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«Oponho-me à tendência de psiquiatrizar todas as pessoas que são diferentes»

"Como médico de um Serviço integrado num grande hospital, sempre fui contra a tendência de se olhar o doente apenas do ponto de vista da Psiquiatria", afirma J. L. Pio Abreu, que nunca deixou de lutar pelos seus ideais – na prática clínica, na política ou na vida social – e defende, assim, uma visão holística de tudo o que tem impacto na doença mental.

"Os psicofármacos não resolvem tudo"

Em entrevista à Just News, o psiquiatra e professor associado com Agregação da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, defende que o psiquiatra deve ter sempre uma visão muito global do doente.

"Nos HUC, sendo um hospital universitário, mantive sempre contacto com outras especialidades, além da experiência que tive inicialmente como médico generalista", afirma J. L. Pio Abreu.



Na sua opinião, "o psiquiatra deve, de facto, ter conhecimento de diferentes áreas da Saúde, como Neurologia, Fisiologia e Endocrinologia, entre outras, mas também de Antropologia e Sociologia." E qual o propósito desta abrangência de perspetivas?

"Desta forma, consegue ter uma ideia mais exata do problema do doente, tendo em conta os fatores biológicos, mas também os condicionalismos sociais, ambientais e familiares, que têm inevitavelmente influência numa perturbação mental, mas também noutras patologias."

E sublinha: "O diagnóstico e o tratamento implicam tudo isso, sem esquecer, claro, os psicofármacos. Mas estes não resolvem tudo."

J. L. Pio Abreu recorda ainda que, ao longo de dezenas de anos, passou por "várias fases e modas da Psiquiatria", como foi o caso de quando começou a dar aulas, nos anos 70. "O movimento da anti-Psiquiatria estava então no auge. Passei tardes inteiras a discuti-lo com os alunos, fazendo a mediação entre eles e os doentes que também se pronunciavam sobre o assunto."

Por outro lado, faz questão de acrescentar: "Também me oponho à tendência de psiquiatrizar todas as pessoas que são diferentes e, pelo caminho, a própria sociedade."

"A ansiedade tem muito a ver com a respiração"

Relativamente às patologias atualmente mais frequentes, como as perturbações da ansiedade, é de opinião que "a Psiquiatria está hoje demasiado centrada nos psicofármacos" e dá um exemplo:

"As benzodiazepinas podem resolver inúmeras situações e de uma forma muito rápida. Basta um comprimido para resolver um ataque de pânico, mas existem outras técnicas, porque a ansiedade tem muito a ver com a respiração."

Faz questão ainda de esclarecer que, atualmente, "o mindfulness tem um papel muito relevante no controlo da ansiedade e consegue-se, através do controlo da respiração – como na meditação budista, por exemplo –, reduzir muito a ansiedade e até os ataques de pânico".



Técnicas simples que evitam o acompanhamento "durante longos períodos"

Desenvolvendo um pouco mais a ideia, o psiquiatra indica que, "se provocamos a hiperventilação, um doente pode sentir alguns sintomas do ataque, aprendendo depois a controlá-los. Ele pode também reparar que, se parar de respirar ou expirando prolongadamente, os sintomas desaparecem. São as chamadas terapias paradoxais."

E acrescenta: "O que é necessário é ter conhecimentos de Psicoterapia. Muitas vezes são técnicas muito simples e eficazes, que evitam, inclusive, o acompanhamento durante longos períodos."

Considerando que "nada nos deve impedir de prescrever uma benzodiazepina para que a pessoa a possa tomar numa determinada situação mais complicada", o professor universitário salienta de novo: "É preciso evitar os extremos."

Partilha também uma visão: "Importa confiar nos doentes, promovendo a sua autonomia e a autoterapia. Um médico não pode impor nada, não pode obrigar a pessoa a tomar um medicamento, apenas pode colaborar com ela."


“É importante que os psiquiatras tenham competências em Psicoterapia" 

E qual a realidade da Psicoterapia em Portugal? Existe uma lacuna nesta área? "Sim, ela existe…", reconhece. Contudo, esse "é um problema de todos os médicos, não só dos psiquiatras".

Chama a atenção também, por outro lado, para uma realidade preocupante: "As centenas de psicoterapias propostas por gurus que recorrem a determinadas técnicas ter atenção à selva das psicoterapias."

Na sua opinião, "é importante que os psiquiatras tenham competências em Psicoterapia, para poderem ajudar e prevenir o recurso a certas alternativas enganosas. As patologias dissociativas estão frequentemente ligadas a traumas infantis. É nossa obrigação proteger estes doentes das más práticas clínicas."

Questionado sobre o grau de dificuldade desta tarefa, o psiquatra reconhece ser "um pouco incontrolável", já que "as pessoas são facilmente influenciadas pelos media, pelo marketing".

Considerando que "é preciso usar as psicoterapias em favor do doente e termos a humildade de reconhecer que não sabemos tudo", o especialista destaca a importância da comunicação com o doente: "Devemos ouvir mais do que falar e procurar, acima de tudo, a empatia."



"À nossa frente está sempre um ser humano, não um diagnóstico"

José Luís Pio Abreu nasceu em Santarém em 1944. Com médicos na família, a Medicina sempre foi uma opção. Tendo chegado à Psiquiatria quando se iniciava o admirável novo mundo da Psicofarmacologia e das Terapias Comportamentais, não duvidou da especialidade que queria seguir.

Tendo sido médico generalista nos HUC e na tropa, percebeu que o tratamento da pessoa com perturbação mental não se pode cingir à Biologia. Essa visão tem-no acompanhado na sua vida profissional como psiquiatra – que mantêm ainda hoje no setor privado –, mas também como professor e investigador. Para além das publicações e colaborações científicas, escreveu vários livros académicos e de divulgação.


Fez o Doutoramento em 1984, com uma tese ligada à Psiquiatria Biológica, e a Agregação em 1996, com uma lição sobre perturbações de ansiedade. Também se tem empenhado nas psicoterapias, tendo sido presidente da Sociedade Portuguesa de Psicodrama (SPP). Desde 2014 que é membro do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa.

Além da sua atividade política, que começou na Revolta Estudantil de Coimbra, em 1969, tem-se dedicado à escrita, tendo já publicado vários livros, quer em Portugal como noutros países (Brasil, Itália, Espanha), além de artigos em jornais.

Atualmente no setor privado, chegou a voluntariar-se para ajudar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) neste tempo de pandemia, mas “ainda ninguém me deu qualquer resposta”. Para além das consultas… prepara um novo livro.

Questionado sobre que mensagem central gostaria de partilhar com os seus colegas psiquiatras, J.L. Pio Abreu não hesita: "Nunca podemos esquecer que à nossa frente está sempre um ser humano, não um diagnóstico. E que evitemos o pior mal que nos pode atingir: a arrogância."



A entrevista completa pode ser lida na 3.ª edição da LIVE Psiquiatria e Saúde Mental.

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