«Se não mudarmos, o sistema de saúde como o conhecemos vai desmoronar-se»
O antigo ministro da Saúde do País Basco, e atual diretor do Instituto para a Saúde e Estratégia de Espanha, esteve há dias em Portugal, onde participou na 2.ª Conferência de Valor da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH). Numa comunicação intitulada “Salvar o sistema de saúde”, abordou a necessidade de mudar os atuais modelos, sob pena de assistirmos à sua falência a breve trecho.
“Se não mudarmos, o sistema de saúde como o conhecemos vai desmoronar-se.” A visão de Rafael Bengoa é apocalíptica, mas o especialista espanhol defendeu que está bastante mais perto de se tornar realidade do que imaginamos.
Autorregulação "não será solução"
Em declarações à Just News, Rafael Bengoa afirma que “temos um grande problema com a demografia e nos próximos oito anos vamos ter o mesmo impacto a esse nível do que registámos nos últimos 40”. Assim, se não houver atenção política para este tema, "o sistema tende a acumular cada vez mais tensão".
“A pressão que é feita pelo aumento demográfico só tem solução construindo um novo modelo de assistência”, sublinha o espanhol, que foi também conselheiro da administração Obama para o Obamacare. E acrescenta que “estamos a fazer a medicina deste século com o modelo do século passado”, sendo que, no seu entender, esperar que o sistema de saúde se autorregule "não será solução".
Uma dupla intervenção dos políticos
“É preciso ação ao nível político, o que significa o desenho de uma visão e de uma transformação para os sistemas de saúde. Os políticos têm de conseguir esta mudança, pois, se não o fizerem, o sistema vai colapsar”, vaticina.
Rafael Bengoa admite que a responsabilidade destes atores é dupla, “pois, têm de ser capazes de gerir as dificuldades económicas que enfrentamos hoje e, ao mesmo tempo, assumir uma responsabilidade estratégica, introduzindo o modelo assistencial de saúde, que tem de ser construído e introduzido passo a passo”.
Assim, e embora confirme que as mudanças necessárias à transformação têm de ter o impulso da classe política, Rafael Bengoa reconhece que esta precisa de apoio para as implementar.
Começar pelas "mudanças de menor impacto"
“Os políticos têm as suas carreiras, as suas necessidades e nós, especialistas, temos o papel de ajudar na definição de quais as mudanças que são de baixo risco e quais são as de risco elevado”, explica, sugerindo que devam começar pelas "mudanças de menor impacto".
“A minha sugestão é que comecem primeiro pelas mudanças de baixo risco -- como o registo eletrónico, a centralização de processos nos doentes, cuidados integrados --, pois, estas preparam o terreno para as mudança de alto risco, preparam a cultura para o que está para vir”, justifica, avisando que, em última instância, os políticos terão mesmo de passar por uma fase de maior pressão:
“Chegará o momento em que terão de empurrar o sistema para uma direção diferente, com a integração dos cuidados sociais e de saúde, integrar os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares. São missões mais complicadas, mas necessárias para que o sistema sobreviva, pois, são as únicas áreas em que mudando conseguimos tornar o sistema mais eficiente.”
Quanto a prazos, Rafael Bengoa sublinha que o mais importante é dar início, o quanto antes, a este processo, mas esclarece que "percorreremos sempre um período de 10 ou mais anos até que se consiga reformular o sistema".
Rafael Bengoa foi um dos oradores convidados da 2.ª edição das Conferências de Valor, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), que reúne especialistas nacionais e internacionais com o propósito de promover a partilha de experiências, um debate profícuo e encontrar soluções para variados problemas. Nesta reunião foi discutido o tema “Modelos Financeiro e Financiamento – Desafio e Oportunidades”.
Hospital Público é uma publicação da Just News, de periodicidade mensal, particularmente dirigida aos profissionais de saúde das unidades hospitalares do SNS, incluindo as de gestão privada.