Neuropsiquiatria: «A estimulação magnética transcraniana (TMS) é uma técnica em ascensão»
Embora esteja a tempo inteiro na Fundação Champalimaud apenas desde dezembro de 2024, logo após ter obtido o título de especialista em Psiquiatria, Gonçalo Cotovio iniciou a sua ligação à Unidade de Neuropsiquiatria em 2015, enquanto interno do Ano Comum. E porquê este local? “Porque procurava uma instituição de excelência onde pudesse desenvolver investigação na área da Psiquiatria, e a FC destaca-se precisamente pela integração entre ciência, clínica e inovação.”
Natural de Lisboa, onde nasceu há 35 anos, sempre se imaginou a ser psiquiatra como o pai, com exceção de um curto período da sua vida, em que chegou a colocar a hipótese da Pedopsiquiatria.
Durante o curso de Medicina, que fez na Faculdade de Ciências Médicas, acabou por afastar essa ideia. Chegado à Fundação Champalimaud, ainda recém-licenciado, percebeu que a Psiquiatria era mais do que um interesse, era a sua vocação. A decisão sobre o local onde iniciaria a formação especializada, em 2016, surgiu naturalmente com o contacto com Albino Oliveira Maia e Bernardo Barahona Corrêa, levando-o a escolher o então CH de Lisboa Ocidental, instituição onde ambos exerciam.
Gonçalo Cotovio
A decisão de fazer o doutoramento em Biomedicina, que haveria de concluir em janeiro de 2023, acabou por imprimir ao internato um ritmo muito diferente do normal, incluindo uma interrupção temporária pelo meio, daí que só tenha obtido o título de psiquiatra em novembro de 2024.
No entanto, mesmo durante esse período de pausa, manteve uma ligação à prática clínica, sobretudo através da discussão de casos, dedicando simultaneamente, como estudante de doutoramento, grande parte do seu tempo à investigação dos circuitos cerebrais envolvidos nas doenças psiquiátricas e às formas de modular a sua atividade, em particular através da estimulação magnética transcraniana (habitualmente designada por TMS, de transcranial magnetic stimulation), cuja atividade está agora sob a sua coordenação na FC.
“Eu vim para esta instituição com o objetivo de fazer investigação e aquilo que na altura me propuseram foi estudar lesões cerebrais. Até pode parecer que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas a verdade é que o objetivo era conhecer melhor quais os circuitos cerebrais que estavam disfuncionais, ou alterados, nas perturbações psiquiátricas. Uma lesão é uma porta de entrada para identificar o circuito cerebral que não está a funcionar corretamente e, ao estimularmos esse circuito, podermos melhorar os sintomas da doença”, explica Gonçalo Cotovio, acrescentando:
“A TMS acaba por ser uma das estratégias mais fáceis de utilizar, até por não ser invasiva, estando neste momento aprovada para duas grandes perturbações, a perturbação depressiva major e a perturbação obsessivo-compulsiva. Trata-se de uma técnica que já está há muito tempo em ascensão e cuja importância é cada vez mais reconhecida.”
O desenvolvimento registado relativamente ao seu uso tem sido significativo, prometendo não ficar por aqui. O psiquiatra destaca, por exemplo, a conclusão a que chegou, em 2018, uma equipa no Canadá, que percebeu ser possível reduzir o tempo de uma sessão de quase 40 minutos para pouco mais de três, aumentando a frequência dos pulsos eletromagnéticos – obtém-se o mesmo resultado em menos tempo, sendo, por isso, mais confortável para o doente.
“Esta evolução tem acontecido particularmente na perturbação depressiva major, mas irá observar-se com certeza noutras situações para as quais a TMS está indicada, como a perturbação obsessivo-compulsiva”, refere Gonçalo Cotovio, adiantando:
“Nos EUA, já foi aprovado um protocolo de tratamento mais intensivo, que permite uma resposta mais rápida, evitando a necessidade de esperar duas, três ou quatro semanas até
que a pessoa sinta uma melhoria dos sintomas depressivos. Fazem-se 50 sessões de 10 minutos cada, durante um período de cinco dias seguidos, 10 sessões por dia, e os resultados parecem ser bastante promissores.”
O próximo passo significativo poderá ser, no seu entender, a individualização do tratamento, uma vez que “existem zonas específicas dos circuitos cerebrais que variam de pessoa para pessoa”. A questão será perceber se essa personalização poderá aumentar a taxa de respostas positivas que atualmente se observa, ou se permitirá apenas alcançar o mesmo resultado em menos tempo.
Entretanto, outros dois aparelhos de TMS juntaram-se, recentemente, aos três de que a Unidade de Neuropsiquiatria já dispõe, sendo que um deles “vai permitir alargar o nosso
programa de estimulação magnética transcraniana a outra indicação já aprovada nos EUA e na Europa e que se prende com a cessação tabágica”, avança Gonçalo Cotovio.
Neste caso, a bobina de TMS, colocada sobre o couro cabeludo, tem o formato de um capacete e permite direcionar o campo eletromagnético para circuitos cerebrais identificados
como disfuncionais e envolvidos na dependência da nicotina. “Os ensaios já realizados comprovaram que o tratamento é seguro e eficaz”, frisa.
Entre a curiosidade científica e o compromisso com os doentes, Gonçalo Cotovio representa uma geração de clínicos que vê na tecnologia “uma aliada para transformar a Psiquiatria”.
Da investigação dos circuitos cerebrais à aplicação de novas formas de estimulação, o seu trabalho na Fundação Champalimaud reflete a ambição de “compreender o cérebro para melhor cuidar”.
“Os doentes vêm com a esperança de que a TMS lhes dê mais qualidade de vida”
Quando Patrícia Pereira, 39 anos, chegou à Fundação Champalimaud, em 2021, na sequência do convite que lhe foi feito para integrar a Unidade de Neuropsiquiatria, não conhecia a técnica com que agora lida diariamente, mas mostrou-se imediatamente interessada em fazer formação em estimulação magnética transcraniana.
Mal acabou o curso de Enfermagem, começou logo a trabalhar na hoje designada ULS de Lisboa Ocidental. Durante 12 anos exerceu sempre em internamentos de Psiquiatria de Adultos mas também esteve 5 anos ligada ao Internamento e à Urgência de Pedopsiquiatria.
Patrícia Pereira
Em 2016, concluiu o mestrado na Área de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, obtendo o título de especialista pela Ordem dos Enfermeiros. Tem uma pós-graduação em Administração e Gestão Hospitalar e outra em Supervisão Clínica em Enfermagem. É professora convidada na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha e na Universidade Atlântica.
Está neste momento a iniciar o processo de doutoramento, no âmbito do qual pretende desenvolver um projeto no campo das intervenções psicossociais em pessoas com demência e perceber o impacto que a doença tem no cuidador informal e na sua qualidade de vida, com a consequente sobrecarga deste e do próprio doente.
Voltando à TMS, Patrícia Pereira considera que “a trajetória de aprendizagem desta técnica até lhe pareceu relativamente fácil”. No entanto, houve outros aspetos que também foram novidade para si e que a obrigaram a uma certa adaptação: “Eu vinha do Internamento, lidando com pessoas que se encontravam num estado mais agudo. Aqui a preocupação maior é procurar que os doentes não tenham recaídas, vigiando os sintomas de forma a evitar que isso aconteça.”
Classificando a TMS de “desafiante, não só pela parte clínica mas também pela componente de investigação”, diz que a mesma ocupa cerca de 70% da sua atividade assistencial.
Aliás, com três aparelhos distribuídos por duas salas que funcionam todos os dias úteis entre as oito da manhã e as oito da noite, o movimento é constante, sendo o trabalho assegurado por si e pelo seu colega João Estrela.
“São doentes, por exemplo, com depressão resistente, que já experimentaram vários antidepressivos que não surtiram efeito e que chegam até nós com a esperança de que este tratamento os possa ajudar a ter mais qualidade de vida. E, de facto, com o recurso à TMS, assiste-se a uma redução significativa dos sintomas depressivos”, reconhece Patrícia Pereira.
A enfermeira refere que, embora o tratamento em si demore poucos minutos, todo o processo de preparação do doente e depois da finalização do mesmo consome algum tempo. E esclarece: “O protocolo para a perturbação obsessivo-compulsiva exige ainda mais tempo, até porque temos que proceder àquilo que denominamos de provocação de sintomas.”
No entanto, salienta que a circunstância de cada sessão demorar hoje pouco mais de três minutos, em vez de quase 40, como sucedia, “veio facilitar muito a vida aos doentes”. Podem assim “manter a rotina diária praticamente normal, não impactando tanto na sua funcionalidade e possibilitando-nos tratar mais doentes que tanto necessitam”.

A reportagem completa pode ser lida no Jornal Médico de novembro 2025.


