CHTV trata cancro do endométrio usando técnica cirúrgica menos agressiva e mais eficaz
A pesquisa de gânglios sentinela através da técnica de verde de indocianina revela-se bastante "promissora e válida", adianta Nuno Nogueira Martins, coordenador da Unidade de Ginecologia Oncológica do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV), que tem investido na realização deste procedimento nos casos de cancro do endométrio.
Classicamente tido como um cancro pouco prevalente na população europeia, Nuno Nogueira Martins admite que o aumento dos fatores de risco, nomeadamente da obesidade, do sedentarismo e da longevidade, transformou o cancro do endométrio num dos mais frequentes nos países civilizados, com tendência a crescer nas próximas décadas.
“Apesar de uma pequena percentagem destes cancros ter origem genética ou dever-se à presença de pólipos no endométrio, a grande maioria é consequência do estilo de vida”, refere.
Surgindo, na sua maioria, em mulheres acima dos 50 anos, o ginecologista refere que o principal sinal de alerta é a ocorrência de hemorragia durante a menopausa. “É uma manifestação ótima que a doença nos dá, permitindo-nos fazer o diagnóstico num estádio muito precoce, ao contrário do que acontece no caso do cancro do ovário, por exemplo, traduzindo-se já em doença muito avançada”, realça. No entanto, adverte que o excesso ponderal desde a infância tem impulsionado o surgimento cada vez mais precoce deste tipo de cancro.
A partir desta sintomatologia, parte-se para estudos de imagem, como a ecografia ginecológica, avançando- se depois para o diagnóstico através de biópsia dirigida. “A forma
minimamente invasiva, com a biópsia na lesão mais suspeita, veio substituir a clássica curetagem uterina, permitindo a pesquisa da doença de uma forma mais precisa e menos agressiva, além de ser feita sem recorrer a anestesia ou analgesia, com as doentes acordadas”, explica.
Nuno Nogueira Martins: “Só a multidisciplinaridade é que permite que a técnica do gânglio sentinela se realize"
Percorrendo a história da doença, segue-se o tratamento cirúrgico, selecionando-se com base no estádio e na agressividade da patologia as candidatas a submeter-se à técnica de verde de indocianina. “As senhoras cuja doença suspeitamos estar num estado mais avançado ou ser mais agressiva ficam excluídas do procedimento”, nota, explicando que, havendo condições para fazer tratamento cirúrgico, “tenta remover-se toda a área tumoral visível”.
Quando tal já não é possível, por metastização de outros órgãos, é privilegiada a realização de radio, quimio e/ou hormonoterapia para reduzir a doença, e só depois a cirurgia, se houver resposta. Ao mesmo tempo, o critério para fazer gânglio sentinela está pendente de decisão terapêutica multidisciplinar.
Havendo a possibilidade de o cancro se disseminar, invadindo o organismo através das vias linfáticas, o verde de indocianina – através de uma injeção no colo do útero – tem a capacidade de migrar nos canais linfáticos até identificar os nódulos e ser detetável por infravermelhos. É através desses nódulos, denominados gânglios sentinela, que – ainda intraoperatoriamente – o anatomopatologista consegue diagnosticar a existência de metástases.
“Habitualmente, existe um gânglio linfático à esquerda e outro à direita, mas pode dar-se o caso de se contar mais do que um, ou de estarem distribuídos noutros locais”, observa o médico, que explica que a deteção de metástases apenas vai servir como informação e influenciar o tratamento posterior, não se procedendo ao esvaziamento.
“Seja o gânglio sentinela positivo ou negativo, não esvaziamos, só o fazemos se não existir migração do verde de indocianina, o que pode significar uma obstrução linfática por tumor, que precisa de ser confirmada”, refere. “Nesta doença, nos seus estádios iniciais, o facto de retirarmos mais gânglios da parede pélvica não melhora o prognóstico da doença, pelo que, no fundo, é apenas preciso ter a certeza da existência de metástases para decidir o melhor tratamento futuro”, realça.
De forma diferida, é realizado um segundo exame mais completo dos gânglios, com o objetivo de fornecer um diagnóstico confirmatório. Tendo esta técnica de pesquisa de gânglio sentinela através de verde de indocianina de passar por um período de validação, este Serviço está a executá-la ainda em ambiente de protocolo de estudo. Esta situação implica que a conduta cirúrgica que era adotada previamente não se altere até serem conhecidos os resultados.
“Só poderemos considerar que a técnica é válida se os resultados da remoção dos gânglios sentinela forem os mesmos da recolha de todos os gânglios”, elucida.
Acreditando que o seu Serviço será dos primeiros a empregar esta técnica em Portugal, Nuno Nogueira Martins lamenta que a partilha de informação não seja tão completa como deveria ser, não se sabendo, muitas vezes, “quem está a praticar o quê e em que fase”. Entretanto, estará iminente a divulgação, a nível nacional, do primeiro lote de resultados, que respeitam aos primeiros 20 casos realizados em Viseu, em artigo já submetido para publicação.
Apoio multidisciplinar garante sucesso do procedimento
Nuno Nogueira Martins admite que a presença de uma equipa multidisciplinar é fundamental em todo o processo, devendo ser constituída, aquando da cirurgia, por “um anestesista e um grupo de enfermagem experientes, que conheçam os materiais e saibam como manuseá-los, cirurgiões capazes de realizar a técnica e um patologista, responsável por fazer o exame intraoperatório dos gânglios”.
Será este último especialista a “fornecer a informação que vai permitir tomar decisões durante o tempo cirúrgico, avançando-se ou não para uma linfadenectomia, por exemplo”.
Ao mesmo tempo, o ginecologista valoriza o apoio cirúrgico que existe no hospital, dado que, “muitas vezes, estas doenças obrigam a invasão de outros órgãos. E o facto de haver uma equipa de Cirurgia Geral muito experiente na via laparoscópica impede que, no caso de envolvimento intestinal, por exemplo, o especialista tenha que operar por via aberta”.
O ginecologista estende este reconhecimento aos colegas da Urologia e da Cirurgia Vascular que, “com a sua experiência em via minimamente invasiva, permitem que haja um bom desfecho cirúrgico”.
Ainda a este nível, Nuno Nogueira Martins reconhece o contributo da Radioterapia do CHU de Coimbra, enquanto o Centro Oncológico do CHTV não for inaugurado.
“A Oncologia Médica do nosso CH assegura o tratamento por quimioterapia destas doentes, que também são acompanhadas durante pelo menos cinco anos na Consulta de Ginecologia Oncológica, para garantir que não há recidivas ou para serem diagnosticadas atempadamente”, refere.
Este acompanhamento oncológico é assegurado ainda por um grupo multidisciplinar constituído por psicólogo, psiquiatria e nutricionista. Isto para além da equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos que, “apoiando as doentes que estão em fase de fim de vida ou em que se adivinha um mau desfecho, trouxe um novo patamar de qualidade aos cuidados prestados”.
Nuno Nogueira Martins realça o apoio da Nutrição, dado que a maioria destas doentes são obesas e têm síndrome metabólica. “A grande maioria das nossas doentes tem um índice de massa corporal superior a 30, o equivalente a obesidade”, observa, salientando que, “apesar de ser mais fácil realizar laparoscopia em senhoras magras, são as mais obesas que mais necessitam e beneficiam desta técnica”. Neste contexto, tem-se avançado para a referenciação destas doentes para os colegas da Cirurgia Geral, para a realização de cirurgia bariátrica, quando possível.
A origem da técnica do verde de indocianina
Abordando a origem desta técnica e a sua evolução nos diferentes campos, Nuno Nogueira Martins explica que este fenómeno remonta a 1852, quando George Gabriel Stokes percecionou que o metal fluorite emitia luz azul após exposição a luz ultravioleta. Mais tarde, foi utilizado enquanto corante para fotografia pela Kodak e em 1957 teve o primeiro uso na Medicina, em angiografias da retina na Clínica Mayo.
Em 2003, foi realizado o primeiro procedimento cirúrgico recorrendo a verde de indocianina para pesquisa de gânglio sentinela, no Kettering Cancer Center.
No Serviço de Ginecologia do CHTV, esta técnica foi utilizada pela primeira vez em 2018, voltando a ser realizada, já de forma sistemática, dois anos depois, após a aquisição de material específico, como uma câmara de infravermelhos.
Apesar de não ser ainda realizado por rotina, este procedimento promissor já é reconhecido quer nos consensos nacionais como internacionais como válido, quando confirmado em ambiente de estudo.
Técnica de verde de indocianina no cancro do endométrio vence prémio europeu
“Surgical technique: indocyanine green and infrared fluorescence in sentinel lymph node mapping in endometrial cancer” é o nome do trabalho que foi contemplado com o prémio de melhor vídeo de técnica cirúrgica, no 27.º Congresso Europeu de Ginecologia e Obstetrícia.
Num vídeo de cerca de quatro minutos, “ilustrámos as tipificações atuais, a forma como utilizamos o verde de indocianina no cancro do endométrio e a própria cirurgia no que toca à pesquisa do gânglio sentinela com esta técnica minimamente invasiva”, refere Nuno Nogueira Martins.
“Para nós, foi uma honra e uma agradável surpresa recebermos este prémio, quando há sempre vídeos muito bons de várias instituições de referência internacionais”, destaca o especialista, que esteve a acompanhar este congresso presencialmente em Atenas e, em representação da primeira autora, subiu ao palco para receber o prémio.
No entanto, enaltece que se trata de um “reconhecimento merecido pelo investimento que fizemos nesta técnica e pelo trabalho que temos vindo a desenvolver”, notando que “estas formas de congratulação são muito importantes para nos dar alento para continuar”. Este grupo de trabalho conta agora com um certificado e a oferta de uma inscrição para a próxima edição.
A reportagem completa pode ser lida na edição de novembro/dezembro do jornal Hospital Público, que inclui entrevistas a vários profissionais do CHTV.