Mastectomia radical modificada feita em ambulatório no Hospital de Santarém
Diagnosticadas com cancro na mama, as mulheres chegam manhã cedo à unidade de cirurgia de ambulatório do Hospital Distrital de Santarém para serem intervencionadas. Algumas delas, num único tempo cirúrgico, serão submetidas a uma mastectomia modificada + esvaziamento axilar + reconstrução mamária. Terão alta menos de 24 horas depois!
A equipa cirúrgica liderada por Madalena Nogueira, diretora do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia do Hospital Distrital de Santarém e coordenadora da Unidade de Senologia, iniciou a primeira quinta-feira de julho precisamente com uma mastectomia radical modificada, uma das duas intervenções que a Just News acompanhou neste dia. A certa altura, entrou na sala o cirurgião plástico Ribeiro de Carvalho, para tratar da reconstrução mamária.
Depois de almoço, uma segunda mulher, com cancro da mama bilateral, submeteu-se a um procedimento com complexidade semelhante. Embora não se tenha tratado de uma cirurgia radical amputativa, a circunstância de serem dois tumores e de a operação incluir uma redução mamária substancial (retirada de um volume total de uns dois quilos e meio), obrigou a formar duas equipas de cirurgia, que atuaram em simultâneo. No dia seguinte, sexta-feira, as duas doentes intervencionadas haveriam de ter alta, tal como programado.
Madalena Nogueira
A Unidade de Senologia do HDS já era, segundo Madalena Nogueira, pioneira no tratamento do cancro da mama com cirurgia conservadora (com ou sem gânglio sentinela) em ambulatório. “As doentes entram de manhã, fazem a tumorectomia e vão-se embora depois de almoço”, esclarece a médica, prosseguindo:
“Entretanto, também por necessidade de tempos operatórios, achámos que deveríamos evoluir, até porque já íamos fazendo esvaziamentos axilares em regime de ambulatório, com uma pernoita. Começámos com pessoas mais novas, faz agora dois anos em agosto.”
O último grande “passo em frente” foi dado há ano e meio, com a decisão de realizar igualmente mastectomias radicais modificadas em ambulatório. E muitas vezes “juntar logo a reconstrução mamária, seja com expansor ou com utilização de músculo abdominal ou do grande dorsal”. Consultado o cirurgião plás-tico (o único de que o HDS dispõe atualmente), aquele “considerou que seria exequível”.
Excluídas deste procedimento ficaram, desde logo, as mulheres com patologia grave, bastante idosas, sem apoio familiar ou residentes muito longe do hospital. Poucos casos, segundo Madalena Nogueira, que faz questão em sublinhar o “bom serviço” prestado pela Unidade de Senologia no pós-operatório.
O investimento no acompanhamento pós-operatório tem sido tão significativo que, para além de haver toda a facilidade em contactar pessoalmente ou pelo telefone os profissionais da Unidade, até se investiu na criação de uma aplicação, no âmbito de uma parceria com a cadeira de Informática da Escola Superior de Gestão e Tecnologia de Santarém.
“As senhoras são introduzidas nesta aplicação informática e têm acesso a informação sobre possíveis complicações que possam surgir na sequência da cirurgia. Podem ver o que fazer se tiverem febre, se surgir um hematoma ou se um frasco de drenagem estiver cheio, por exemplo. Se não conseguirem no imediato resolver a situação, também são informadas sobre onde se dirigir, o que fazer. É uma aplicação que as ajuda muito a orientarem-se, é como se tivessem um kit de primeiros socorros no domicílio”, explica Madalena Nogueira.
“A enfermagem é essencial”
Em Santarém, as cirurgias da mama e da Ginecologia Oncológica em geral realizam-se normalmente às quintas e sextas-feiras. Incluindo a própria coordenadora, são quatro as ginecologistas obstetras com formação na área da senologia que integram a Unidade. Num sistema rotativo, quando umas operam as outras asseguram as consultas.
À semelhança das outras unidades distribuídas pelo país, no HDS o grupo também inclui profissionais da Radiologia, da Anatomia Patológica, da Oncologia, da Radioterapia ou da Cirurgia Plástica, sendo que outros serviços vão dando apoio quando solicitado, como é o caso da Psiquiatria, da Psicologia ou da Fisioterapia.
Quanto à enfermagem, Madalena Nogueira considera-a “essencial”. Afirma mesmo que, “sem as enfermeiras, nós não conseguimos fazer o que fazemos as unidades não sobrevivem”.
A formação é, no seu entender, muito importante, tendo um primeiro curso, intitulado “ABC em Senologia”, acontecido no início do ano.
“Estas ações são dirigidas às enfermeiras que trabalham connosco, da consulta, do bloco operatório e da cirurgia de ambulatório”, explica a médica, mas logo na primeira edição participaram também as duas secretárias clínicas, “pessoas extremamente importantes na estrutura”.
E justifica: “Para além de toda a ajuda que nos dão no funcionamento da Unidade, precisam de ter algumas noções que lhes permitam, por exemplo, orientar as senhoras relativamente à urgência de determinada situação. Isto também tem que ver com a proximidade que nós queremos ter com as nossas doentes, o sentirem-se apoiadas... Há ganhos de afetividade e de melhoria contínua dos cuidados que prestamos.”
Sofia Estevinho e Madalena Nogueira
O acompanhamento das mulheres intervencionadas vai prolongar-se, pelo menos, durante 5 anos, desde logo porque “temos de ter sempre em atenção os casos que podem recidivar”, lembra a coordenadora da Unidade de Senologia.
Se a doente tiver que fazer algum tratamento, nomeadamente quimioterapia, as consultas são alternadas entre a Ginecologia e a Oncologia e acontecerão de 3 em 3 ou de 4 em 4 meses. No caso da radioterapia (embora disponível no hospital, é assegurada por uma entidade privada) também é a Ginecologia que faz o seguimento.
A referida proximidade às doentes em que tanto se aposta em Santarém – e para a qual contribui “um grupo de enfermagem que nos dá um apoio fantástico” (Madalena Nogueira não se cansa de o repetir) – faz com que aquelas se sintam "tão acompanhadas e confiantes que, na esmagadora maioria dos casos, dispensam o apoio psicológico que lhes é colocado à disposição pelo hospital".
Profissionais envolvidos nas duas cirurgias acompanhadas pela Just News:
Magda Ramos (assistente operacional), Aldo Jarimba (cirurgião geral), Sofia Estevinho (ginecologista), Filomena Costa (enfermeira), M.ª Aline (anestesiologista), Fernanda Calhaz (enfermeira), Madalena Nogueira (ginecologista), Ribeiro de Carvalho (cirurgião plástico), Carlota Caldeira (enfermeira)
Unidade recertificada em 2019 como membro do Breast Centres Network
Unidade de Senologia do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia do HDS obteve novamente, em 2019, a certificação como membro do Breast Centres Network, integrando um grupo de unidades nacionais reconhecidas por aquela entidade.
Com 180 novos casos/ano, e de acordo com a sua coordenadora, “rege-se por elevados padrões de rigor e qualidade no que concerne à prevenção, diagnóstico e prevenção do cancro da mama”, sendo centro de referência das utentes de todo o distrito de Santarém enviadas do rastreio.
Para Madalena Nogueira, “o reconhecimento é prestigiante e motivo de orgulho para a Unidade de Senologia, para todos os profissionais que a integram e para as utentes que aqui são tratadas. É o corolário do empenho e dedicação de uma vasta equipa multidisciplinar, com formação altamente qualificada, que ao longo de mais de 20 anos de existência desta Unidade sempre se pautou pela prestação de cuidados de saúde de excelência às suas utentes”.
O know-how adquirido ao longo do tempo – desde que em 2005 se iniciou a cirurgia mamária conservadora para tratamento do cancro da mama em ambulatório – possibilita, atualmente, a realização de cirurgia mamária radical (mastectomia simples, mastectomia radical modificada, reconstrução mamária imediata…) em regime de ambulatório.
Por isso mesmo, foi decidido concorrer ao Prémio Saúde Sustentável com o projeto 1 Day Breast Surgery & Go Home.
Madalena Nogueira: “Nestes dois anos, não tivemos, felizmente, qualquer caso de complicação major que obrigasse a doente a regressar ao hospital a seguir à intervenção.”
A coordenadora refere-se a “benefícios irrefutáveis” com a realização destes procedimentos em ambulatório, nomeadamente: o aumento do bem-estar físico e mental das utentes; o retorno precoce à atividade laboral; a diminuição do número de internamentos e de reinternamentos; a redução da probabilidade de aquisição de infeções hospitalares.
”Os resultados em saúde são também indiscutíveis”, sublinha Madalena Nogueira, destacando, por exemplo, a realização de cirurgias diferenciadas com custos reduzidos, os ganhos de eficiência e a melhor gestão dos recursos humanos e financeiros do hospital.
O Breast Centres Network incorpora uma rede internacional de centros clínicos dedicados exclusivamente ao diagnóstico e tratamento do cancro da mama, incluindo as unidades que preenchem os requisitos para serem consideradas centros de referência.
Elementos da Unidade de Senologia de Santarém:
- À frente: Catarina Ivanova (anatomopatologista), Rosária Vicente (radioncologista), Sofia Estevinho (ginecologista), Madalena Nogueira (ginecologista), M.ª João Cabral (enfermeira)
- Atrás: Pedro Luís (anatomopatologista), Sandra Bento (oncologista), José Teixeira (ginecologista), Isabel Andrade (anatomopatologista), Fátima Santos (enfermeira), Ana Felicíssimo (enfermeira), José Fiel (ginecologista)
- Ausentes na foto: Inês Pereira (radiologista), Leonor Moutinho (radiologista), Isabel Sapeira (radiologista), M.ª João Guardado (radioncologista), Marisa Padilha (radioncologista), Marisol Correia (oncologista), Santiago Ortiz (anatomopatologista)
A reportagem completa pode ser lida no jornal Hospital Público de setembro/Outubro de 2019.