Mais de 70% das pessoas com asma «não faz o tratamento de forma correta»
"Muitos dos doentes com asma que estão diagnosticados não têm uma perceção correta do que é um controlo adequado da doença", adverte Cláudia Vicente, médica de família na Unidade de Saúde Familiar (USF) da Mealhada.
Empenhados em contribuir para mudar esta "preocupante realidade", um grupo de profissionais de saúde, membros do Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias (GRESP) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, desenvolveu o projeto CAPA - Cuidados Adequados à Pessoa com Asma e tem vindo a realizar ações de formação e de esclarecimento, junto de profissionais de saúde e da população.
Cláudia Vicente
Em declarações à Just News, Cláudia Vicente explica que a próxima ação assume particular relevância, já que decorre no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Asma, assinalado este ano a 7 de maio.
Plantação de árvores "onde a qualidade do ar foi alterada"
O evento, que decorre a 4 de maio, realiza-se na Sertã e contará "com o envolvimento dos profissionais de saúde locais", sendo dirigida à comunidade. Vai incluir uma sessão de educação para a saúde, a decorrer na Casa da Cultura da Sertã, onde serão prestados esclarecimentos sobre "o que é a asma" e "o que é uma asma bem controlada”.
O programa inclui um “Role-play sobre cuidados adequados à pessoa com asma” e na ação serão divulgados materiais educacionais.
Também no âmbito desta iniciativa, realizou-se o mês passado, igualmente na Sertã, uma formação dirigida aos profissionais de saúde em cuidados primários
Numa segunda parte, terá lugar a plantação de árvores na Sertã: "Trata-se de um gesto simbólico, que procura associar a asma à respiração saudável, na semana em que se comemora o dia mundial da asma". A escolha da Sertã prende-se com o facto de ser um local que foi afetado pelos incêndios no ano de 2017 "e onde a qualidade do ar foi alterada".
O objetivo é, de acordo com Cláudia Vicente, “associar a necessidade de uma pessoa com asma respirar melhor e a importância de uma melhor qualidade do ar, que as árvores proporcionam”.
Segundo o outro coordenador do projeto CAPA, Nuno Pina, “esta ação é dirigida à população da zona da Sertã mas, de uma forma geral, queremos que seja um evento que tenha divulgação nos media e possa chegar como uma mensagem às pessoas com asma e aos profissionais de saúde que lidam com a asma".
Diagnóstico e seguimento
“Uma asma não controlada pode traduzir-se numa pior qualidade de vida do nosso doente, nas suas várias dimensões”, afirma Nuno Pina, igualmente membro do GRESP e médico de família da USF Tondela.
“A asma pode afetar o doente na sua atividade física, no seu desempenho profissional ou escolar, ou na sua qualidade de sono, por exemplo. Um mau controlo pode consequentemente levar a uma utilização excessiva dos recursos de saúde, levar a uma incapacidade grave, e em situações extremas provocar a morte”, acrescenta o médico.
De acordo com Cláudia Vicente, dois dos maiores desafios da doença são "o diagnóstico, havendo ainda muitos doentes por identificar, e o seu seguimento, na medida em que os doentes são pouco aderentes ao tratamento, muitas vezes não estando conscientes do risco que incorrem e da perda de qualidade de vida”.
Cláudia Vicente e Nuno Pina, coordenadores do projeto CAPA
Nuno Pina refere que, além da desvalorização da necessidade por parte dos doentes, uma das principais dificuldades no controlo da doença é o uso inadequado dos inaladores numa pessoa com asma, bem como a subutilização da medicação de controlo da inflamação das vias aéreas e a sobreutilização da medicação de alívio sintomático.
O médico frisa: “é importante que os profissionais de saúde estejam sensibilizados para a asma e para o controlo da doença e que cada um tenha uma parte ativa na deteção da asma e na verificação do seu controlo, promovendo a verificação regular e ensino da técnica inalatória”.
Estima-se que a asma afeta cerca de 700 mil pessoas em Portugal. Globalmente, é uma doença subdiagnosticada e subtratada. De acordo com o projeto CAPA, "quase metade dos asmáticos portugueses não tem a doença controlada (43% da população geral)" e "nem 30% das pessoas com asma fazem o seu tratamento de forma correta". Na verdade, alguns estudos revelam números "ainda mais preocupantes e desanimadores".
Asthma Right Care
O movimento CAPA - Cuidados Adequados à Pessoa com Asma está inserido num projeto mais vasto, o ARC - Asthma Right Care do International Primary Care Respiratory Group (IPCRG), a decorrer em quatro países-piloto, onde se inclui Portugal.
Não será assim de admirar que o lançamento oficial do CAPA tenha ocorrido precisamente durante a 9.ª Conferência Mundial do IPCRG, realizada em Portugal o ano passado.
Apresentação oficial do CAPA
Melhorar o diálogo e "aumentar a consciência dos doentes"
Segundo Cláudia Vicente e Nuno Pina, o movimento CAPA, iniciado em Portugal no último trimestre de 2017, tem sido bem acolhido. Está a ser divulgado entre os profissionais de saúde, nomeadamente entre farmacêuticos, enfermeiros e médicos.
Numa primeira fase, diz Nuno Pina, “temos alertado para a mensagem do uso excessivo de broncodilatadores de curta duração de ação que promove um alívio sintomático, mas não permite controlar a doença e que o seu uso excessivo leva a um pior controlo da mesma”.
Os responsáveis pelo CAPA frisam que o objetivo é "aumentar a consciência dos doentes para a má prática e a necessidade de controlar a sua doença com medicação preventiva".
Está igualmente a ser promovida a formação entre pares e também com os outros grupos profissionais, estando prevista a criação de vídeos que ajudem a divulgar as mensagens.
Há também algumas ferramentas que têm vindo a ser desenvolvidas, que visam melhorar a comunicação com os doentes, como é o caso da Régua da Asma, desenvolvida pelo International Primary Care Respiratory Group (IPCRG) e traduzida para português pelo GRESP.
Esta ferramenta visa "promover o diálogo sobre a utilização inadequada de beta2 agonistas de curta duração de ação (SABA) no tratamento da asma, um problema global que poucas vezes é posto em causa".
Com o propósito de facilitar estes diálogos, "que devem estabelecer-se entre médicos prescritores, profissionais com tarefas educacionais na asma, farmacêuticos e doentes", é disponibilizado um guia, que proporciona "possíveis passos e perguntas a fazer quando usar a régua CAPA".