A intercomunicação desta Unidade de Ortogeriatria permite «abordar globalmente o doente»

Quase a completar uma década de vida ao serviço da população de Vila Nova de Gaia e Espinho, o trabalho realizado por esta Unidade de Ortogeriatria é inquestionável, e prova disso são os seus resultados:

Em 2023, registou uma demora média de internamento de nove dias e uma taxa de mortalidade de 1,4%, “uma percentagem muito abaixo dos 4 a 7% apontado pelas referências científicas para a mortalidade intra-hospitalar” e que, para a sua coordenadora, Rafaela Veríssimo, se deve a vários fatores.

“O segredo é conseguir ter uma equipa comunicativa, que partilha decisões e em que cada um sabe o plano que tem de elaborar, conhecendo também as perspetivas dos colegas e dos outros profissionais de saúde. Adicionalmente, é preciso privilegiar a ligação com os doentes e as famílias e respeitar todas estas componentes”, realça.



"Não basta tratar a doença aguda ou controlar a doença crónica"

Considerando essas premissas, a médica evidencia ainda que, “para um bom atendimento ao doente idoso, não basta tratar a doença aguda ou controlar a doença crónica. É preciso considerar aspetos relacionados com a sua funcionalidade e as vertentes emocional, nutricional e social, para que o doente regresse a casa na sua plena autonomia”.

Por isso mesmo, são muitas vezes realizadas conferências familiares com a presença de médicos, enfermeiro de reabilitação, fisioterapeuta e nutricionista, para além do próprio doente e seu familiar, “com vista à partilha de informação sobre os cuidados a ter, à data da alta, do ponto de vista da reabilitação e da reconciliação terapêutica, em que são elaboradas todas as intervenções, incluindo a nutricional”.

Um mês depois, segue-se a Consulta de Geriatria, “mantendo-se uma porta aberta, porque é difícil levar um doente idoso para casa, uma vez que, frequentemente, podem surgir dúvidas e inseguranças”.

Ao longo do tempo, dados estatísticos mostram que 70% dos doentes desta Unidade são do género feminino, o que a médica considera relacionar-se com fatores sociais e hormonais, uma vez que “a osteoporose é mais prevalente nas mulheres”.

A média de idades situa-se nos 83 anos e a maioria é admitida através do Serviço de Urgência.


Rafaela Veríssimo


“O doente não é seguido por um médico ou por uma especialidade, mas por todos”

Com uma equipa multidisciplinar, esta Unidade de Ortogeriatria – um projeto do Serviço de Medicina Interna, que acontece num espaço conjunto com a Ortopedia – compreende médicos internistas com competência em Geriatria e em formação na mesma área, internos de MI e de outras especialidades em estágio e enfermeiros partilhados pelos serviços de MI e Ortopedia, contando ainda com o apoio de internos e especialistas de Ortopedia e Fisiatria, fisioterapeutas, nutricionista, assistente social e farmacêutico.

Para a coordenadora da Unidade, o número crescente de camas exige um quadro médico experiente e com formação em Geriatria. “Habitualmente, temos uma taxa de ocupação que supera os 100% porque, além das nossas sete camas, são ocupadas outras da Ortopedia, de acordo com as necessidades.” Há uma clara flexibilidade, pelo que, também quando acontece haver camas disponíveis, estas são usadas por outros doentes.

Também contribui para essa necessidade o facto de a equipa se dedicar a mais dois níveis de atendimento – o da Consulta de Geriatria e o da consultadoria aos demais serviços hospitalares, à exceção da Pediatria.



Apesar das dificuldades, reconhece que, “com muita motivação, tem-se conseguido trabalhar com uma boa taxa de eficácia”. E defende que essa é a dinâmica mais certeira, “com o trabalho de equipas multidisciplinares, em que o doente não é de um médico ou de uma especialidade, mas de todos, e cada um vai fazer o que sabe melhor para que ele melhore”.

Desenvolvimento de projetos com outros profissionais

A nível intra-hospitalar, Rafaela Veríssimo avança que estão a ser desenvolvidos projetos com alguns serviços, concretamente com o de Medicina Física e de Reabilitação, para garantir o acompanhamento dos doentes até estes ingressarem nas clínicas de reabilitação da comunidade.

Dada a articulação com a Reumatologia, para breve, está projetada por esta especialidade a criação de uma Consulta de Fracture Liason Services (FLS), a fim de “manter a prevenção secundária de osteoporose e evitar novas fraturas”.

Com a constituição das ULS, a nossa interlocutora espera que seja possível “uma articulação de forma muito mais próxima com os colegas dos CSP e fazer uma ponte de ligação
entre a alta hospitalar, o processo de reabilitação na comunidade e a MGF, porque o médico de família é muito importante no seguimento destes doentes”.

Com o arranque da Consulta de Oncogeriatria previsto para este ano,  a médica espera também vir a desenvolver um projeto de apoio à mesma. A grande ambição da equipa consiste na retoma do Internamento de agudos de doentes geriátricos de MI, que existia em Espinho. Contudo, reconhece que “enquanto a equipa médica não for reforçada será difícil concretizar um plano tão ambicioso”.



“Num país com uma população tão envelhecida, tem de haver cuidados geriátricos”

Após o CHVNG/E, o CH Lisboa Ocidental foi o segundo a constituir uma Unidade de Ortogeriatria, pelas mãos da internista Sofia Duque, e o mesmo sucedeu noutros hospitais, principalmente na região de Lisboa.

Rafaela Veríssimo espera que muitos mais possam seguir o exemplo, contudo, nota haver algumas dificuldades associadas, como o facto de a formação em Geriatria não ser obrigatória durante o internato de Medicina Interna nem no ciclo de estudos de Medicina de diversas faculdades. As mais-valias são evidentes, ainda que, por vezes, não sejam reconhecidas:

“Pergunta-se muito qual é a vantagem destas unidades. Para além da redução do tempo de internamento, de complicações, da mortalidade e do número de referenciações à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, e de favorecer uma maioria autonomia dos próprios doentes, a verdade é que também há uma otimização dos recursos humanos, sem necessidade de aumentar gastos em termos de equipamentos e de infraestruturas. Por isso é que é reproduzível em qualquer hospital. Só não surgem mais unidades deste tipo por desconhecimento das vantagens associadas à abordagem geriátrica.”

A coordenadora avança mesmo que, durante um quadrimestre de 2023, foi feito um levantamento estatístico que procurou comparar a experiência entre grupos homogéneos de doentes com fratura do fémur internados na Unidade e no Serviço de Ortopedia e as conclusões foram elucidativas quanto à redução da mortalidade e das complicações na primeira, o que “significa que há mais benefício para o doente”.

Por sua vez, também “cada um de nós sente esse reconhecimento, o que é uma vantagem para que a equipa trabalhe realizada”.



Na sua opinião, não há qualquer dúvida: “Num país com uma população tão envelhecida, tem mesmo de haver cuidados específicos geriátricos.” Por isso, “um caminho possível poderá ser a criação da subespecialidade, quer pelo número elevado de idosos, quer pelas suas particularidades, porque, apesar de a MI ser uma especialidade holística, é preciso diferenciar alguns aspetos relacionados com os doentes idosos e não com as doenças”.

"A mais-valia da intervenção geriátrica multidisciplinar”

Como forma de sensibilizar os colegas para este tipo de cuidados, a Unidade de Ortogeriatria da ULS de Gaia e Espinho realiza ainda formações no campo da Geriatria, que incidem sobre a avaliação prática dos doentes, nas áreas de Enfermagem e de Nutrição, “para que todos os profissionais possam ficar mais motivados e envolvidos nesta matéria e os cuidados possam ser mais homogéneos”.


Dedica-se ainda à área da investigação, tendo já realizado projetos -- envolvendo, nomeadamente, a Enfermagem e os Serviços Farmacêuticos -- apresentados em congressos, o que Rafaela Veríssimo considera importante por “demonstrarem a mais-valia da intervenção geriátrica multidisciplinar”.




Na edição de maio do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados de maio pode ler a reportagem completa, com entrevistas a vários profissionais da equipa e aos diretores dos serviços de Medicina Interna e de Ortopedia.

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