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Prescrição social: idosos isolados beneficiam de projeto da USF Almirante

Ir a casa de idosos isolados e apoiá-los nas suas atividades ou indicar aos imigrantes onde podem ter aulas de Português são apenas dois dos planos de intervenção que podem ser sugeridos no âmbito do projeto de prescrição social da USF Almirante, no Intendente, em Lisboa.

A dar os primeiros passos desde 1 de abril, após seguir a experiência da USF da Baixa, no Martim Moniz, o objetivo é estar mais atento e dar resposta às necessidades sociais que "podem ser a causa ou o efeito de uma doença".

“Alguns problemas de saúde são despoletados ou agravados por causa do isolamento, da dificuldade de integração na sociedade, do desemprego, da falta de apoio familiar, do valor das rendas e do medo de se perder a casa, entre outros”, indica Mariana Oliveira, médica de família que integra a equipa dinamizadora do projeto.


Mariana Oliveira

"Um plano de intervenção personalizado"

No seu entender, a prescrição social vai trazer enormes mais-valias aos utentes da USF Almirante, conforme explica: “Nesta zona de Lisboa vive-se o drama dos idosos que vivem sozinhos, sem apoio. Por outro lado, temos utentes de 70 nacionalidades diferentes, muitos vindos de países asiáticos e que não falam ou falam muito mal o Português."

Médicos, enfermeiros e a psicóloga da Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP) do ACES Lisboa Central, localizada no edifício da USF, podem fazer a referenciação para a prescrição social.

“Quando é detetada uma situação que possa beneficiar deste apoio, o utente é encaminhado para a consulta com a assistente social, que procurará compreender melhor as suas necessidades sociais, fazendo o diagnóstico social e acordando com o mesmo um plano de intervenção personalizado, que poderá passar por uma resposta interna ou externa, recorrendo aos parceiros sociais do projeto”, explica.



Mariana Oliveira realça que não se trata apenas de dar aconselhamento em termos de benefícios sociais ou de apoio domiciliário: “Isso já acontece há muito tempo, o que pretendemos é apoiar também situações mais específicas. Por exemplo, quem vive isolado tende a sentir-se mais deprimido e a solução pode estar simplesmente em fazer voluntariado, inscrever-se num grupo de teatro, etc.”

Como acrescenta, “são coisas muito simples e que fazem toda a diferença. Muitas vezes, quem nos procura não sabe que há uma instituição ou organização onde pode, por exemplo, desenvolver atividades de grupo, praticar exercício físico a preços mais acessíveis...”



No caso dos imigrantes, mais do que atividades que promovam a integração social, é preciso ajudar na procura de emprego e no Português: “Temos casos de pessoas licenciadas que não conseguem arranjar emprego na sua área por não dominarem a nossa língua, por isso, há que lhes indicar cursos que podem fazer, se assim o desejarem.” Esta componente informativa é essencial. “Muitos deles, sejam imigrantes ou portugueses, não sabem que apoios podem ter na comunidade”, sublinha Mariana Oliveira.

Questões sociais com "impacto na saúde a vários níveis"

Para Paula Massano, 50 anos, assistente social da URAP do ACES Lisboa Central, esta consulta é um reforço do trabalho que já faz parte das suas funções. “Estarmos atentos às questões sociais é fundamental, porque têm repercussões na saúde. Por vezes, o utente vai ao médico por problemas de saúde que sabemos serem causados ou agravados por fatores sociais”, afirma.


Paula Massano

Mas continua, “a prescrição social procura facilitar a resposta aos problemas e necessidades sociais dos utentes, com o objetivo de melhorar a sua saúde e o seu bem- estar, pretendendo potenciar a atuação do Serviço Social nos cuidados de saúde primários, alargando assim o leque de respostas e criando parcerias com o setor comunitário”.

Mariana Oliveira reconhece que é uma mais-valia poder contar com a presença física da assistente social no edifício da USF. “É sempre melhor estabelecer um contacto pessoal, é mais fácil esclarecer determinados casos”, frisa. Para esta especialista em Medicina Geral e Familiar, a prescrição social vem finalmente dar resposta ao que a OMS considera ser saúde, desde 1948:

“Saúde é um completo bem-estar físico, mental e social, não consistindo apenas na ausência de doença ou de enfermidade... Sendo assim, não nos podemos esquecer das questões sociais, com todo o impacto que têm na saúde a vários níveis.”

E sublinha que, “nos arredores de Londres, num bairro desfavorecido, já se implantou este tipo de apoio em 1997 e os resultados têm sido os melhores”.



Acabaram as longas filas para consulta, mantém-se o prédio de 5 andares

A prescrição social é o projeto mais recente da USF Almirante, que abriu apenas em 16 de novembro de 2018. “Ainda nem fomos inaugurados”, refere Fabrizio Cossutta, o coordenador. Situada na Rua Luís Pinto Moitinho, junto à Igreja dos Anjos, dá resposta a 12.600 utentes de sete dezenas de nacionalidades. “É um enorme desafio”, reconhece o responsável.

Fabrizio Cossutta integrou a equipa ainda como UCSP Penha de França, em novembro de 2017, no atual prédio de 5 andares. E recorda: “Quando cheguei, havia cerca de 6 mil utentes sem médico de família e de 101 nacionalidades, muitos deles sem falarem Português ou Inglês.”


Fabrizio Cossutta

Eram comuns as longas filas na rua, desde madrugada, para se conseguir consulta. “Demos sempre resposta, mesmo não sendo fácil, porque todos têm direito a cuidados de saúde, mesmo quem se encontre em situação irregular”, observa.

O modelo USF acabou por ser visto como a possível solução para se conseguir cuidados de maior qualidade, já que a enorme procura estava a prejudicar a qualidade da prestação de cuidados e a sobrecarregar a equipa. “Atualmente, somos 8 médicos, 8 enfermeiros e 5 secretários clínicos, a trabalhar em microequipas”, refere.

Apesar de a USF ter sido criada há tão pouco tempo, Fabrizio Cossutta diz que já se nota uma melhoria na qualidade de cuidados prestados. “Já não temos filas na rua para se conseguir consulta do dia, o atendimento administrativo é rápido, o ambiente está muito mais calmo e o número de reclamações baixou drasticamente”, garante.

Continuam, no entanto, a manter-se as limitações físicas: “É um prédio antigo, com 5 andares, com escadas que é preciso ultrapassar para se chegar ao elevador, não se consegue ter uma sala de espera única e por isso tivemos que dividir as tarefas administrativas por dois balcões, cada um num andar diferente.”


Fabrizio Cossutta: "Os elementos da equipa não se conheciam, mas tivemos muita sorte, porque é fantástica!"

“Temos de aceitar a diferença e colocar de lado o preconceito”

Com uma equipa muito jovem – os médicos que integraram a USF eram todos recém-especialistas –, Fabrizio Cossuta vê a questão das 70 nacionalidades como um desafio e não tanto como um problema:

“Exige muito mais de cada um de nós, mas consegue-se comunicar usando o Inglês, embora alguns utentes não falem este idioma da forma mais correta e tenhamos que recorrer ao tradutor do Google, a gestos, a imagens... Mas temos conseguido!”

O coordenador da unidade faz questão de salientar que todos estão alinhados com a cultura que tem vindo a ser implantada e é com evidente alegria que afirma: “Os elementos da equipa não se conheciam, mas tivemos muita sorte, porque é fantástica!".

A própria sinalética da USF está em Português e Inglês e, no caso da Saúde Materna e Infantil, os folhetos da introdução de alimentos estão traduzidos para espanhol, inglês, francês, italiano, nepali, bengali, hindi, chinês e russo e os do Planeamento Familiar incluem imagens e tradução para bengali, nepali, urdu, chinês e inglês.



“É uma forma de chegar às pessoas, porque não podemos, obviamente, falar todos os idiomas. Repare-se que só na Índia – de onde temos muitos imigrantes – há 20 dialetos...”, salienta Fabrizio Cossuta.

Futuro: apoio na comunidade e interligação com as farmácias

Olhando para o futuro, Fabrizio Cossutta gostaria que, uma vez implementada a prescrição social na USF Almirante, a prestação de cuidados saísse dos consultórios para a comunidade:

“Nesta zona de Lisboa, há muitos casos de sem-abrigo, alcoolismo, prostituição, toxicodependência, ou seja, há muitas pessoas que não recorrem a nós para pedir ajuda, daí
ser importante ir ao seu encontro. Nos casos que já são acompanhados por outras instituições, é importante estabelecer um contacto de maior proximidade com elas, em vez de duplicar cuidados.”



Fica ainda a faltar a proximidade com as farmácias: “O objetivo é poder criar um contacto mais direto com os estabelecimentos da nossa zona de abrangência, de forma a facilitar a comunicação entre todos, permitindo, por exemplo, que o farmacêutico nos alerte em caso de abusos de benzodiazepinas sem receitas médicas, ou até que possamos colaborar quando um utente necessita de esclarecer dúvidas sobre determinada terapêutica ou no acompanhamento de doenças crónicas.”



A reportagem completa pode ser lida no Jornal Médico dos cuidados de saúde primários de maio 2019, onde são também partilhadas as perspetivas de outros profissionais da unidade: Tânia Lopes, responsável pela Enfermagem, Susana Rojão, psicóloga da URAP, e Josina Almeida, secretária clínica.

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