Adesão terapêutica na hipertensão: «É essencial perceber o que os doentes pensam sobre esta problemática»

Um dos obstáculos ao sucesso do tratamento anti-hipertensor é o nível de adesão ao tratamento por parte do doente, sobretudo a longo termo. Mas o que pode, na realidade, ser feito para aumentar esse indicador de adesão, tão relevante para se alcançarem valores alvo satisfatórios e uma redução do risco cardiovascular global?

Para Michel Burnier, professor da Faculdade de Biologia e Medicina de Lausana – Suíça, "torna-se óbvio, pela interpretação dos dados internacionais disponíveis, que após dois anos de tratamento um em cada dois doentes hipertensos não toma os fármacos da forma como foram prescritos”.

Para o nefrologista suíço, que participou este ano no 18.º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global, não há qualquer dúvida de que "o problema da adesão terapêutica não reside apenas no campo do doente, dos seus comportamentos e contexto socioeconómico, está também dependente da performance do médico".

Michel Burnier

A importância de "formular as perguntas corretas em consulta"

Mas o que podem os profissionais fazer para ajudar a ultrapassar tal dificuldade? Segundo Michel Burnier, desde logo, "reconhecer a necessidade de formação específica dirigida à adesão terapêutica, que já provou em ensaios controlados que tem um efeito muito positivo na resposta dos doentes".

Em seguida, "aprender a formular as perguntas corretas em consulta". E desenvolve a ideia: “Se perguntarmos ao doente se ele toma os medicamentos, quase sempre responderá que sim, mesmo que falhe um em cada dois dias. Não é uma estratégia eficiente de recolha de dados."

Por outro lado, o especialista sublinha que "se questionarmos o doente quantas vezes não tomou a dosagem prescrita ao longo da última semana, podemos obter uma informação mais rigorosa. Ou seja, a forma como perguntamos faz toda a diferença para o resultado apurado".



A mais valia de "questões abertas em contexto de consulta"

Michel Burnier recorda, a propósito, "um estudo realizado na área da diabetes (Kaplan SH et al, Reducing racial/ethnic disparities in diabetes: the Coached Care (R2D2C2) project. J Gen Intern Med. 2013 Oct; 28(10):1340–9), que comprovou tal evidência, já que apenas 25% dos doentes admitiam ter tomado a medicação menos vezes do que o recomendado".

Contudo, indica que, na mesma amostra, "61% indicavam que tinham enfrentado pelo menos uma de nove barreiras a uma adesão terapêutica perfeita, circunstância que comprova a valia de questões abertas em contexto de consulta".

Finalmente, considera que outra abordagem possível é a de "agendar revisões periódicas de medicação com o paciente". Na sua opinião, “pode ser uma estratégia muito útil e, na realidade, faz parte das responsabilidades dos profissionais de saúde dedicar tempo a esta tarefa".



Saber o que os doentes pensam

Em complemento, partilha a ideia de que "é essencial perceber o que os doentes pensam sobre esta problemática, que os afeta diretamente" e destaca os resultados de um inquérito promovido pela Sociedade Europeia de Hipertensão junto dos doentes em 2022: 

"A proposta mais consensual para a melhoria da adesão (escolhida por 57% dos inquiridos) foi a prescrição de associações terapêuticas em comprimido único, o que demonstra que os pacientes valorizam o facto de tomarem menos comprimidos. E esta não é uma mera questão de sensibilidade subjetiva."

Michel Burnier reforça esta ideia fazendo referência a "outro estudo (Roland E. Schmieder et al, Hypertension, 2023; 80: 1127-1135), focado na persistência terapêutica".

Esses resultados mostraram que "para quatro tipos diferentes de associações de anti-hipertensores a opção de comprido único garantia sempre maior proporção de doentes sem falha terapêutica após 12 meses de tratamento (num intervalo entre os 70 e os 75%), por comparação com a alternativa de comprimidos múltiplos (com intervalo de cumpridores entre os 26 e os 49%)".

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