oxigénio do sangue, temperatura e eletrocardiograma. São-lhes fornecidos os aparelhos necessários a essa monitorização, bem como todo o ensino para a poderem fazer.

Há uma gestão central diária dos parâmetros de TM (efetuada por uma empresa externa especializada) e quando os mesmos se afastam daqueles que foram pré-estabelecidos para cada doente são gerados “alertas”, os quais são avaliados tendo em conta os critérios anteriormente definidos pela equipa de Cardiologia. O doente é contactado e a “importância” do “alerta” validada por algoritmos específicos para o efeito. Em caso de “verdadeiro” alerta, “a intervenção a ser feita é decidida pelo médico do programa de TM”.


Dulce Brito e Fausto Pinto, diretor do Serviço de Cardiologia do CHULN

Alguns doentes oferecem resistência à inclusão no projeto, por recearem não conseguir adaptar-se, não só por terem de estar disponíveis para o registo dos biossinais, mas também por dificuldade de adaptação aos instrumentos, nomeadamente ao telefone portátil. Por outro lado, a existência de outras situações, como “depressão” ou grande variabilidade emocional, podem influenciar a aceitação/rejeição de um programa deste tipo.

O programa é desenvolvido por uma equipa dedicada, constituída por 12 médicos que, conforme a cardiologista faz questão em sublinhar, “em simultâneo, mantêm toda a sua outra atividade assistencial, académica e também em termos de investigação”.

“É um trabalho de equipa, caso contrário não funcionaria! Não é possível uma pessoa estar disponível 7 dias por semana, 24 horas por dia, se não for um trabalho de equipa. É preciso estabelecer regras e tem de haver confiança”, diz, acrescentando que “os membros da equipa trabalham para um propósito comum, servir o doente, mas os objetivos que se pretende atingir têm que estar bem definidos desde o início”.



De notar, reforça Dulce Brito, “que o trabalho médico da equipa é totalmente voluntário e não remunerado”.

Nas suas palavras, “um membro RICA é aquele que tem conhecimentos adquiridos suficientes na área da IC que lhe permitam lidar com este tipo de doentes, capaz de tomar decisões rápidas e que sejam efetivas para o doente, embora podendo pedir consultadoria a outros elementos do grupo”.

A equipa tem reuniões mensais com a empresa que faz a interface e a gestão dos alertas, mediante um protocolo desenhado para o efeito e que foi sendo alterado de acordo com os resultados observados durante os primeiros meses de “aprendizagem”.

Além disso, os vários elementos reúnem-se periodicamente para tomar decisões sobre os doentes incluídos no programa e redefinir as estratégias.



A entrevista pode ser lida no Hospital Público de novembro/dezembro.

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