Opinião

«Será que estamos preparados para uma mudança de paradigma na gestão da doença crónica em Portugal?»


Luís Filipe Barreira

Bastonário da Ordem dos Enfermeiros



Em 2050, estima-se que um terço da população portuguesa terá mais de 65 anos e uma em cada cinco pessoas ultrapassará os 80 anos de idade. Estes números, por si só, são suficientes para ilustrar uma profunda mudança no padrão demográfico, cujas implicações na sustentabilidade do Sistema de Saúde são inegáveis. O aumento da esperança de vida é um triunfo civilizacional, mas acarreta um aumento da prevalência de doenças crónicas.

Neste contexto, é imperativo repensar o modelo assistencial do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O paradigma centrado no hospital, orientado para o episódio agudo, é insuficiente para responder a uma realidade onde o que mais importa é acompanhar, monitorizar e capacitar o cidadão ao longo do seu percurso de vida.


É aqui que os enfermeiros assumem um papel determinante. O seu conhecimento clínico, a sua proximidade ao cidadão e a sua presença contínua em todos os níveis de cuidados conferem-lhes uma posição ímpar para assumir a liderança na gestão da doença crónica. Propomos, por isso, um modelo em que os enfermeiros assegurem o acompanhamento regular de doentes crónicos estáveis, quer no domicílio, quer nas unidades de cuidados de proximidade, permitindo libertar os médicos para as primeiras consultas e para os casos de maior complexidade.

Esta reorganização não é uma abstração teórica. É uma resposta concreta às exigências de um sistema que precisa de ser mais acessível e mais eficiente. Países como a Finlândia, o Reino Unido ou a Irlanda já demonstraram que o alargamento do papel dos enfermeiros melhora o acesso aos cuidados, reduz os tempos de espera e aumenta a satisfação dos utentes.

Recentemente, dados da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) revelavam que, até ao final do mês de junho de 2025, quase um milhão de pessoas em Portugal aguardavam por uma primeira consulta nos hospitais. Nestes números não entram as consultas nas áreas de Oncologia e de Cardiologia.

Sendo Portugal um país cada vez mais envelhecido, é expectável que estes números venham a aumentar ainda mais, razão pela qual devemos criar, o mais rápido possível, soluções e respostas adequadas aos desafios sociodemográficos do país. É, por isso, necessário que haja uma reorganização dos recursos humanos em Saúde. E, neste sentido, à semelhança de outros países que já deram este passo, Portugal precisa de reconhecer o papel crucial dos enfermeiros na gestão da doença crónica.

O estudo Nurse Practitioners’ Practice Patterns in Primary Care in Finland descreve, de forma elucidativa, o impacto deste modelo: os enfermeiros especialistas (nurse practitioners) realizam consultas de seguimento a doentes com patologias agudas ou crónicas, desenvolvem avaliação de saúde, aconselhamento e acompanhamento personalizado, em estreita colaboração com os médicos. O resultado é um sistema mais responsivo e centrado na pessoa, garantindo-se, simultaneamente, uma continuidade de cuidados.


Luís Filipe Barreira

Em Portugal, os enfermeiros já detêm as competências técnicas e científicas necessárias para assumir estas funções. Dispõem de formação avançada em gestão da doença crónica e têm uma relação de proximidade com os cidadãos, que é essencial para garantir uma boa adesão terapêutica e para promover o autocuidado. É preciso que as políticas de Saúde e a organização dos serviços acompanhem esta evidência, que já é bastante clara em muitos países.


A transformação do SNS passa por reconhecer a enfermagem como um pilar na prestação de cuidados de saúde. É necessário criar um enquadramento legal e organizacional que permita aos enfermeiros exercer as suas funções de acompanhamento a doentes crónicos, com autonomia clínica, ainda que numa lógica de articulação interdisciplinar.

Esta mudança trará benefícios inequívocos, designadamente, maior capacidade de resposta, menor pressão sobre os Cuidados Hospitalares e os Cuidados de Saúde Primários e uma melhoria significativa na qualidade de vida das pessoas com doença crónica. Não obstante, todas as mudanças que venham a ser introduzidas no âmbito da prestação de cuidados por parte dos enfermeiros têm de ser acompanhadas de reconhecimento e valorização profissional. Não podemos aumentar as exigências de trabalho e as responsabilidades sem que haja um retorno remuneratório adequado. Os enfermeiros são, hoje em dia, profissionais de Saúde altamente qualificados e preparados para dar resposta às diferentes exigências no âmbito dos cuidados de saúde.


Nota: Este artigo de opinião foi escrito para a edição de novembro 2025 do Jornal Médico, no âmbito da colaboração bimestral de Luís Filipe Barreira.

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