Opinião

«Direitos reprodutivos – um tema sempre atual»


Carlos Calhaz-Jorge

Professor catedrático jubilado de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Autor do livro Infertilidade - Conceitos Fundamentais (LIDEL)



Os direitos reprodutivos estão em análise e discussão permanentes um pouco por todo o mundo, com evoluções díspares e, por vezes, traduzidas em restrição significativa das opções individuais, como é o caso dos Estados Unidos. Embora a discussão se centre muitas vezes no direito ao acesso à interrupção de gravidez por opção, não deixa de parte outras dimensões deste tipo de direitos. É o caso da infertilidade.

A infertilidade conjugal é reconhecida há muito pela Organização Mundial de Saúde como uma doença. Se a sua importância a nível pessoal foi, desde sempre, sentida por doentes e profissionais de saúde, o reconhecimento das suas implicações sociais tem vindo a aumentar, não só por razões de organização da sociedade (por exemplo, a procura de parentalidade em idades mais avançadas), mas também pela aceitação, em muitos países, do direito à reprodução por pessoas individuais e casais do mesmo sexo.

Adicionalmente, a dimensão psicológica da infertilidade reveste uma importância que nunca é demais realçar, quer para cada pessoa que sofre com a situação, quer no que diz respeito à relação entre as pessoas que necessitam de cuidados e os prestadores desses cuidados.



Carlos Calhaz-Jorge

A generalização do recurso a técnicas de procriação medicamente assistida (PMA) e a difusão da sua aceitação contribuiu para proporcionar descendência a muitos beneficiários dessas tecnologias, mas também levou à possibilidade da extensão do seu uso para situações não inicialmente consideradas no âmbito terapêutico da infertilidade. É o caso da concretização de tratamentos com o objetivo de efetuar testes genéticos pré-implantação de embriões que permitam identificar aqueles que são portadores de doenças monogénicas ou resultantes de rearranjos cromossómicos.

É também o caso da preservação do potencial reprodutivo em situações de doença que, por si ou pelos seus tratamentos, colocam em sério risco a reprodução futura, técnica que se estendeu à conservação de gâmetas, sobretudo ovócitos, na ausência de doença e apenas com o intuito preventivo de possíveis dificuldades reprodutivas futura (a idade feminina é um dos fatores mais importantes na reprodução humana).

E, para ser exaustivo, outro exemplo de extensão do uso de técnicas de PMA, muito discutido aliás, é a gestação de substituição, único recurso para reprodução para mulheres sem útero ou com doenças uterinas ou de foro sistémico que impeçam (ou, em absoluto, contraindiquem) uma gravidez.



No entanto, independentemente do uso refletido de todas as inovações técnicas que vão sendo disponibilizadas, a existência de técnicas sofisticadas não pode levar ao abandono da utilização de todas as armas clínicas clássicas, baseadas no raciocínio sobre conceitos fisiopatológicos básicos da reprodução. Ou seja, apesar de estarmos numa época em que muito se fala, aspira e espera da Inteligência Artificial, a integração clínica de todas as dimensões técnico/científicas e das repercussões individuais e sociais deve continuar a ser o paradigma da prestação de cuidados a quem deles necessite para a realização dos seus projetos de família. Esses conceitos fundamentais são explicitados num livro recentemente publicado.


Embora, por vezes, referido, é óbvio que os tratamentos de infertilidade nunca resolverão os problemas da baixa natalidade das sociedades ocidentais atuais, já que eles são o  resultado de novas perspetivas individuais de vida e de opções condicionadas por alterações na organização social dos nossos dias.

Esses tratamentos são, isso sim, um importante contributo para o direito a constituir família consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento emanado da Organização das Nações Unidas há quase 80 anos. Podemos dizer que o acesso a tratamentos de infertilidade tem como objetivo primordial contribuir para que cada pessoa tenha a descendência que deseja e quando a deseja.

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