Saúde Mental: baixo investimento «limita acesso a intervenções»
“As despesas que forem alocadas à promoção da saúde mental e à prevenção da doença mental têm de ser olhadas como um investimento que terá, seguramente, repercussões muito positivas na produtividade, na economia e na qualidade de vida.” As palavras são de Maria João Heitor, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), que foi a anfitriã da cerimónia de abertura do XV Congresso Nacional de Psiquiatra, a decorrer, online, até sábado.
Maria João Heitor
O evento, subordinado ao tema “Vulnerabilidade, Stress e Estratégias de Mudança”, contou, nesta sessão, com a intervenção do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, tendo ainda sido transmitida uma mensagem do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Realçando que “não há dúvidas de que a saúde mental deve ser uma preocupação de todos”, o bastonário criticou o facto de haver várias ideias boas, mas que não são aplicadas no terreno. “Não necessitamos de mais estudos ou planos, mas de fazer acontecer”, disse.
Miguel Guimarães mostrou-se também preocupado com os profissionais de saúde que já antes da pandemia viam a sua saúde mental afetada, lembrando um estudo da OM, efetuado antes da pandemia, segundo o qual 66% dos médicos reportavam um elevado nível de exaustão, 39% de despersonalização e 30% de diminuição da realização profissional.
Miguel Guimarães
O Presidente da República, numa mensagem gravada, apontou, por sua vez, que “a pandemia fez emergir ou agravou algumas fragilidades”, dando maior visibilidade às questões da saúde mental, que vê como “a irmã pobre da Saúde”. Invocou, assim, a necessidade de haver mais investimento nesta área.
O que vai menos bem e… “muita esperança” no PRR
Maria João Heitor também falou sobre o que vai menos bem no setor, referindo os últimos dados, já de 2021, do Atlas de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) e que revelam “profundas desigualdades”. Uma situação preocupante, na sua opinião, sobretudo por três aspetos: baixo investimento financeiro, limitação na acessibilidade a cuidados e reduzida capacidade nos sistemas de informação.
No primeiro caso, o maior impacto incide, como referiu, nos recursos humanos das equipas multidisciplinares, acabando, assim, “por se limitar o acesso a intervenções farmacológicas, psicossociais e comunitárias”.
Apesar de reconhecer o “esforço” do Ministério da Saúde para colmatar as insuficiências, Maria João Heitor enfatizou que ainda há muito a fazer, tendo a SPPSM criado, inclusive, o Observatório da Saúde Mental. “Vamo-nos articular com a Direção-Geral da Saúde, em particular com o Programa Nacional para a Saúde Mental, assim como com as coordenações regionais”, garantiu.
No caso dos sistemas de informação, salientou que seria importante que os mesmos deveriam ter capacidade para reportar indicadores específicos que servissem como referência para os políticos. “São fundamentais para que as decisões sejam, tanto quanto possível, baseadas na evidência. São também importantes para os profissionais de diferentes setores e para os cidadãos, como contributo para o aumento da literacia em saúde mental”, afirmou.
Maria João Heitor não se ficou, contudo, pelos aspetos mais negativos e realçou a proposta de deliberação sobre o decreto-lei que estabelece os princípios gerais e as regras de organização e funcionamento dos serviços, assim como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no qual se deposita “muita esperança”.
O Congresso Nacional de Psiquiatria em formato presencial deverá regressar em 2022. (A foto retrata a edição de 2020, que se realizou no final de janeiro, em Tróia.)
A apelar igualmente a uma maior valorização da saúde mental, interveio Joaquina Castelão, presidente da FamiliarMente - Federação Portuguesa das Associações das Famílias de Pessoas com Experiência de Doença Mental.
E começou por destacar a mudança do modelo de governação e financiamento nesta área, assim como na reorganização dos serviços e dos cuidados de saúde. “Devem privilegiar o trabalho em equipa, garantindo, assim, cuidados integrados e de proximidade, bem como o acesso e equidade ao tratamento adequado”, disse.
Para que esta “mudança urgente” seja uma realidade, Joaquina Castelão apelou a todos os intervenientes (responsáveis políticos, dirigentes, colaboradores dos serviços e representantes das famílias e dos utentes e comunidade em geral) que devem colaborar “de forma ativa”, nomeadamente, em equipas multidisciplinares.
Joaquina Castelão
A presidente da FamiliarMente falou ainda da necessidade de consolidação do Despacho de junho deste ano, no que diz respeito à disponibilização dos fármacos orais e injetáveis a todas as pessoas com doença mental grave que são seguidas no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
No final, deixou um pedido: “É importante que os profissionais de saúde passem a considerar a família como um parceiro, quer na definição do plano de tratamento, quer no de reabilitação.” Acrescentou ainda a relevância de cada utente e família terem um técnico de referência, “a quem possam recorrer nas situações de crise e de aflição”.
A marcar presença na abertura da reunião magna da SPPSM esteve também Joaquim Cerejeira, presidente da Comissão Organizadora do XV Congresso Nacional de Psiquiatria, que enalteceu a participação de não psiquiatras, quer como palestrantes, quer na audiência.
Adriano Vaz Serra
Homenagem ao “ilustre” Adriano Vaz Serra
Após a sessão de abertura, foi efetuada uma homenagem ao psiquiatra Adriano Vaz Serra, que faleceu em 2019. A apresentação do seu trabalho coube ao também psiquiatra e psicoterapeuta Carlos Braz Saraiva, que apresentou o homenageado como “um dos mais ilustres psiquiatras portugueses, um homem probo, um médico dedicado, um professor querido e um cidadão de consciência cívica elevada”.
Recorde-se que Adriano Vaz Serra foi diretor do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, professor catedrático de Psiquiatria da FMUC, para além de ter fundado e presidido a diversas organizações e sociedades científicas nas áreas da Psiquiatria, da Psicologia e da Psicoterapia. Foi ainda o primeiro presidente da Direção do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e foi o presidente da nova era da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.