«A nossa abordagem no tratamento endovascular de aneurismas da aorta abdominal em rotura»


Ruy Fernandes e Fernandes

FEBVS. Assistente graduado de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte



A rotura do aneurisma da aorta abdominal (rAAA) é ainda hoje uma importante causa de morte na Europa e nos Estados Unidos, com taxas de mortalidade global, incluindo pré-hospitalar, até de 81%.

Nos doentes que são submetidos a tratamento a mortalidade varia de 18 a 65% e é influenciada pela centralização em hospitais de referência, a existência de protocolos de abordagem a doentes com rAAA, qualidade do transporte inter-hospitalar e cuidados pós-operatórios.

Com o advento da cirurgia endovascular aórtica, o rEVAR tem sido cada vez mais utilizado com possíveis vantagens em relação à cirurgia aberta (“open repair” – OR), sobretudo em doentes de alto risco e com anatomia favorável, o que tem sido demonstrado em múltiplos estudos observacionais e em meta-análises publicados. No entanto, 4 estudos randomizados comparando rEVAR e cirurgia aberta não mostraram diferenças significativas na mortalidade das duas técnicas.

A implementação de protocolos de abordagem global do doente com rAAA parece ser um fator decisivo para a redução da mortalidade em doentes com rAAA.

Estes protocolos devem contemplar diversos aspetos, como a transferência inter-hospitalar com a adoção de hipotensão permissiva, a realização célere de angioTC e determinação da aplicabilidade da anatomia do AAA para rEVAR, “sizing and planning” estandardizado, a existência de stock adequado e kits de rEVAR, ao treino de equipas multidisciplinares (cirurgiões, anestesistas, enfermeiros e técnicos de radiologia), realização de rEVAR sob anestesia local e inclusão de algoritmos de vigilância pós-operatória com deteção precoce da síndrome do compartimento abdominal.


Ruy Fernandes e Fernandes

"Foram tratados 205 doentes com rAAA"

Apresentamos a experiência do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte na abordagem de doentes com rAAA, incluindo AAA justa-renais (JR) e para-renais (PR), desde 2010 até à atualidade, com especial destaque para a introdução de um programa de rEVAR sistemático em 2021.

Neste intervalo de tempo foram tratados 205 doentes com rAAA, tendo sido excluídos doentes com aneurismas sintomáticos, aneurismas toracoabdominais em rotura e aneurismas com fistulas aortoentéricas. Foi proposta intervenção a todos os doentes com rAAA admitidos no hospital, à exceção de doentes em paragem cardiorrespiratória sem viabilidade para tratamento invasivo.

Desde a implementação do programa de rEVAR foram tratados 40 doentes, dos quais 23 foram submetidos a rEVAR (57,5%). As principais razões para a não realização de rEVAR foram a
presença de AAA JR/PR, a ausência de colo proximal para EVAR, a ausência de vasos de acesso adequados e a inexperiência do cirurgião em rEVAR com “endoclamping”.

Dos 23 casos de rEVAR, 11 foram realizados sob anestesia local (necessidade de conversão para anestesia geral durante o procedimento em 4 doentes), em 6 casos foi utilizado acesso percutâneo e em 7 doentes foi necessário “endoclamping” por instabilidade hemodinâmica.

Em dois casos foram utilizadas endopróteses AUI e nos restantes endopróteses bifurcadas (Cook Alpha Abdominal-17, Medtronic Endurant IIs-6). O sucesso técnico foi de 91% (1 caso de endoleak tipo IA; 1 caso de endoleak tipo III após utilização de conversor AUI).

"Foi possível obter uma redução de 14,5% na mortalidade"

A mortalidade aos 30 dias em todos os doentes com rAAA desde 2010 foi de 51,5% e no subgrupo OR foi de 54,1%. No subgrupo de doentes submetidos a rEVAR verificou-se uma mortalidade de 34,8%. Nos últimos 2 anos, desde a implementação do programa de rEVAR, observou-se uma importante redução da mortalidade face ao período de 2010-2020 (40,5% vs 55,0%).

O sucesso da introdução de um programa de rEVAR na nossa instituição demonstra o incremento de qualidade no tratamento destes doentes, não só pela introdução do rEVAR mas também pela introdução do protocolo global de abordagem ao doente com rAAA, à semelhança de séries publicadas de outros centros.

No nosso caso, foi possível obter uma redução de 14,5% na mortalidade da nossa série, face ao período prévio à introdução deste programa.

A inadequabilidade da anatomia do aneurisma para a realização de rEVAR é ainda um fator limitante, sobretudo quando relacionada com o colo proximal. O desenvolvimento futuro de endopróteses fenestradas/ramificadas “off-the-shelf” dedicadas para rAAA irá permitir expandir esta técnica a um grupo mais alargado de doentes.

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