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Stress e conflito laboral são os principais «fatores desencadeantes» da depressão grave

De acordo com um trabalho de investigação desenvolvido na área da Grande Lisboa, o stress e os conflitos no trabalho serão, no entender dos próprios doentes, a maior causa da sua depressão grave e da própria manutenção desse quadro depressivo. Os dados foram apresentados no decorrer de uma sessão que visou assinalar o Dia Europeu da Depressão.



Praticamente uma em cada quatro pessoas com depressão major que responderam a um inquérito promovido pelo psiquiatra António Sampaio mostrou-se convicta de que os acontecimentos relativos aos fatores desencadeantes da sua doença estavam relacionados com situações de stress ou de conflito laboral.

A perda afetiva e a separação ou a conflituosidade conjugal também foram apontadas como grande causa de depressão grave. Já quanto à persistência desse estado de saúde, ela estaria relacionada, por exemplo, com uma doença de familiar ou com o sentimento de solidão. Boa parte dos inquiridos revelou estar convencida de que a existência de um melhor suporte humano contribuiria decisivamente para ultrapassar o estado de depressão.



António Sampaio integrou o painel de palestrantes que participaram num evento promovido conjuntamente pelo Serviço de Psiquiatra do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), em parceria com a Associação Europeia da Depressão.

Subordinada ao tema “A solidariedade para enfrentar a depressão”, a sessão teve lugar num dos anfiteatros da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e incluiu comunicações de Joaquina Castelão, presidente da associação FamiliarMente, e dos psiquiatras Manuela Silva e Paulo Martins, do Hospital de Santa Maria, para além da intervenção de António Sampaio.



A iniciativa, que já se realiza há 11 anos, é tradicionalmente aberta a profissionais de saúde, estudantes de Medicina e público em geral e ocorre no âmbito do Dia Europeu da Depressão, que é assinalado a 1 de outubro. A primeira reunião aconteceu em 2009, com uma única interrupção, em 2017.

Luís Câmara Pestana, diretor do Serviço de Psiquiatria do CHULN, usou da palavra para apresentar os vários integrantes do programa deste ano. Aproveitou também para referir que “o evento tem como objetivo prioritário aumentar o conhecimento das pessoas sobre a depressão, no sentido de diminuir o estigma e de contribuir para a deteção precoce desta doença”.


Maria Luísa Figueira e Luís Câmara Pestana

Maria Luísa Figueira, presidente cessante da SPPSM e representante em Portugal da Associação Europeia da Depressão, falou em nome das duas entidades, sublinhando a importância da iniciativa. Diria, no final das palestras, e após um período de debate, que “as intervenções foram variadas, abordaram os vários planos que esta realidade do tratamento cooperativo da depressão envolve, desde o social ao familiar, ao económico e ao clínico, e penso que essa foi a riqueza do que aqui se passou hoje”.


Manuela Silva, Luís Câmara Pestana, Joaquina Castelão, Paulo martins, Maria Luísa Figueira, António Sampaio


A falta de confiança, de intimidade…

António Sampaio é psiquiatra, diretor clínico da Egoclinic – Clínica em Neurociências e doutorou-se recentemente em Política Social, apresentando uma tese intitulada “Fatores sociais e culturais da depressão”.

O trabalho de investigação que realizou teve como objetivo “contribuir para o desenvolvimento de novas linhas de orientação a nível das políticas sociais pertinentes na abordagem à pessoa com depressão”. Nesse sentido, procurou apurar os fatores socioculturais relacionados com esta doença de um grupo de pessoas com o diagnóstico de depressão major.

A amostra incluiu pessoas que estavam a ser seguidas em consultas de Psiquiatria, há pelo menos 6 meses, em dois hospitais públicos, dois estabelecimentos privados e uma instituição particular de solidariedade social que têm funções assistenciais clínicas maioritariamente na área da Grande Lisboa.

A grande maioria dos entrevistados (83,8%) revelou que, no ano anterior a ter adoecido com depressão, passou por acontecimentos, eventos ou experiências marcantes, que considerou relevantes para a sua situação atual. São os chamados fatores desencadeantes.

Entretanto, também a maioria (76,5%) respondeu afirmativamente em relação à existência dos fatores de manutenção, impeditivos da recuperação. 62,2% haveriam de identificar fatores de resolução que consideraram poder aliviar o sofrimento originado pela depressão.



Fatores desencadeantes

Os acontecimentos relativos aos fatores desencadeantes estavam relacionados com:
1) Stress ou conflituosidade laboral: 24,3%
2) Perda afetiva: 19,8%
3) Separação ou conflituosidade conjugal: 18%
4) Situações financeiras graves: 1,8%


António Sampaio

“No capitalismo pós-moderno, como não há patrão, a conflituosidade entre iguais é muito grande”, salientou António Sampaio, procurando assim encontrar uma explicação para o facto de o stress e a conflituosidade laboral aparecerem no topo da lista dos maiores responsáveis pelos casos de depressão grave, não só pelo seu surgimento como igualmente pela sua persistência.

Quanto ao facto de a maior parte dos entrevistados ter revelado sentir-se muitas vezes ou sempre só, o psiquiatra diz que “a solidão estava associada expressivamente à inexistência de uma relação de cumplicidade”. E considera “extraordinária” a quantidade de pessoas que não tem essa confiança, essa intimidade com alguém.

“O stress e o conflito laboral, ou mesmo o desemprego, levam à depressão, esta conduz ao isolamento social, que depois leva a menos oportunidade de emprego, e outra vez ao desemprego. O próprio isolamento social, se agravar a depressão e fizer, consequentemente, diminuir as capacidades cognitivas, conduz ao próprio desemprego”, frisou António Sampaio.



Prevenir a depressão com "maior coesão social"

Comentando os desejos que as pessoas inquiridas gostariam de realizar num futuro próximo, o especialista referiu que “não disseram maioritariamente que queriam mais dinheiro, afirmaram sim ambicionar uma maior realização pessoal e laboral” e um melhor relacionamento, inclusive, familiar.

Invejosas, egoístas, más, agressivas, violentas, falsas, tristes, insatisfeitas, angustiadas, doentes, superficiais, frias… -- foi assim que os participantes no inquérito descreveram as pessoas que os rodeiam. E como gostariam que fossem? Mais unidas e solidárias, mais humanas e amigas, mais afetivas e com mais educação e cidadania.



“A depressão, no que depende da sociedade, só pode ser prevenida com maior coesão social, consciência e conhecimento, e ainda oportunidade de realização. No meu entender, a saúde mental pode existir sempre que cada pessoa for capaz de ter consciência das capacidades individuais e de contexto e se determine na procura do equilíbrio efetivo e emocional que a leve a querer viver”, concluiu António Sampaio.


A reportagem completa poderá ser lida no Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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