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«É grave não termos um Plano Nacional da Doença Mental para o tratamento e a reabilitação»

“Porque é que não temos um Plano da Doença Mental para fazer o tratamento e a reabilitação e um Plano de Saúde Mental para promover a saúde?” A questão é colocada por João Marques-Teixeira, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), que sublinha ser "importante não afastar completamente os dois domínios, para perceber onde é que se ligam e em que se diferenciam”. 

O médico, e professor nas faculdades de Psicologia e de Medicina da Universidade do Porto, começa por esclarecer que já há muitos anos que defende a ideia da "separação conceptual entre o designado Plano Nacional de Saúde Mental e um não existente Plano Nacional da Doença Mental".

Em entrevista à Just News, afirma que “esta não separação tem implicações na planificação e organização dos planos de intervenção no âmbito da doença mental, constituindo uma falha grave”.

Saúde mental vs doença mental

De acordo com João Marques-Teixeira, “a saúde mental é um domínio da Saúde que importa ser promovido com estratégias e planos específicos, que devem ser transversais a toda a sociedade, tendo os agentes sociais um papel a desempenhar na sua promoção”.

E acrescenta que, por outro lado, “a doença mental é específica de uma especialidade médica que se chama Psiquiatria, pelo que as suas estratégias e planos têm uma especificidade própria e distinta dos da saúde mental”.


João Marques-Teixeira

Na sua opinião, “por haver objetivos e âmbitos diferentes, deve haver também uma distinção quer nas ações, quer nas práticas, quer na própria reflexão teórica sobre estas duas dimensões”. 

“Por que razão será que quando se fala em saúde mental se está a querer dizer doença mental?", questiona João Marques-Teixeira, considerando tratar-se de "um grande equívoco que necessita de ser esclarecido".

E acrescenta: "Um equívoco semelhante ao movimento que deu origem ao processo de desinstitucionalização, numa tentativa de integração de doentes crónicos na sociedade, mas que terminou numa transinstitucionalização, acabando os doentes for ficar ´alienados`, mas noutra instituição."

Inexistência de "uma verdadeira psiquiatria comunitária"

Convidado a desenvolver este conceito de "transinstitucionalização", o psiquiatra chama a atenção para o facto de "não existir em Portugal uma verdadeira psiquiatria comunitária – em que a comunidade é o centro de um processo –, mas sim uma psiquiatria feita na comunidade”.

E esclarece a ideia: “O que nós estamos a fazer neste momento é uma psiquiatria na comunidade, retirando os doentes dos hospitais psiquiátricos. E são doentes crónicos! Os casos agudos continuam a ser atendidos nos serviços de Psiquiatria dos hospitais gerais. O que se pretende é que as situações crónicas passem a estar em lares ou instituições protegidas na sociedade, com vista à sua integração social.”



João Marques-Teixeira diz que concorda com o modelo, mas não com a forma como foi operacionalizado: “O que acabou por acontecer foi uma transinstitucionalização, não foi uma desinstitucionalização. Simplesmente tiraram-se os doentes para outras instituições mais pequenas e não para a comunidade. Isso não é mau, mas é algo que devia ser assumido.”

Na sua opinião, “o problema está no facto de em muitas das situações os doentes terem piorado a sua qualidade de vida”, sendo isso consequência de uma “uma não preparação atempada para a operacionalização deste modelo. Mas também por falta de meios financeiros”.

Na verdade, “quando se quer fazer uma transição desta natureza, normalmente, são precisos 8 a 10 anos para preparar a comunidade com os dispositivos necessários para receber esses doentes. A meu ver, o problema não é ideológico, é operacional. Não foram dados os passos que deviam ter sido dados”.

“O que acabou por se verificar foi que a comunidade não funcionou como um meio para melhorar as condições de vida dos doentes mentais, mas como um fim em si mesma. A meu ver, não é uma solução adequada para estas situações. Houve aqui uma perversão entre meios e fins”, conclui.

“Se estas instituições fechassem as portas seria um autêntico caos"

João Marques-Teixeira vai ainda mais longe, dizendo que “a consequente diminuição do número de camas para tratamento de doentes psiquiátricos só não acabou num desastre sanitário porque uma grande parte da assistência aos doentes crónicos e aos novos crónicos (aqueles que fazem internamentos, saem e voltam aos internamentos) é assegurada pelas ordens religiosas e pelas instituições da Santa Casa da Misericórdia”.

“Se estas instituições fechassem as portas seria um autêntico caos. É o Estado, o mesmo Estado que fechou os hospitais psiquiátricos, que envia os doentes para as ordens religiosas. Quando olhamos para o discurso teórico e para a prática, achamos que uma coisa não condiz com a outra”, observa.



De acordo com o médico, não será de estranhar "que alguns países tenham decidido voltar a construir pequenos hospitais psiquiátricos, quase como que assumindo que houve uma espécie de extremar do modelo e que agora é preciso pô-lo no sítio certo.

João Marques-Teixeira considera que "não é voltar ao alienismo, mas também não é recusar uma instituição digna, que será o local onde alguns dos doentes que não conseguem recuperar a sua autonomia devem ou podem estar”.

E dá o exemplo do que se passa em Inglaterra, “não só no domínio da psiquiatria na comunidade, como na criação de pequenas unidades hospitalares para doentes crónicos com défices de assistência familiar”.

 

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