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Insuficiência Cardíaca: A «verdadeira revolução» das novas guidelines europeias

“Tal como acontece no cancro, a insuficiência cardíaca (IC) exige um tratamento urgente, com múltiplos medicamentos, não se podendo manter a atual abordagem terapêutica de introdução gradual e titulação lenta dos fármacos modificadores de prognóstico.” O alerta é de José Silva Cardoso, cardiologista e membro da comissão organizadora do 4th Advances in Heart Failure 2021, que se realiza hoje e amanhã, em formato virtual.

A Faculdade de Medicina da Universidade do Porto reúne, online, 90 peritos com uma audiência de cerca de mil participantes, para serem abordadas as mais recentes guidelines na área da IC, apresentadas no Congresso de 2021 da Sociedade Europeia de Cardiologia, que decorreu entre 27 e 30 de agosto, em formato virtual.

José Silva Cardoso, coordenador da Clínica de Insuficiência Cardíaca e Transplante do Centro Hospitalar Universitário de S. João, não tem dúvidas: “As novas recomendações são uma verdadeira revolução e vão contribuir decisivamente para melhorar o tratamento, o prognóstico e a qualidade de vida destes doentes.”

A revolução em curso, no que concerne a estratégia para o tratamento da Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Reduzida (ICFEr), foi despoletada por um "artigo visionário", publicado em dezembro de 2020, por John McMurray e Milton Packer, o qual  estabeleceu uma mudança de paradigma, conforme explica o especialista:

Se, até então, a abordagem preconizada passava pela introdução paulatina, durante alguns meses, de três fármacos modificadores de prognóstico (os IECAs ou ARAs, os bloqueadores-beta e os antagonistas dos recetores mineralocorticoides), atualmente defende-se a introdução, com carácter de urgência (no curto intervalo de 1 mês), de 4 fármacos modificadores de prognóstico (o sacubitril/valsartan ou  um IECA + um bloqueador-beta + um antagonista dos recetores mineralocorticoides + um inibidor da SGLT2).

Após este período, segue-se a titulação destes fármacos até às doses maximamente toleradas, no intervalo de 8 semanas.

“A substituição dos IECAs pelo sacubitril/valsartan deve-se à superioridade do impacto prognóstico deste último. A introdução dos inibidores SGLT2 decorre dos resultados de estudos recentes, mostrando uma melhoria adicional muito significativa do prognóstico, quando estes fármacos foram adicionados a regimes terapêuticos otimizados que incluíam já os 3 fármacos anteriormente referidos”, explica José Silva Cardoso.


José Silva Cardoso

Para o médico, esta é uma mudança muito significativa que necessitará de “um esforço grande de divulgação” entre todos os clínicos que se dedicam ao tratamento dos 400 mil portugueses com IC, entre os quais se salientam cardiologistas, internistas e especialistas em Medicina Geral e Familiar.

Silva Cardoso está otimista quanto à implementação na prática clínica diária desta mudança da estratégia terapêutica. Contudo, como se trata de uma abordagem mais agressiva, acrescenta que é essencial aumentar a monitorização regular dos doentes, quer em consulta presencial, quer através da telemedicina. “Os problemas que poderão mais frequentemente ocorrer são a hipotensão, a deterioração da função renal e a hipercalemia, a qual pode levar a arritmias, potencialmente fatais.”

É assim um “desafio” para todos. “Tem de se apostar em equipas multidisciplinares e integradas, para que esta vigilância mais apertada possa ser uma realidade a nível nacional.”

COVID-19 e IC: A oportunidade da telemedicina

Além de muitos outros temas, esta reunião abordará também o impacto da covid-19 durante o último ano e meio. Para José Silva Cardoso, a ameaça do novo vírus acabou por ser uma oportunidade para se apostar mais na telemedicina, sob as mais diversas formas, quer teleconsulta, telemonitorização ou telerreabilitação.

E dá como exemplo o Centro Hospitalar Universitário São João, onde se conseguiu otimizar o seguimento à distância. “O recurso à telemedicina permitiu aumentar a acessibilidade a consultas (presenciais ou à distância), diminuir os custos e aumentar a proximidade entre os doentes e o seu médico.”


José Silva-Cardoso, Emília Moreira (coordenadora executiva do evento) e Elisabete Martins (copresidente da Advances in Heart Failure)

Realça ainda que a telemedicina facilita a adesão terapêutica e aumenta a sensação de segurança dos doentes com IC, aspetos que considerou da maior relevância. “Um tanto paradoxalmente, a telemedicina revelou ter um impacto psicológico muito positivo, facto ainda mais relevante quanto se sabe que a IC está, muitas vezes, associada à sensação de isolamento, à depressão e a défice cognitivo.”

Quanto ao que pode ter corrido menos bem neste tempo de pandemia, refere o possível atraso no diagnóstico. “O SNS, nomeadamente os cuidados primários, têm estado muito sobrecarregados com tarefas associadas à covid-19 e isso pode, de facto, ter dificultado o acesso aos cuidados de saúde por parte dos doentes com IC. A MGF é uma especialidade fundamental na IC, porque tem um contacto de proximidade e um conhecimento mais global do doente e de toda a sua envolvência.”

Quem não puder assistir às conferências em direto, terá acesso às mesmas posteriormente, segundo José Silva Cardoso.

 

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