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Apoio social em Psiquiatria: visitas domiciliárias evitam a descontinuação da terapêutica

A atividade de Patrícia Plácido, assistente social no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, desenvolve-se muito para lá do gabinete do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental, que partilha com uma colega:


“Fazemos muitas visitas domiciliárias e articulamo-nos com os serviços na comunidade, quer sejam organizações não-governamentais, IPSS, ordens religiosas ou centros de dia, por exemplo.”

Como faz questão de frisar à Just News, “não conseguimos prestar os melhores cuidados aos nossos doentes apenas com uma intervenção dentro das paredes deste Serviço".

Nesse sentido, sublinha, "é fundamental a articulação com os recursos na comunidade, quando a família não pode ser uma opção e, mesmo não sendo esse o caso, para que possam ter acesso a meios que os ajudem no seu processo de recuperação”.



Mesmo com a pandemia, "tínhamos de manter o acompanhamento"

Apesar de alguns destes apoios sociais terem ficado em causa no último ano, por causa da pandemia, as visitas domiciliárias continuaram a ser feitas.

“Tem havido menos porque as solicitações também têm sido em menor número, mas, como é óbvio, tínhamos sempre que manter o acompanhamento de algumas situações, nomeadamente, para se evitar a descontinuação da terapêutica e, por conseguinte, a descompensação do doente”, revela Patrícia Plácido.

Antes do eclodir da pandemia, aquelas visitas incluíam, regularmente, a presença de um médico do Serviço. “Gosto muito de trabalhar em equipa. Os médicos, nomeadamente, os mais novos, têm muita vontade de ir connosco para verem qual a realidade em que vivem os doentes, o que os poderá ajudar a entender melhor determinados comportamentos”, considera a nossa interlocutora.

Encontrar soluções exige "grande resiliência da nossa parte"

Do ponto de vista social, as visitas são essenciais, mas também o é a reintegração na comunidade após a alta clínica. O problema é que isso nem sempre é fácil de concretizar: “Há poucas vagas, as entidades que se dedicam a estas patologias têm constrangimentos de diversa ordem e isso exige uma grande resiliência e criatividade da nossa parte.”



Outro entrave prende-se com a própria inadequação das respostas sociais. Patrícia Plácido dá o exemplo da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RCNNI), que “foi criada a pensar em pessoas idosas e dependentes do ponto vista físico, mas a verdade é que a maioria das que têm uma doença mental não está nessa situação, não devendo ficar inativas”. Quanto aos projetos-piloto da RNCCI de Saúde Mental, sente uma certa frustração por não se ter ainda avançado.

Mesmo assim, lembra, “as perspetivas eram piores quando comecei a trabalhar no Serviço de Psiquiatria. Hoje em dia, já se fala mais de doença mental e de saúde mental. Espero, aliás, que a pandemia de covid-19 ajude a perceber a real necessidade de se apostar mais nesta área tão essencial à qualidade de vida da população”.

É exatamente a dificuldade em encontrar apoios sociais adequados para os casos que vai tendo para resolver que deixam Patrícia Plácido angustiada. Mesmo assim não desiste. “É preciso ter resiliência e persistência, acima de tudo! Isso treina-se muito neste Serviço!”, revela. Também conta muito o apoio dos outros elementos da equipa.

“Somos apenas duas assistentes sociais, o que é pouco, mas também temos a sorte de integrar um grupo em que os seus membros se preocupam uns com os outros”, salienta.

Há mais de 15 anos no Serviço de Psiquiatria

No dia 3 de janeiro de 2005, Patrícia Plácido aceitou o desafio de integrar a equipa do Serviço de Psiquiatria e de Saúde Mental do Hospital de Santa Maria. Apesar de estar sob a direção do Serviço de Serviço Social e Gabinete do Cidadão, é na Psiquiatria que tem dado apoio desde esse dia.

“Foi o meu primeiro emprego. Antes tinha apenas realizado o estágio no Serviço de Nefrologia do Hospital Fernando Fonseca e, desde então, nunca mais deixei esta equipa”, conta à Just News.

A assistente social admite que “foi um choque” quando chegou a Santa Maria: “É um hospital muito grande e dá sempre aquela sensação de que estamos perante um autêntico novo mundo, mas no mesmo dia também começou a trabalhar aqui uma colega que ficou ligada ao Serviço de Infeciologia e apoiámo-nos uma à outra.”

Patrícia Plácido iniciava o que se veio a revelar uma enorme caminhada num Serviço “onde se privilegia o trabalho em equipa multidisciplinar, o que é essencial numa área tão exigente”.



Patrícia Plácido

Ser assistente social em Psiquiatria “é um grande desafio, estamos sempre a aprender, somos confrontadas constantemente com problemáticas e até intervenções diferentes”.

Dos primeiros tempos ficou na memória a sensação menos agradável de ver os doentes do Internamento fechados, mas hoje em dia percebe que esse facto não a impede de estabelecer uma relação com quem necessita de cuidados há vários anos por causa da cronicidade da sua patologia. “A doença mental grave exige um acompanhamento permanente e essa relação com o doente é muito importante para mim”, reforça.

Contudo, há sempre altos e baixos nesse relacionamento que se estabelece: “Por causa da doença em si, ele pode, por vezes, ser quebrado ou tornar-se mais instável. Mas isso faz parte da especificidade destes problemas de saúde, não se deve a mais nada.”

A necessidade de fomentar essa proximidade não se limita apenas a quem precisa de cuidados, envolvendo inevitavelmente os cuidadores, que são, na maioria dos casos, os familiares do doente. É com eles que Patrícia Plácido também fala muitas vezes para resolver situações e para estar a par das suas necessidades. “O pior é o desgaste e o cansaço, sobretudo se também sofrem de uma patologia do foro mental ou se têm de cuidar de mais filhos doentes. Não podemos esquecer a componente genética na Psiquiatria”, sublinha.



A assistente social defende que se disponibilize mais apoio aos cuidadores informais, que se veem, por vezes, impedidos de receber o familiar em casa, após a alta hospitalar. “Chegam a um ponto em que não conseguem ajudar mais e, nesse caso, o nosso papel é encontrar respostas na comunidade”, afirma.

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