Opinião
A sexualidade e o contributo do enfermeiro de família para o desenvolvimento social
Pedro Melo
Especialista em Enfermagem Comunitária. Professor auxiliar convidado do Instituto de Ciências da Saúde/Escola de Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa
Para o Diagnóstico de Enfermagem deste mês, proponho uma reflexão sobre um tema estruturante de uma sociedade em transformação: a sexualidade.
Enquanto conceito que transcende a nossa existência corpórea, a sexualidade e as evidências sobre a evolução do seu conceito quase que tocam o sentido de espiritualidade. O sentido de significado da vida e a transcendência do que é físico num sentido que é maior do que cada pessoa em si mesma, atribuído à espiritualidade, é o mesmo sentido que se pode atribuir à sexualidade enquanto essência de nós enquanto Ser Biológico, Psicoafetivo, Social e Cultural.
A História da Humanidade, no que respeita à sexualidade, tem demonstrado uma permanente busca por uma firmeza coletiva no sentido da harmonia social e numa perspetiva individual, na aceitação de cada pessoa no que respeita a si mesma e aos outros na relação consigo e com o Mundo.
Nesta busca por firmeza, elementos como o conhecimento, as crenças e os próprios comportamentos têm ditado estórias dentro da História que hoje, em pleno Século XXI, ainda encontram muros de infirmeza que exigem um sentido de empoderamento comunitário para a promoção de uma sociedade mais desenvolvida no contexto humanitário.
A Enfermagem encontra-se na desconstrução destes muros de infirmeza, garantindo um futuro da sociedade potencialmente mais respeitador das diferenças e mais equitativo na diversidade que a própria sexualidade encerra.
Pedro Melo
Seja no contexto dos cuidados aos indivíduos ao longo do ciclo de vida, seja no contexto comunitário, como a saúde escolar, é um bom exemplo, ou mesmo no contexto da saúde no trabalho, considerando as ainda existentes desigualdades de género neste âmbito, os enfermeiros são peças-chave no desenvolvimento da sociedade, no que à sexualidade diz respeito.
Na história familiar, por exemplo, o sexo biológico tem sido um marco no desenvolvimento de rituais familiares, no que se refere a uma relação com a expressão sexual.
Logo que a ecografia deteta um sexo biológico, é comum a procura de cores rosa ou azul e de elementos socialmente moduladores de um género que se quer, ainda que inconscientemente, associado ao sexo.
O enfermeiro de família deve desconstruir a relação tantas vezes inconsciente entre sexo biológico e expressão de género, promovendo desde as consultas de saúde materna a construção de crenças promotoras do respeito pela diversidade e de um incremento dos conhecimentos das famílias sobre os processos ilimitadamente não padronizados de conjugações da sexualidade, no que diz respeito ao sexo biológico, expressão de género, identidade de género e orientação sexual.
Numa sociedade em transformação, o enfermeiro de Saúde Familiar precisa assumir uma intencionalidade na normalização da complexidade e diversidade na expressão de género, pois, é na célula familiar que se constroem os alicerces das crenças e valores que condicionam as barreiras ou são facilitadores de interação da diversidade pelos indivíduos na sociedade.
Mas também no contexto da Saúde Escolar se promove um ambiente de construção na interação com o contexto de socialização complementar à família e onde os enfermeiros, nos cuidados que prestam às comunidades escolares, promovem uma gestão comunitária intencionalmente orientada para o desenvolvimento social.
A orientação sexual, que condiciona a energia com que procuramos o Amor e a forma como as paixões condicionam a nossa interação com o nosso projeto de vida, é um dos domínios mais complexos da sexualidade, confundido muitas vezes com a expressão de género (que em nada se coaduna com os azuis e rosas que mais parecem a preto e branco), ou com a identidade de género (num contexto onde as leis humanas promovem já a possibilidade de alinhar o biológico com o espiritual através de cirurgia, formalização da identidade na cidadania e otimização do coping).
Nas consultas de Enfermagem de Saúde Infantil e Juvenil, nas consultas de Enfermagem nos Centros de Atendimento a Jovens e nos meios de comunicação terapêutica entre os enfermeiros e as pessoas de várias idades, a sexualidade deve ser encarada como uma dimensão que deve ser abordada do ponto de vista do diagnóstico, da intervenção e da avaliação de ganhos em saúde, individuais e coletivos.
A Enfermagem, deste modo, é a profissão e a ciência que potencialmente pode promover um futuro de firmeza na construção de uma espiritualidade coletiva positiva, alicerçada na sexualidade.