Programa de reabilitação respiratória domiciliário concebido por Liliana Silva revela efetividade

Há mais de uma dúzia de anos que Liliana Silva, enfermeira da ULS de Matosinhos, trabalha na área da reabilitação respiratória, com uma particular dedicação à DPOC. Não admira, pois, que a sua tese de doutoramento, defendida, com êxito, no passado dia 10 de janeiro, se tenha debruçado sobre a efetividade de um programa de reabilitação respiratória de manutenção domiciliário e envolvendo doentes com essa patologia. Aliás, são promissores os resultados preliminares do ensaio clínico que visa testar o Rehab2Life, o programa de 12 meses por si desenhado.


Liliana Silva

"40% das pessoas com DPOC são elegíveis para o programa"

Liliana Silva começa por deixar claro que a reabilitação respiratória (RR) “é a intervenção não farmacológica mais custo-efetiva” para o tratamento e gestão da doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC). No entanto, o acesso à RR “permanece escasso e os seus benefícios diminuem ao longo do tempo se não ocorrerem alterações comportamentais”.

A primeira fase do trabalho de investigação por si desenvolvido veio confirmar aquilo que o seu dia-a-dia como enfermeira da Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) de Matosinhos já lhe tinha permitido perceber, ou seja, que boa parte dos utentes com uma doença respiratória crónica submetidos a um programa de RR de 8 ou 12 semanas voltavam a repeti-lo passado algum tempo.

Considerando uma amostra de doentes com DPOC seguidos na Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), Liliana Silva chegou à conclusão de que isso acontecia em 67% dos casos. Também foi possível apurar, por exemplo, que 76% dos que foram internados em resultado de pelo menos uma exacerbação grave no espaço de um ano não tiveram acesso a RR.

“Percebemos igualmente que 40% das pessoas com DPOC são elegíveis para o programa de RR. Em Matosinhos, temos uma taxa de acesso à RR (15,4%) superior à média nacional (1 a 2%), mas, mesmo assim, continua a ser baixa”, frisa. Fazendo uma revisão da literatura existente sobre a matéria, tendo como base alguns estudos realizados noutros países, Liliana Silva concluiu o seguinte:

“Os resultados suportam a ideia de que os doentes com DPOC submetidos a programas de RR de manutenção supervisionados parecem beneficiar de melhorias significativas, nomeadamente, na sua capacidade funcional e em termos de qualidade de vida, reduzindo, em última análise, o risco de futuras exacerbações e morte.”

No entanto, a nossa entrevistada esclarece não ter conhecimento de que um programa de RR com estas características tenha já sido implementado a nível do sistema de saúde nalgum país: “Ainda se está a tentar perceber qual a melhor forma de o fazer, por exemplo, se deve envolver a telerreabilitação ou não, para além de que o programa a aplicar terá sempre que ser adaptado a cada contexto.”

Mas admite que “Portugal até apresenta a vantagem de ter enfermeiros especialistas em reabilitação, para além de outros profissionais envolvidos na área da RR, e a possibilidade de se fazer a ponte entre os cuidados de saúde primários, com as suas UCC, e os hospitais, nomeadamente os serviços de Pneumologia e de Medicina Física de Reabilitação”. E acrescenta:

“A aposta na integração de cuidados, de que a ULS de Matosinhos é um bom exemplo, com um modelo de articulação precursor e que já tem 25 anos, torna possível, no meu entender, a concretização de um programa de RR com estas características, podendo ser uma resposta efetiva às necessidades das pessoas com DPOC.”


Reabilitar em casa com os recursos disponíveis

Liliana Silva afirma que o programa de reabilitação respiratória de manutenção domiciliário que idealizou “tem um enfoque particular na promoção da mudança comportamental dos doentes e na adaptação do seu estilo de vida às limitações impostas pela DPOC”. Isto para “otimizar a sua qualidade de vida e a capacidade de autocuidado”.

“É como deixar de fumar! A pessoa até o pode conseguir fazer nas primeiras semanas, mas depois, se não mantiver esse comportamento, será difícil não voltar a fumar”, diz, em jeito de comparação, prosseguindo:



“O que sucede atualmente é que a pessoa admitida num programa de RR é submetida a um tratamento de oito semanas baseado em exercício físico que sabemos vir a originar uma melhoria muito significativa no que respeita aos sintomas da DPOC. Mas se depois não mantiver esses cuidados em casa acaba por perder os benefícios que advêm da RR, voltando a sentir uma limitação funcional. A questão que se coloca é que a generalidade das pessoas também não sabe muito bem como utilizar os recursos que tem na sua habitação para manter a atividade física.”

A ideia é precisamente o enfermeiro de reabilitação deslocar-se a casa do utente e, durante essas oito semanas, promover a realização dos exercícios necessários sem a ajuda de uma passadeira, de alteres e de outros dispositivos e equipamentos disponíveis no hospital.


“O facto de se realizar o programa em casa do doente, fazendo uso dos objetos que estiverem à mão, das escadas se as houver, ou até do espaço no exterior para efetuar uma caminhada, isso é facilitador para integrar depois o recurso aos mesmos na rotina diária, com o auxílio de um esquema de atividades, com a indicação dos objetivos a atingir e até a disponibilização de um podómetro”, enumera Liliana Silva.

O Rehab2Life é um programa de 12 meses, “período de tempo aceite pela literatura disponível como sendo já vantajoso até para os doentes mais graves”. Inclui uma primeira fase, que consiste nas já referidas 8 semanas de RR, com duas sessões semanais, sendo a segunda fase considerada de manutenção.


A deslocação ao domicílio do profissional de enfermagem de reabilitação acontece então apenas uma vez por semana, passando depois a quinzenal, alternando com contactos telefónicos, que se mantêm numa fase final do programa, em que se efetua apenas uma visita domiciliária mensal.

“Este acompanhamento serve para verificar se a pessoa continua a manter a capacidade ou os conhecimentos necessários para a gestão da sua DPOC, mas também para a motivar no sentido de atingir os objetivos que lhe são apresentados. Com a aplicação deste programa, aquilo que verificamos é que os doentes com maiores limitações funcionais são os que com ele mais beneficiam, mantendo a longo prazo os ganhos conquistados”, sublinha Liliana Silva.

Ensaio clínico testa efetividade do programa

Testar a efetividade do programa Rehab2Life através de um ensaio clínico controlado randomizado mono-cego com dois grupos paralelos é o que está neste momento a acontecer, constituindo a parte final do trabalho de investigação de Liliana Silva. Este estudo iniciou-se ainda em 2022 e os doentes vão sendo incluídos no mesmo à medida que são referenciados e depois de validados todos os critérios de segurança que permitem a sua inclusão no grupo sujeito a RR no domicílio.

Cerca de duas dezenas de utentes da ULS de Matosinhos com DPOC já concluíram este programa de manutenção de RR domiciliário de 12 meses, mas o estudo só estará finalizado quando um total de 160 doentes tiverem ensaiado este modelo de RR.

De qualquer forma, comparativamente com o denominado grupo de controlo, que tem recebido os cuidados habituais e efetuado as consultas regulares, “os resultados preliminares sugerem que o programa Rehab2Life é seguro e efetivo na melhoria da capacidade funcional em indivíduos com DPOC”, observa Liliana Silva, concluindo:

“Este trabalho destaca o valor dos estudos realizados em ambientes reais para otimizar as intervenções de RR e sublinha a importância de adaptar os programas às necessidades individuais para melhorar os resultados.”

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